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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

APOLOGIA DE FERNANDO BRAGA – por Rossini Corrêa

“Quando publicadas, as Conversas Vadias constituirão um livro para ser colocado na estante, ladeado por Galeria e Éramos Felizes e não Sabíamos, de Bernardo Almeida; As Lâmpadas do Sol, de Carlos Cunha; Diário de Campo, de Ubiratan Teixeira; Sol a Sol, de Arlete Nogueira da Cruz Machado; e, entre outros, Passarela e Outros Perfis, de Fernando Viana e Páginas de Crítica, de Erasmo Dias…”

 

Rossini Corrêa,

Jurista e escritor; membro da Academia Brasiliense de Letras e da Academia Maranhense de Cultura Jurídica Social e Política; membro Titular da Comissão Especial de Educação, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-CFOAB; Patrono da Cátedra Gonçalves Dias, Instituída pelo Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública-CECGP e pela SVT Faculdade de Ensino Superior-SVTFESU.

 

 

     Dizia Aristóteles em uma passagem da Política, que na harmonia e na rítmica há uma possível analogia com a condição humana. Recordou o Estagirita, então, que muitos entre os filósofos definiam a alma como uma harmonia. Talvez coubesse acrescentar: ou uma desarmonia. Fernando Braga, para mim sinônimo de amizade, compadrio e irmandade, cedo partiu para o Etéreo, levando pelas águas de março deste emblemático ano de 2022. A esperança de vida, regra geral, se encontra em elevação, em consequência de múltiplos fatores, um dos quais, o progresso científico. Ancorados na variável em questão, sonhávamos nós com o já saudoso ensaísta, poeta e memorialista ludovicense nonagenário, senão centenário.

     Como não é possível combinar com o imponderável e o homem, segundo certa tradição existencialista, é o seu projeto, exposto a ser rompido em qualquer tempo, Fernando Braga – que a Lino Moreira, Mário Luna Filho, Roberto Franklin, Reynaldo Soares da Fonseca e a mim revelou a expectativa de, no sábado, estar em casa, nele já estava na Eternidade. Os que ficamos, sob a rubrica das grandes amizades – José Sarney, Joaquim Itapary, Venâncio Gomes, Rosa Machado e Ana Luiza Almeida Ferro, sem o impossível olvido de Américo Azevedo Neto – herdamos a responsabilidade para com a memória bragueana.

     Temerário, esqueci alguém? Sim. Paulo de Tarso Nascimento Moraes. Recordo-me, de passagem, que conheci Fernando Braga quando eu, adolescente, cursava a primeira série do ginásio no Colégio Zoé Cerveira, de Nadir Adelaide do Nascimento Moraes. Ali estava o poeta perto da cantina, sentado em uma escada, benjamim da turma, cercado por meu mestre Nascimento Morais Filho, seus irmãos, João José e Paulo Nascimento Moraes, Lopes Bogéa e Amaral Raposo. Seguimos irmanados vida afora, em uma amizade que não terminou quando Andreza Maria, filha de poeta, chorando, a mim me confessou – ‘Meu pai te amava’ – para que, junto à sua mãe, Patrícia de Nazaré, em lágrimas, lhe respondesse: ‘E era correspondido’.

     Entre idas e vindas, Brasília foi o nosso destino comum, e juntos sempre estivemos. Gregário, Fernando Braga pertenceu à aristotélica família das almas harmônicas, vivendo sob uma permanente paixão maranhense, à volta de Lourenço Vieira da Silva, Wolney Milhonem, Clóvis Sena e o seu segundo pai, Joel Barbosa Ribeiro, mais tarde, Luís Carlos Bello Parga, à frente de todos, Nunes Pereira.

