Esse contexto social urbano, onde surge a delinquência, sobretudo a juvenil, estaria situado geograficamente em determinadas zonas da cidade – fato que permitiria uma melhor observação e investigação empírica.
Por Sergio Tamer
A segurança de pessoas e de bens afigura-se como um dos mais importantes direitos a serem garantidos às populações, especialmente às das grandes cidades. A prevenção de potenciais delitos e a repressão àqueles que estejam a ocorrer, fazem parte da preocupação sempre crescente das sociedades nos tempos modernos, em especial no Brasil, onde os índices de violência homicida desafiam os estudos dos mais argutos especialistas em políticas públicas de segurança. E o controle dessa efervescente criminalidade não é, seguramente, uma tarefa a ser exercida exclusivamente pelas forças policiais.
O direito à segurança, como preocupação do Estado, aparece de forma solene com a Revolução Francesa, em 1789, e passa a constar na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que estabelece, no seu Art. 2.º, que “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do Homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”. De igual maneira a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, com forte inspiração naquela, estabelece em seu art. 3º que “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
O intenso tiroteio verificado no coração do Rio de Janeiro, mediante a ousadia e a brutalidade dos profissionais do crime, promovendo um enfrentamento à força policial e a causar vítimas inocentes, teve o condão de sacudir o país e de causar uma onda de indignação, mesmo em um país já acostumado com tanta violência presente no seu dia a dia!
A pergunta que se faz sempre em situações como essa é: em que medida é possível assegurar esse direito fundamental à segurança, proclamado na Carta da ONU e que justificou a formação do Estado moderno, sem incorrer o próprio Estado na violação a esse direito, seja por ação ou por inação? E ainda: como garantir o direito fundamental à segurança em um país como o Brasil, que ostenta elevados índices de homicídio a par de preocupantes indicadores no tocante à desigualdade social?
Desde o início dos anos 20, quando se desenvolveu a chamada “Escola de Chicago” que se destacou a influência do entorno urbano na conduta humana, e com ele o termo “ecológico”. Esse contexto social urbano, onde surge a delinquência, sobretudo a juvenil, estaria situado geograficamente em determinadas zonas da cidade – fato que permitiria uma melhor observação e investigação empírica. Essa teoria fez um contraponto às teorias bioantropológicas que haviam isolado o indivíduo, como objeto de investigação, das demais pessoas atuantes em seu entorno e que não eram levadas em conta como fatores criminógenos.
Sob outro enfoque, alguns autores ao desprezarem esse “entorno urbano na conduta humana” como causa do aumento da criminalidade, sustentam que 90% da humanidade não delinque por temor à pena; 5% não delinque jamais, constituindo-se naquele contingente de homens puros, voltados só ao bem e à caridade; e que os outros 5% são daqueles que delinquem sempre, com o seu “penchant au crime” (pendor ao crime), sendo a pena – qualquer delas – incapaz de detê-los. Para o caso brasileiro, porém, creio que esses percentuais precisariam de um novo estudo…
Acrescente-se, todavia, que outro fator importante a considerar é que o combate às causas sociais da violência passa, com efeito, não apenas pelo revigoramento dos valores morais, mas, sobretudo, pelo correto funcionamento das instituições civis e governamentais, em suas funções básicas (saúde, educação, urbanismo, lazer, transporte público etc.), debelando-se, ainda, as mais diversas formas de corrupção.
O elementar, nesse caso, precisa ser visto: a polícia faz parte de um sistema e como tal é apenas um dos seus componentes. Isso significa que a desejada segurança pública, em níveis aceitáveis pelo padrão da ONU (10/100mil) só será conquistada se conseguirmos concretizar políticas públicas que possibilitem o funcionamento de todo um sistema comunitário.
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Sergio Tamer é professor e advogado, mestre e doutor em Direito Constitucional e, Presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP