BÁRBARA MARQUES
Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional maranhão sob o número 14.062. Graduada em Direito pela Universidade CEUMA, Pós-Graduada lato sensu em Direito Processual pela PUC de Minas Gerais e Mestranda em Ciências Jurídico Políticas (Direito Público) pela Universidade Portucalense. Palestrante de programas como OAB nas escolas. Vice-Presidente da Comissão de Educação da OAB/MA - 2017-2018 Procuradora de Prerrogativas da OAB/MA - 2018 Secretária-geral da Comissão de Jovens Advogados da OAB/MA - 2016-2017.
RESUMO:
Cuida-se no presente artigo de uma abordagem acerca do instituto do abandono afetivo ao idoso e da marginalização deste perante não só a sociedade, como também, no seio familiar. Embora valores como afeto e amor sejam subjetivos e incalculáveis, o cuidado dos filhos para com os pais idosos se trata de um dever constitucionalmente estabelecido e não apenas de mera faculdade, necessitando, inclusive, de amparos imateriais. Faz-se um breve registro acerca das legislações afetas aos idosos ao longo do ordenamento jurídico brasileiro, objetivando sua maior qualidade de vida. Analisam-se, ainda, as consequências que a ausência de afeto pode causar na saúde física e psicológica do idoso, bem como, o direito destes ao recebimento de indenização no caso do ato ilícito de omissão, que servirá também para fins pedagógicos ao agente agressor.
Palavras-chave: idoso; omissão; abandono; dever; afeto.
ABSTRACT This article deals with the approach of the institute of the affective abandonment t o the elderly and the marginalization of this before not only the society, but also within the family. Although values such as affection and love are subjective and incalculable, the care of the children towards the elderly parents is a constitutionally established duty and not just a mere faculty, even requiring immaterial amparo. A brief record is made of the laws that affect older people throughout the Brazilian legal system, aiming at their higher quality of life, as well as analyzing consequences that the absence of affection can cause in the physical and psychological health of the elderly, as well as , their right to receive compensation in the case of an unlawful act of omission, which will also serve for pedagogical purposes to the aggressor agent. Key-words:. old man; omission; abandonment; to owe; affection.
1.INTRODUÇÃO: Nas ultimas décadas, devido entre outros fatores à globalização, ao desenvolvimento tecnológico, a implantação de políticas públicas de saúde e avanços da medicina, com a descoberta de curas e até mesmo erradicação de muitas doenças fatais, houve considerável redução nas taxas de mortalidade e, por conseguinte o aumento da população idosa em comparação as demais faixas etárias, não apenas em países considerados desenvolvidos, onde a população em sua maioria é composta por idosos, a exemplo de países europeus, como também em países emergentes. Conforme dispõe o artigo 01 da Lei 10.741/03, também conhecida como estatuto do idoso, uma pessoa é considerada idosa quando conta com mais de 60 anos de idade.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a expectativa de vida do brasileiro aumentou 30,3 anos entre 1940 e 2016, sendo, atualmente, de 75,8 anos, contando com um acréscimo de 3 meses e 11 dias com relação ao ano de 2015, que era de 75,5 anos. Segundo Gama, “em 2015, haverá 2 milhões de pessoas idosos no mundo e cerca de 80% destas viverão em países que atualmente são classificados como em desenvolvimento ou emergentes”. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a expectativa de vida do brasileiro aumentou 30,3 anos entre 1940 e 2016, sendo, atualmente, de 75,8 anos, contando com um acréscimo de 3 meses e 11 dias com relação ao ano de 2015, que era de 75,5 anos. Segundo Gama, “em 2015, haverá 2 milhões de pessoas idosos no mundo e cerca de 80% destas viverão em países que atualmente são classificados como em desenvolvimento ou emergentes”. Desta feita, este artigo realizará uma análise acerca do instituto do abandono afetivo inverso, abordando os principais dispositivos que preceituam o dever de cuidado dos filhos, ou demais responsáveis, para com os idosos, zelando por seu bem estar, saúde física e psicológica, convivência familiar e dignidade, bem como, a necessidade de punição no caso de omissão desse dever.