     A poesia foi a digital da existência bragueana. Ensaísta de qualidade e memorialista de fôlego, em tudo que o intelectual maranhense escreveu há o halo molecular da poesia. É como se pudesse vocalizar que o menino da Rua do Passeio era, naturalmente, poeta. Aquele que, no verdor dos anos, foi levado ao Rio de Janeiro por seu tio Pedro Braga e ali conheceu Manuel Bandeira, com o mestre conversou sobre literatura e a ele declamou os seus primeiros poemas. Aquele que, frequentando a casa da educadora Nadir Adelaide do Nascimento Moraes, essa o recebia, desafiando-o: ‘Vou mandar buscar cerveja, mas só se tu sentares aqui e escreveres uma poesia’. E o poema nascia, por ser, nele, uma forma de respiração como condição de vida.

     Crescido no convívio com as gerações maranhenses pretéritas, Fernando Braga reteve, na esfera das evocações pessoais, a riquíssima crônica da vida literária ludovicense, tornando-se, desta maneira, um sedutor memorialista. As braguenas Conversas Vadias estão repletas de vivências, resgastes, registros e iluminações, sob a razão sensível de afetuosas interpretações, em que desfilam Erasmo Dias, Astolfo Serra, Fernando Viana, Clarindo Santiago, Fernando Perdigão, Luso Torres e mais outros e outros mais, muitos, por convívio pessoal e alguns, por episódios relatados a si, cercados todos pelo cuidado da pesquisa.

     De qualquer forma, Fernando Braga garantiu, por meio do convívio com as gerações precedentes, a acessibilidade às lembranças da boêmia intelectual da Belle Époque da boêmia intelectual ludovicense, ou do que dela foi, no tempo social, prolongado, tornando-se senhor de um manancial de reminiscências valiosas para o Maranhão e a sua história cultural. Quando publicadas, as Conversas Vadias constituirão um livro para ser colocado na estante, ladeado por Galeria e Éramos Felizes e não Sabíamos, de Bernardo Almeida; As Lâmpadas do Sol, de Carlos Cunha; Diário de Campo, de Ubiratan Teixeira; Sol a Sol, de Arlete Nogueira da Cruz Machado; e, entre outros, Passarela e Outros Perfis, de Fernando Viana e Páginas de Crítica, de Erasmo Dias.

     Com a paciência de artesão, deixou Fernando Braga organizado o conjunto de sua obra literária, tanto a édita, quanto a inédita, em verso e em prosa, reunindo poemas, crônicas, críticas, ensaios, memórias e estudos jurídicos e políticos. Sucede que o menino da Rua do Passeio, fiel a si mesmo, sem demissão de sua íntima vocação, muito trabalhou a palavra e o pensamento, legando à causa da cultura o testemunho de sua passagem perduradoura pela vida terrena, em tesouro do espírito a ser compartilhado, agora sob a curadoria de sua amada filha Andreza Maria Braga dos Santos. Estimo que as instituições de cultura maranhenses, as quais albergaram a presença bragueana, sem dúvida, concorrerão para a publicação do seu fulgurante patrimônio literário.

     Quando da fundação da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política – AMCJSP, em companhia dos ilustres confrades João Batista Ericeira, Sérgio Victor Tamer, Raimundo Palhano e Jhonatan Almada, eu constatei a comum alegria com que a trajetória braguena foi recepcionada no rol dos pioneiros da novel instituição cultural. Quanto à Academia Maranhense de Letras – AML, com certeza, foi uma paixão de toda a vida do menino da Rua do Passeio, afinal, a Casa de Antônio Lobo recepcionara aqueles intelectuais menos jovens, de que fora o benjamin: Astolfo Serra, Fernando Viana, Amaral Raposo, Nascimento Morais Filho, Antônio Almeida, Erasmo Dias, Paulo Nascimento Moraes e, para não ser exaustivo, Nunes Pereira, duas vezes .. Consumada a vitória bragueana no ano de 2021, o pressionei, amorosamente, para que tomasse posse logo, sem saber que o coração generoso do jurista Reynaldo Soares da Fonseca oferecera-lhe a possibilidade de que tomassem posse juntos. Com a saúde debilitada, o poeta ora chamado saudade, confessou-me que só pretendia fazê-lo no segundo semestre de 2022, quando a astenia passasse e o fôlego estivesse recuperado. As águas de março não permitiram e o levaram para o mar da Eternidade.

