Adriano Moreira
O fim da Segunda Guerra Mundial, que foi noticiado como “uma alegria coberta de lágrimas”, encontrou em homens excecionais a capacidade de recriar um futuro de esperanças. A principal criação foi, da parte dos ocidentais, a organização da ONU, rapidamente secundarizada pela nova Ordem dos Pactos Militares (NATO – Varsóvia), que não impediu os conflitos marginais, sobretudo no sul do globo, com custos humanos que silenciaram praticamente os paradigmas da ONU. A mudança inquietante da circunstância não impediu que a Assembleia Geral adotasse em 2005 o princípio de uma “responsabilidade de proteger”, que, como escreveu Delphie Placidi (2011), “provocou a desconfiança de numerosos Estados”.
Todavia, apareceram homens como Marshall com o plano (1947) de ajuda económica a todos os países europeus sem distinguir entre vencedores e vencidos, Robert Schuman, Konred Adnauer e Alcide de Gasperi, que colocaram a unidade europeia sem pensar na retaliação, e também inspiradores do que teria expressão histórica na importante fundação da UNESCO (1946), que seria contributo para a paz e a segurança no mundo, que perdeu inquietante milhões de mortos na guerra finda, e, vindos do que fora chamado Terceiro Mundo, homens como Mahatma Gandhi, que morreria assassinado, e Nelson Mandela, que substituíra o conflito racial pela expressão “povo arco-íris”, pregadores e interventores que viriam a influenciar o evangelho da UNESCO.
Deste exprimiu uma corrente americana a inquietação com o projeto que via levar a subordinar o mundo afluente ao chamado Terceiro Mundo, numa organização “em que os que pagam não mandam, e mandam os que não pagam”. Regressaram felizmente em 2003, o ano em que foi proclamada a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Não apenas a situação global da crise da pandemia, que não distingue diferenças étnicas ou de cultura, mas é a desarticulação do ordenamento mundial, que obriga chefes militares (EUA, Inglaterra) a alertar para a existência de um risco de guerra, que leva a recordar a histórica recordação das palavras de Václav Havel, um dos notáveis defensores dos que, como Harrington, identificaram com o nome de Nonpeople, e que foram as seguintes: “O pior é que vivemos num meio notavelmente diferente. Estamos eventualmente doentes, porque estamos habituados a dizer uma coisa e pensar outra. Aprendemos a não acreditar em nada, sermos indiferentes uns aos outros, a ocupar-nos apenas de nós próprios. Nações com o amor, a amizade, a piedade, a humildade ou o perdão perderam a sua profundidade e a sua dimensão.”
Palavras que são recordadas pelo que se passa no continente americano, não apenas no sul, onde, sem exceção, é visível a falência das convicções partilhadas entre o Abade Correia da Serra quanto ao sul, em que destacava o Brasil, e o norte com Jefferson, o autor do que foi chamado “Jeffersonian Democracy”. Uma criação de pensadores amigos, que, quanto ao segundo, advogara um sufrágio universal, um governo bicamaral, instituições estáveis, garantia de direitos incluindo a liberdade, uma democracia de Estados federados, respeitados pelo Governo federal.
O passado internacional da ordem estabelecida depois de duas guerras mundiais implicou não recordar excessos do passado, para reconhecer a importância mundial, não apenas do sonho de Correia da Serra – Jefferson, mas do grande país EUA, Estado hierarquizado pela estrutura do Conselho de Segurança da ONU, e pelos estadistas de mérito internacionalmente reconhecido. É surpreendente que nesta data tenha de ser visto como um Estado em crise, facto que atinge a ordem internacional, que a Jeffersonian of Democracy não seja visível na competição contra a legalidade das eleições para a presidência, que o civismo partilhado tenha sido desconsiderado pela afirmada eliminação da justa prática global.
Não é possível admitir que o The Nonpeople de Harrington tenha abrangido o desafiado eleitorado, que venha a ganhar exposição o que Havel chamou, num ensaio famoso, “o poder dos que não têm poder”, do qual um crítico dizia: “O autor explicava que uma vida com verdade, a pregação da verdade deve fatalmente produzir os seus frutos, que ela não pode desaparecer, ser esquecida no meio onde a verdade foi proclamada.”
Um dos inquietantes efeitos, já verificável em várias eleições, é o afastamento do eleitorado, cansado de verificar a frequência com que a realidade se afastou dos programas votados. O chamado populismo enriquece a presença em nova parcela do historicamente chamado Estado espetáculo. Infelizmente, os EUA participaram de uma presidência que assumiu o modelo. A estrutura legal do globalismo recebeu, para o novo Presidente, o dever assumido da restauração, e com ela a esperança, sem distinção de etnias, culturas, e crenças.