2.PROTEÇÃO JURÍDICA DO IDOSO: Devido ao aumento da população idosa no País, e com o intuito de evitar situações de desrespeito e abandono, o legislador viu a necessidade de resguardar os direitos destes, de maneira mais específica, em diversos dispositivos legais, inclusive, em nossa Carta Maior, assegurando-lhes não apenas o princípio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana, como também, todas as demais garantias fundamentais asseveradas por esta. A Constituição Federal brasileira prevê especificamente em seu artigo 229 o dever dos pais no sustento, amparo e criação dos filhos menores e concomitantemente o dos filhos maiores de amparar e cuidar dos pais durante sua velhice, carência e enfermidade. Não obstante, o artigo 230 do mesmo diploma legal, estipula não ser apenas dever dos filhos o amparo aos pais idosos, como também, de toda a família, sociedade e do Estado, de maneira solidária, assegurando a participação destes na comunidade, defendendo a sua dignidade e bem estar. Visando garantir meios para assegurar os direitos estabelecidos constitucionalmente aos idosos, com a participação efetiva destes na sociedade, no ano de 1994 foi instaurada a Lei 8.842, conhecida como Politica Nacional do Idoso, possuindo como principais diretrizes:
Art. 4º Constituem diretrizes da política nacional do idoso: I - viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações; II - participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos; III - priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência; IV - descentralização político-administrativa; V - capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços; VI - implementação de sistema de informações que permita a divulgação da política, dos serviços oferecidos, dos planos, programas e projetos em cada nível de governo; VII - estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento; VIII - priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família; IX - apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao envelhecimento. Parágrafo único. É vedada a permanência de portadores de doenças que necessitem de assistência médica ou de enfermagem permanente em instituições asilares de caráter social.
Ainda, em 2003 foi alcançada importante conquista aos direitos das pessoas idosas, tendo sido sancionada a Lei 10.741/03, também conhecida como Estatuto do Idoso, que assim como a Constituição Federal, responsabiliza solidariamente a família, a sociedade e o Estado pelo amparo, cuidado e proteção destes, enfatizando, inclusive, a proteção contra o abandono, podendo quem o cometer sem punido criminalmente. Frisa-se que este é composto principalmente por regras de cunho moral, que demonstram a importância do convívio familiar e também visam garantir direitos como à vida, à liberdade, ao respeito e dignidade, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, dentre outros. Contudo, não obstante tais regramentos, estes não possuem verdadeira eficácia na pratica, visto que, contamos com um Estado despreparado, desprovido de políticas públicas de inclusão às pessoas idosas, que muitas vezes ainda são consideradas como peso e marginalizadas perante a sociedade.
3. O ABANDONO AO IDOSO: O amparo e o cuidado dos filhos com os pais idosos não se trata de uma faculdade, sendo um dever constitucionalmente estabelecido, devendo tal omissão ser punida tanto na espera civil quanto criminalmente. Ademais, importante destacar o que preceitua o artigo 99 da Lei 10.741:
Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado: Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa. § 1o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 2o Se resulta a morte: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
O crime de abandono material encontra previsão no Código Penal brasileiro, em seu artigo 244 e dispõe que aquele que deixar de prestar subsistência ao ascendente inválido ou maior de 60 anos, não lhe proporcionando os recursos necessários ou lhe faltando com o pagamento de pensão alimentícia sem justa causa, ou deixando de socorrer este quando enfermo, pode sofrer pena de detenção de 1 a 4 anos e multa.
Segundo Rogério Grecco: A solidariedade é um dos valores fundamentais da sociedade e todos, juntamente com o Estado, devem se preocupar com todos, deixando de lado seus sentimentos egoístas e se preocupar com aqueles que estão ligados a nós por meio de uma relação de parentesco, no qual, presume-se, que haja relação de proximidade.
Assim, o abandono material ocorre quando os filhos, sem qualquer justificativa, deixam de arcar com as necessidades básicas dos pais, tal como, a obrigação de prover alimentos, prevista no artigo 1696 do Código Civil brasileiro, contudo, importante destacar, que o dever de cuidado dos descendentes para com os ascendentes são se restringe apenas à esfera material, devendo haver, portanto, a assistência imaterial. O abandono afetivo ou imaterial se caracteriza quando existe uma violação do dever de cuidado dos filhos para com os pais idosos na esfera afetiva, no amparo e no cuidado psíquico destes, de maneira que estes se sintam descriminados, oprimidos, rejeitados, abandonados, entre outros sentimentos angustiantes, capazes de priva-los de um convívio familiar saudável. Ressalta-se que o artigo 4º do Estatuto do Idoso aduz que nenhum idoso será objeto de qualquer negligência, descriminação, violência, crueldade ou opressão, seja por ação ou omissão, coibindo, desta feita, qualquer perigo a integridade física ou mental. Frisa-se que os abusos psicológicos decorrentes do abandono afetivo, não causam apenas transtornos inimagináveis na esfera mental dos idosos, como também, é capaz de desencadear diversos malefícios em sua saúde física, chegando, muitas vezes a acarretar sua morte, estando tal fato ligado intimamente com o principio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana.
