CECGP

CENTRO DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS E DE GESTÃO PÚBLICA

CECGP articula suas tarefas de pesquisa em torno de Programas de Pesquisa em que se integram pesquisadores, pós-doutores provenientes de diferentes países.

As Lições deixadas por Fidel

Artigo publicado por Sergio Tamer com o tema: As Lições deixadas por Fidel

AS LIÇÕES DEIXADAS POR FIDEL

 

*por Sergio Tamer

 

O organismo debilitado pela idade e pela doença afastou Fidel Castro, pelo menos formalmente, do poder em Cuba, muito embora sua influência como ex-mandatário, previsível nessas circunstâncias, permaneça ainda robustecida até a sua morte. Uma longa ditadura – 49 anos – que ainda não acabou, sublinhe-se, manietou o povo cubano nas algemas do obscurantismo político e do atraso econômico. Muitos choram, emocionados, ao ver o legendário revolucionário, o mito, na decrepitude da vida, a esboçar um aceno de despedida bem ao estilo do tango imortalizado pela interpretação piegas de Gardel: “adiós, muchachos, compañeros de mi vida…”. São as viúvas do castrismo, saudosistas do exibicionismo oratório do “líder” e da pregação de um falso marxismo “libertário” e “igualitário”, que só existiu em favor da camarilha que se encastelou no poder – e que lá permanece até hoje, agora renovada pela posse do irmão Raúl. Eu confesso que também choro, mas por outros motivos. Meu pranto vai para as vítimas do déspota cubano, que se contam aos milhões, desde as que foram destruídas em prisões arbitrárias, fuzilamentos sumários, tortura, desaparecimentos, até aqueles que sofrem diariamente uma censura imoral e perversa que impede a livre iniciativa e a liberdade em todos os setores da vida cultural, econômica, social e política daquele triste e infelicitado país. Cuba padeceu e ainda sofre sob as ordens absolutistas daquele que foi o mais virulento e cruel dos ditadores que a América Latina assistiu em toda a sua história. Mas apesar de tudo, temos que reconhecer que há algumas lições a serem guardadas desse período tão sombrio quanto tenebroso da política latino-americana.

 

A primeira delas surge com uma clareza meridiana e reforça a tese sedimentada pela história dos povos de que não há ditadores “bonzinhos”. Todos os ditadores são intrinsecamente maus, tanto no sentido político, quanto na acepção sociológica e moral do termo. Fidel procurava vender a imagem do líder que salvou o país das “garras do imperialismo ianque” e outras coisas do gênero. Exacerbou o quanto pôde o espírito nacionalista do bravo povo cubano para dele tirar proveito, numa manipulação sem precedentes em nosso continente. Manteve-se, assim, no poder, aferrado a uma opinião pública desinformada pela censura, e mostrando-se como a única alternativa para impedir uma invasão iminente. Era a própria imagem de um “pai do povo”, um destemido guerreiro de barbas por fazer pronto a defender e proteger o seu povo do inimigo gigantesco e ameaçador. Passou a controlar tudo com mão de ferro, prendendo e matando impiedosamente seus desafetos políticos e disseminando a delação premiada até entre os membros de uma mesma família. Militarizou o país e criou um regime policialesco, de uma crueldade impressionante para com aquela alegre e pacata população caribenha. Distribuiu miséria para todos ao invés da propalada promessa de “igualdade social”, sempre presente em seus caudalosos, narcisistas e repetitivos discursos. A segunda lição é para lembrar que todas as ditaduras, sejam elas “de esquerda” ou “de direita”, não podem ser toleradas, pois são todas tirânicas. Para o Brasil de alguns intelectuais, artistas e políticos alienados (mas que se diziam engajados), que faziam um incessante ritual de “beijão-mão” ao tirano-mor das Américas, Cuba era o “paraíso” e exemplo a ser seguido. Falavam maravilhas de um sistema educacional e de saúde implantado sob uma ditadura, financiado com bilhões de rublos soviéticos em tempos de guerra fria, numa ilha de apenas 11 milhões de habitantes e de 110 mil quilômetros quadrados. Bastou cessarem os fartos subsídios moscovitas daquela época para o “milagroso” sistema, que produz profissionais sem pensamento crítico algum, entrar em colapso. Cuba hoje é a própria imagem do degredo e da espoliação humana que não teria, seguramente, mais do que alguns poucos habitantes se a polícia não reprimisse, com prisões, tortura e morte, a tentativa constante de fuga em massa dos cidadãos que se acham vergonhosamente oprimidos pelo regime dos irmãos Castro.

 

A terceira lição que podemos tirar de tão longo regime marxista, é a de que a igualdade sem liberdade não conduz à democracia, mas ao despotismo, ou seja, a submissão da maioria à opressão de quem detenha o poder. Fidel Castro e seus camaradas, no entanto, nem igualdade conseguiram dar aos habitantes da Ilha, pois um regime de igualdade social pressupõe um mínimo de dignidade e acesso aos bens de consumo, hoje inexistentes em Cuba. Por fim, uma quarta e última lição, dentre tantas outras que podem ainda ser extraídas dessa persistente ditadura cubana: a de que só é possível haver democracia política onde houver democracia e liberdade econômica.

 

A farsa castrista chegou ao fim. Uma pena que tenha ceifado tantas vidas numa aventura golpista inglória e sangrenta. Enquanto isso, o povo cubano segue cantando “Lágrimas negras”, na genial interpretação de Bebo & Cigala: “Aunque tú me has dejado en el abandono / aunque tú has muerto todas mis ilusiones…”.

 

Sergio Tamer é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca.

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