     Foi quando, quase desolado com ironia do destino, como também ficou Lino Antônio Raposo Moreira, o seu Simão Cirineu na eleição acadêmica, recebi uma mensagem de Whatsapp de um príncipe renascentista chamado poeta e jurista Daniel Blume, no fatídico dia 11 de março:

  • “Perdemos um grande amigo e poeta. Perdemos Fernando Braga.”
  • “Verdade, Daniel. Te queria um grande bem. Meu amigo e compadre da vida toda. Estou de coração partido.”
  • “Ele sempre falava de você e de Luna como irmãos. Mantive contato recente com ele, pois queria tirar a Ordem dos Advogados Portugueses. Estava auxiliando. Ele me disse que iria morar lá com a filha”
  • “Verdade. Sonhou com o retorno às origens paternas, Sim. Mário Luna e eu constituíamos a sua irmandade mais íntima, onde também estava, como irmão mais velho, Joaquim Itapary, a quem chamava carinhosamente de Quincas.”
  • “Sim. Pena que não chegou a tomar posse na  AML”
  • “Muita Um sonho acalentado por 53 anos. Insisti muito para que ele tomasse posse logo. Ele pensava em assumir só depois da renovação do ´prazo de 6 meses, no fim deste ano. Aqui aconteceu assim, com Marco Maciel. A Academia Brasiliense de Letras – ABL deliberou por considerá-lo empossado e depois declarou vaga a sua cadeira, para a qual se elegeu Hugo Napoleão, com posse marcada para 8 de abril próximo.”
  • Sim. Boa ideia.”

Embaixador da causa boa, o acadêmico Daniel Blume apresentou a proposta à Diretoria da Academia Maranhense de Letras – AML, que a recepcionou, declarando o poeta e prosador Fernando Braga empossado na cadeira número 2, patroneada por Aluízio Azevedo, com a entrega das insígnias acadêmicas à sua amada família. O bom Roberto Franklin, primo devotado do menino da Rua do Passeio, festejou o feito, no artigo “Fernando Braga, o imortal.” De minha parte, remeti aplausos à diligência sempre inteligente de Daniel Blume, cuja sábia mãe Sônia Almeida o colocou no mundo com nome de profeta:

  • “A intriga do bem funcionou. Nada melhor – como disse Joséphe Sièyes sobre Napoleão Bonaparte – do que colocar a causa certa na mão do advogado certo, no lugar certo e na hora certa. Parabéns! Foste protagonista de um ato de justiça literária para com Fernando. Ele, da Eternidade, te agradece. E seus amigos e familiares também. Abraço afetuoso do Rossini Corrêa.”
  • “Ideia sua. Fui apenas o executor. O Poeta merece todas as nossas homenagens.”
  • “Brilhante, extraordinário executor! O Poeta merece todas as nossas homenagens. Tu também, por seres dez”.

Quando fui honrado com a distinção para escrever o prefácio do seu livro de poemas Campo Memória, consignei nos autos que Fernando era poesia em Pessoa. Buscava eu a intertextualidade existencial dos dois Fernandos à causa dos valores mais elevados do espírito, por meio, sobretudo, da poesia. Comigo os poetas te saúdam, Fernando Braga. Aqui estão José Sarney, Joaquim Itapary, Mário Luna Filho, Roberto Franklin, Bioque Mesito, Francisco Tribuzi, Couto Corrêa Filho, Américo Azevedo Neto e Daniel Blume. As alas estão abertas. Podes passar do tempo para a Eternidade e do espaço para o Infinito. Nando: mahatma, grande alma de Gandhi, alma harmônica de Aristóteles, somente luz, na amizade, no compadrio e na irmandade. Um beijo na alma e até sempre.