4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL E DO DEVER DE INDENIZAR: Embora inconteste o fato de que carinho e amor são sentimentos incapazes de serem substituídos por valores pecuniários, atualmente, faz-se necessário que o Estado atue de maneira severa a fim de coibir tais ações ou omissões, punindo os agentes não apenas na esfera penal, como também, na patrimonial. Os filhos possuem o dever constitucionalmente estabelecido de cuidado e amparo aos pais, seja na esfera material ou imaterial, podendo a omissão deste dever causar prejuízos inimagináveis e até mesmo irreparáveis à saúde tanto física quanto psicológica do idoso. A responsabilidade civil se configura no dever de alguém de reparar danos que ocasionou a outrem, seja de ordem moral ou patrimonial, restaurando, assim, o equilíbrio ao status quo. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves “a responsabilidade pode resultar da violação tanto de normas morais como jurídicas, separada ou concomitantemente. Tudo depende do fato que configura a infração, que pode ser, muitas vezes, proibido pela lei moral ou religiosa, ou pelo direito”. O Código Civil brasileiro adota, como regra geral, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, ou seja, para que haja a obrigação do reparo do dano, deve-se provar a culpa ou o dolo do agente para a ocorrência deste, possuindo como pressuposto a prática de um ato ilícito. A responsabilidade civil encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, nos artigos 186 e 925 do Código Civil, nestes termos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Nesse sentido, a responsabilidade civil pelo abandono afetivo aos idosos, com o dever de indenizar, se configura no momento em que os responsáveis legalmente pelo amparo destes, deixam, comprovadamente, de provê-lo, ocasionando, assim, prejuízos na esfera psicológica do idoso, privando-o de um convívio familiar saudável, fazendo com que este sinta sentimentos de abandono, saudade, humilhação, frustração e angustia capazes de gerar prejuízos inclusive em sua saúde física. Desta feita, caso haja a comprovação do ato ilícito, qual seja, o abandono imaterial do filho para com os pais idosos, estes gozam do direito de serem indenizados pelos prejuízos decorrentes dessa omissão, ainda que estes sejam incalculáveis.
5. CONCLUSÃO Não obstante os avanços tecnológicos e na medicina, que influenciaram de maneira significativa na melhoria da qualidade de vida da população, com a consequente queda na taxa de mortalidade e aumento do crescimento de idosos no país, em comparação com as demais faixas etárias, é comum nos dias de hoje nos depararmos com idosos vivendo em condições de extrema miserabilidade, como moradores de rua, ou abrigados em asilos superlotados e sem qualquer estrutura física. E durante a velhice que necessitamos de maiores cuidados, devido a toda situação de fragilidade imposta, principalmente, por conta da idade avançada, contudo, embora o legislador brasileiro tenha se preocupado em assegurar ao longo de todo o ordenamento jurídico os direitos das pessoas idosas, estes não são efetivados na prática, visto que contamos com um Estado atrasado e ausente em políticas públicas, o que contribui para a marginalização dos idosos e para que estes sejam vistos como um peso para seus familiares, de quem se espera cuidado e amparo. Garantir o bem estar, amparo e cuidado aos idosos não se trata de uma faculdade dos familiares, e sim de um dever constitucionalmente estabelecido. Importante destacar, que além dos cuidados na esfera material, tais como alimentação e moradia, como também, os da esfera imaterial ou afetiva, já que esta é tão importante quanto no que tange a garantir condições para um envelhecimento digno. O abandono efetivo, ou seja, a omissão dos filhos, ou responsáveis, do dever constitucional de prestar o amparo imaterial aos idosos, pode causar transtornos inimagináveis na esfera psicológica destes, fazendo com que experimentem de sentimentos avassaladores, como a humilhação, vergonha, tristeza e angustia, privando-os até mesmo de um convívio familiar saudável, o que pode desencadear diversas doenças e até mesmo levar ao óbito. Nesse sentido, embora não exista legislação específica para esta situação, no caso de omissão do dever de cuidado afetivo para com o idoso, de maneira a causar danos a sua saúde mental ou física, este possui o direito de ser indenizado. Por fim, importante ressaltar, que os prejuízos ocasionados pela omissão do dever de cuidado e afeto são incalculáveis e que embora não possam ser substituídos por valores em pecúnia, se faz necessário que sejam punidos de maneira rigorosa tais atos ilícitos, não apenas no sentido de indenizar a vítima pelo dano sofrido, mas como meio disciplinar ao agressor e espelho para a sociedade de maneira geral, para que os idosos sejam cada vez mais acolhidos no seio familiar e tenham sua dignidade respeitada.
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