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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

O Xadrez Internacional, por João Batista Ericeira

Desde a antiguidade clássica, gregos e romanos sabiam ser o comércio entre os povos o vetor principal da circulação de pessoas e ideias, antídoto essencial para as guerras, pois em se negociando no mais amplo sentido do termo, se evitam os nefastos conflitos bélicos…

 João Batista Ericeira é professor universitário e advogado.

 

Dia 14 de maio o diplomata brasileiro Roberto Azevedo renunciou a um ano de mandato de Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio-OMC, sediada em Genebra na Suíça. Organismo multilateral da mais alta relevância, intermedia acordos de comércio e tecnologia entre os seus mais de 160 países-membros. Quando assumiu o cargo em 2013, Azevedo percebeu os obstáculos que enfrentaria em tempo de antiglobalização, agravado pela ascensão de Donald Trump, intransigente defensor de barreiras protecionistas e do nacionalismo econômico.

Os efeitos da pandemia se abateram sobre os países, mas também sobre as organizações internacionais, mantidas pelas contribuições dos seus integrantes. Desde a antiguidade clássica, gregos e romanos sabiam ser o comércio entre os povos o vetor principal da circulação de pessoas e ideias, antídoto essencial para as guerras, pois em se negociando no mais amplo sentido do termo, se evitam os nefastos conflitos bélicos.

A chamada “Era Trump” caracteriza-se pela criação do contexto de bipolarização entre os Estados Unidos e a China, relegando-se a plano secundário as normas e as organizações internacionais. O mundo é cada vez mais interdependente e próximos os povos pelos modernos meios de transporte e as tecnologias da informação. Compreende-se, no entanto, que Trump e a Xi Jinping façam o jogo dos seus interesses nacionais. Antes da Queda do Muro de Berlim, americanos e russos jogavam o mesmo jogo, com promessas comerciais, bélicas e políticas aos povos do mundo inteiro. A bipolaridade interessava a ambos, e custou na guerra instalada o estabelecimento de regimes autoritários na América Latina, justificados pelo enclave criado pelos russos na ilha de Cuba. No Brasil, durante o curso governo de Jânio Quadros, o Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, iniciou o que se convencionou chamar política externa independente, consistindo simplesmente em o Brasil tirar vantagens para si das divergências entre os dois blocos. A estratégia prosseguiu no governo João Goulart, sob a liderança do jurista Santiago Dantas, auxiliado de perto por nosso conterrâneo Renato Archer. Baseava-se em lógica simples: os países não têm amigos, mas parceiros. A prioridade era comprar e vender de e para todos com maiores vantagens para o Brasil. Após a derrubada de João Goulart, erigindo-se o regime autoritário, deu-se maior aproximação e alinhamento com os Estados Unidos, decorrentes de renegociação de empréstimos e de novos financiamentos, liderados por Roberto Campos, ministro do Artigo Publicado em “O Imparcial” governo Castelo Branco. O mesmo que acompanhara a visita de Goulart a Washington, com a semelhante finalidade de negociar a dívida externa durante o governo Kennedy. A linha da política externa independentista retorna no governo Ernesto Geisel, liderada pelo chanceler Azeredo da Silveira, sob o rótulo de “pragmatismo responsável e econômico”, refazendo-se acordos energéticos e militares com os Estados Unidos e países europeus. Reconheceu-se a independência das colônias portuguesas na África; ampliaram-se as tratativas comerciais com os árabes em plena crise do petróleo; estabeleceram-se relações diplomáticas com a China comunista. A mesma diretriz prosseguiu nos governos seguintes. E, por oportuno, a linha de continuidade se deveu aos quadros do Itamarati, de elevado preparo e alta competência. Imerso nessas reflexões, deparei com um livro que a tempo requeria leitura: “Lisboa- Guerra Nas Sombras”, do pesquisador Neill Lochery, da University College London, relatando como o chefe do governo português, Oliveira Salazar, jogou com aliados e nazistas para manter seu país neutro, e abarrotá-lo de ouro, usado mesmo depois da Revolução dos Cravos em 1974. Atitude parecida a de Getúlio Vargas que explorou o conflito entre nazistas e aliados para ganhar Volta Redonda, base da industrialização do Brasil. A lição: as relações externas são jogo de xadrez, em seu tabuleiro mexe-se com pedras fundamentais para o futuro dos países.