“O novo primeiro-ministro britânico enquadra-se no perfil populista, histriônico, caricato, considerado o “Donald Trump da Inglaterra”, consegue tirar o inglês do sério…”
João Batista Ericeira
é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados
Nos anos trinta da centúria anterior as classes médias da Alemanha e da Itália, apavoradas com o surgimento do comunismo na Rússia, levaram ao poder dois líderes populistas. Os alemães elevaram Adolfo Hitler ao cargo de primeiro-ministro, e os italianos fizeram os mesmo com Benito Mussolini, ambos, descriam nos Parlamentos e nos partidos políticos. Os utilizaram apenas para a conquista do cargo político supremo. Em seguida, iniciaram o desmonte das instituições, impondo regimes de força que os conduziram a hecatombe da Segunda Guerra Mundial. Vencida esta última pelos Aliados, a democracia passou a ser defendida como regime ideal para todos os países do Ocidente.
Na esteira, surgiu a Organização das Nações Unidas, encarregada de manter a paz, a grande conquista dos vencedores, amparada por sucessivas Declarações de Direito. A Rússia, organizada em forma de repúblicas soviéticas, mesmo litigando com as democracias do bloco capitalista, na chamada Guerra Fria, confronto armamentista e ideológico, não renunciava de denominar os países sob sua influência de democracias populares. A democracia era, enfim, o consenso, que se imaginava definitivo. Divergia-se apenas quanto ao rótulo ideológico.
Os países ocidentais conheceram no período pós-Guerra, a partir de 1945, um enorme surto de desenvolvimento industrial, com progresso e bem-estar social. No mesmo espaço de tempo, realizou-se considerável distribuição da renda, ampliando-se a ação do Estado previdenciário.
Mas nos últimos 40 anos, a situação vem se alterando em decorrência de mudanças determinadas por nova revolução industrial substituindo o emprego de mão-de-obra pela utilização de novas tecnologias digitais, enfraquecendo as classes médias surgidas no pós-Guerra, agora, ameaçadas pelas levas migratórias alterando a composição das populações, muitas delas à margem das conquistas do Estado do Bem-Estar Social, como boas as escolas e as oportunidades de trabalho.
O fenômeno universalmente visível é bem nítido nos países do Ocidente, onde vivem 85% da população com elevado poder aquisitivo, que vem sendo reduzido ao longo das últimas décadas, ao lado de movimentos nacionalistas de caráter autoritário. O fenômeno se repete na Itália, Rússia, Polônia, Hungria, Turquia, Índia, Filipinas, e quem diria, Estados Unidos, considerado o modelo ideal da democracia ocidental.
O Brasil não escapou da tendência, elegeu no último pleito presidencial candidato “outsider,” a margem das organizações partidárias e das lideranças tradicionais. A Constituição Federal de 1988, espelhada no padrão da democracia-social e no do Estado do Bem-Estar Social norte-americano, não foi capaz de responder satisfatoriamente às novas classes médias resultantes dos períodos desenvolvimentistas.
Semana passada, o sisudo Reino Unido, de sua majestade britânica, assistiu a posse do primeiro-ministro Boris Johnson, mais um populista assume a chefia do governo, ao meio do impasse do Brexit, resultante do plebiscito concluindo pela saída do país da União Europeia. A antecessora, Theresa May, do mesmo partido, não teve êxito na firmatura dos acordos viabilizadores da decisão popular.
O novo primeiro-ministro britânico enquadra-se no perfil populista, histriônico, caricato, considerado o “Donald Trump da Inglaterra”, consegue tirar o inglês do sério. Os indicadores, além da crise dos partidos explicam um pouco. Lá, 1% dos mais ricos dobrou sua participação na renda nacional. 500 mil pessoas empobreceram nos últimos 5 anos, atualmente, vivem com ganho mensal inferior a 60% da média do país. Considerável concentração da renda entre os mais ricos. O que dizer do Brasil? Explica bastante o que ocorreu no nosso último pleito presidencial. As democracias precisam buscar soluções para as demandas das novas classes médias. Aqui e alhures elas se encontram ameaçadas por discursos e ações de líderes populistas autoritários. As peças de retórica variam: protecionismo, ambientalismo, intolerância cultural e religiosa, nacionalismo, desprezo pelas Declarações de Direito. Nem os ingleses supunham ver a ascensão de Johnson.