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CENTRO DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS E DE GESTÃO PÚBLICA

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A liberdade econômica e o risco de ilegalidade

LIBERDADE ECONÔMICA

A classificação administrativa do risco das atividades econômicas não pode se sobrepor à das leis

JACINTHO ARRUDA CÂMARA

A liberdade econômica é garantida pela Constituição de 1988. Ela assegurou o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Somente em 2019 o tema recebeu tratamento amplo em lei ordinária, a chamada Lei da Liberdade Econômica. Esta lei conferiu a toda pessoa, natural ou jurídica, o direito de desenvolver atividade econômica de baixo risco sem a necessidade de quaisquer “atos públicos de liberação”.

A lei foi abrangente ao definir “atos públicos de liberação”. Estão incluídos “a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro, o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação (…) como condição para o exercício de atividade econômica”. Coube ao Executivo Federal dispor sobre a classificação das atividades de baixo risco.

Em dezembro de 2019 o tema foi disciplinado por decreto, já modificado em fevereiro de 2020. O decreto de fevereiro submeteu à classificação de risco atividades econômicas que dependam de atos públicos de liberação previstos nas leis.

Foram definidos três níveis de risco. A classificação das atividades deve ser feita pelo responsável pelo ato público de liberação. No nível I — risco leve, irrelevante ou inexistente — a atividade será dispensada de qualquer ato público de liberação. O decreto também impõe que pelo menos uma hipótese seja classificada no nível de risco I, salvo justificativa da autoridade máxima do órgão ou da entidade responsável pelo ato de liberação.

Se a lei específica tiver exigido ato de liberação para todos os agentes de certo mercado, pode a administração dispensá-lo apenas por considerar a atividade de baixo risco?

Tomado ao pé da letra, o decreto autoriza a supressão de qualquer ato de liberação previsto em lei. Basta classificar todas as atividades como de risco I.

A Lei de Liberdade Econômica não produziu esse efeito derrogatório geral e irrestrito. Muito menos permitiu que as autoridades administrativas eliminem todas as exigências das leis específicas. Fosse este o sentido da nova lei, setores estratégicos da economia estariam com a regulação em xeque (o sistema financeiro, p.ex.).

O decreto tratou do risco de eventos danosos, mas esse não é o único motivo para exigir um ato de liberação. As exigências legais específicas podem atender a outras finalidades, como registrar agentes de um mercado, vinculá-los de modo eficiente a atos e normas do regulador, definir tratamento especial a certo segmento e assim por diante. Eliminar atos de liberação analisando apenas o potencial de ocorrência de eventos danosos pode desmantelar a regulação de setores sofisticados da economia.

A política pública de desregular também gera riscos. O regulador setorial tem de atuar com prudência. Não pode sucumbir à tentação de, em busca da simplificação, produzir atos ilegais ou contrários à racionalidade da regulação.

JACINTHO ARRUDA CÂMARA – Professor Doutor da PUC/SP e Vice-presidente da SBDP.

Publicado originalmente na Revista Jota, em 25/02/2020 09:03

 

 

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