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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A TENTAÇÃO DA CENSURA – por Sergio Tamer

“O certo é que o cidadão comum, desconfiado com o que já se viu no passado, lembra que hoje tanto a ladeira do inferno quanto as propostas de regulação da internet estão repletas de bem-intencionados…pois ele sabe que se um projeto dessa natureza for efetivado, isso irá nivelar o Brasil a países autoritários e sem liberdades…”

Por Sergio Tamer

          O ato em desagravo às instituições, promovido pelo governo em face da intentona de 8 de janeiro, recebeu acerbas críticas em editorial estampado pela Folha de São Paulo, exatamente pelo que ele foi: uma inflamada manifestação do presidente Lula e do ministro Alexandre de Moraes, pelo endurecimento da regulamentação-censura da Internet, sob a justificativa de que “o discurso de ódio, as mentiras e as desinformações” fomentaram o 8 de janeiro. Trata-se de uma controversa pauta legislativa com a veemente manifestação de um ministro do STF, que deveria manter o comedimento de um magistrado, posto que também é o presidente do TSE. Utiliza-se, paradoxalmente, da retórica de defesa da democracia para atacar-se um dos seus pilares, que é a liberdade de expressão.

           Registre-se, desde logo, a pesquisa conduzida pela Genial/Quaest, divulgada no dia 7/1 deste ano de 2024, demonstrando que 89% dos brasileiros desaprovam as invasões ocorridas em 8 de janeiro de 2023, isto é, uma posição que se mantém um ano após aqueles ataques antidemocráticos. Ou seja, apenas uma minoria de 6% dos entrevistados aprovou a baderna, enquanto 4% não responderam ou estavam indecisos. Mas há que fazer do limão uma limonada, expressão usual semelhante a uma outra: “há males que vem para o bem”, frase bem mais aceita que aquela  oriunda da fina-flor da malandragem política: “quanto pior, melhor”. No caso, tirar o máximo proveito político do 8/1 pareceu ser o objetivo do governo, ao invés de celebrar o acendrado espírito democrático da população brasileira que de forma esmagadora repudiou aquele atentado às instituições. Faltou, assim, o verdadeiro espírito cívico a animar a retórica governista, mas em compensação sobraram muitos heróis de fancaria.

          O certo é que o cidadão comum, desconfiado com o que já se viu no passado, lembra que hoje tanto a ladeira do inferno quanto as propostas de regulação da internet estão repletas de bem-intencionados…pois ele sabe que se um projeto dessa natureza for efetivado, isso irá nivelar o Brasil a países autoritários e sem liberdades. Basta lembrar o que se sucede na China, Rússia, Iran, Síria, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, Nicarágua e outros. Nas democracias, ao contrário, punições por crimes de calúnia, injúria ou difamação, inclusive de forma midiática, sempre existiram, pois há que haver equilíbrio entre liberdade e responsabilidade. No entanto, cabe somente à Justiça julgar e punir o conteúdo ilegal. O que não pode haver é a censura prévia, a intimidação por partes de servidores públicos, o que seria intolerável para o padrão democrático que já conquistamos.

          Recorde-se aqui que a Lei de Imprensa de 1967 (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro), que regulava a “liberdade de manifestação do pensamento e de informação” em uma época em que não havia celulares e muito menos smartphones, vigorou até abril de 2009 quando o STF, acolhendo uma arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pelo deputado federal Miro Teixeira (MDB), considerou que a lei não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e acabou decidindo pela sua inconstitucionalidade. No seu art.12 ela prescrevia: “Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem.”   Mas o STF achou que aquela lei era atentatória à liberdade de expressão, além de sua má reputação por ter sido originada em pleno regime militar, e logo tratou de extirpá-la. Agora os tempos são outros, e utilizando-se do adágio de que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”, pede-se a “regulação das redes sociais”, eufemismo com o qual pretende-se impor a censura prévia na internet e dessa forma amordaçar os cerca de 242 milhões de celulares inteligentes em uso no Brasil. Adicionando os notebooks e os tablets, são 352 milhões de dispositivos portáteis ou 1,6 por habitante! –, conforme dados de maio de 2022 do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da FGV.

           Dessa maneira, o controle da mídia, nos moldes como está se delineando neste novo pacto à vista entre o governo e o STF, não é o melhor caminho para escapar dos ataques fortuitos de desatinados e celerados nem tampouco será a garantia de que outros 8 de janeiros não se repitam…

 

Sergio Victor Tamer é professor e advogado, presidente do CECGP, mestre e doutor em Direito Constitucional, e autor dos livros: “Atos Políticos e Direitos Sociais nas Democracias”; “Fundamentos do Estado Democrático e a Hipertrofia do Poder Executivo no Brasil” (Fabris Editores, Porto Alegre); “Legitimidad Judicial en la Garantía de los Derechos Sociales” (Ed. Ratio Legis –ES).