A mais balizada doutrina processualista brasileira e estrangeira reconhece que existe um modelo processual estabelecido na Constituição que serve como base para todos os demais ramos do direito processual, não podendo ser afrontado, diante do princípio da supremacia da Constituição.
Este modelo único de processo fixado pela Constituição é conhecido como sendo modelo constitucional de processo. Tal modelo é particularmente assentado nas garantias fundamentais processuais, que invariavelmente restam positivadas em forma de princípios jurídicos.
Enfim, verifica-se a constitucionalização dos direitos. E, tal processo é de adequação constante e contínuo à Constituição, mas não é somente no Brasil que isto se desenvolveu, de um modo em geral ocorreu também nos Estados Democráticos de Direito, situados no ocidente contemporâneo.
A constitucionalização resultou recentemente do neoconstitucionalismo[1], movimento inspirado na supremacia constitucional e na consequente necessidade de amoldamento do restante do ordenamento jurídico.
Supera-se, portanto, a antiga visão de que a Constituição seria mero documento político procedimental que estabeleceria apenas metas para o Estado de Direito, conforme lecionavam do Carl Schmitt e Ferdinand Lassale[2].
É denominada de Constituição-garantia aquela que visa assegurar as liberdades individuais e coletivas, limitando o poder do Estado. É o tipo clássico de Constituição, pois protege aqueles direitos surgidos na primeira geração[3] ou dimensão de direitos fundamentais. Pode-se exemplificar a Magna Carta de 1215, a Constituição Norte Americana de 1787 e, a Constituição Francesa de 1791, que teve como preâmbulo a Declaração Universal do Direito do Homem e do Cidadão, de 1789.
Já a Constituição-balanço é o termo mais utilizado para descrever um texto constitucional que descreve e registra a organização política estabelecida. Recebe tal nomenclatura posto que registre o estágio das relações de poder[4] e, conforme estas relações se modificam ou evoluem, efetua-se, um balanço, uma análise da nova situação política para então, como fundamento nesta avaliação, adotar uma nova constituição adaptada à nova realidade. Este tipo de Carta Magna fora adotado pelos países europeus enquanto socialistas.
A Constituição dirigente é a que fixa um plano de direção visando uma evolução política. Vem a traçar as diretrizes para a utilização do poder e progresso social, econômico e política a serem seguidas pelos órgãos estatais. É composta de normas programáticas[5] que, em geral, quando não cumpridas ensejam a inconstitucionalidade por omissão.
A nossa Constituição Federal é exemplo de constituição-garantia, pois prevê diversas normas garantidoras de direitos individuais e coletivos e também é dirigente, pois possui normas programáticas e estabelece diretrizes a serem cumpridas pelo poder Público visando a evolução política.
Aliás, Luís Roberto Barroso, atual Ministro do STF, orienta que o neoconstitucionalismo e o consequente processo de constitucionalização dos direitos possuem três marcos fundamentais, que se dividem em: histórico, filosófico e teórico.
O marco histórico consiste no constitucionalismo do pós-guerra, ou seja, no desenvolvimento das Constituições garantistas da última metade do século XX, em nosso país, é representado pela Constituição de 1988, prestes a completar três décadas[6].
O marco filosófico consiste na superação do positivismo do direito pelo pós-positivismo jurídico, sobretudo no reconhecimento da normatividade dos princípios.
O marco teórico ainda contém três transformações que, em conjunto, possibilitaram a adequação do conhecimento convencional ao Direito Constitucional: a) o reconhecimento da força normativa da Constituição, conceito difundido por diversos doutrinadores tais como Konrad Hesse[7]; b) a ampliação da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de nova dogmática[8] de interpretação constitucional[9] pautada, principalmente, em princípios[10].
Os princípios são normas mais amplas e genéricas, que servem de orientação para um conjunto maior de situações enquanto que as regras são normas mais específicas e restritas, a regular casos concretos pontuais. E, por isso, as regras exigem o seu total cumprimento, não se admitindo o cumprimento apenas parcial.
Ou se cumpre uma norma-regra ou se descumpre, não há subjetividade.
Por outro lado, os princípios devem ser cumpridos e observados da melhor maneira que possível, mas não há como esgotar o cumprimento de um princípio, posto que se amolde com o direcionamento de várias situações, e não se esgotam nos casos previamente estabelecidos.
Portanto, diante de um conflito de regras, onde uma revogará a outra, as duas não coexistirão, não há existir duas regras de mesma hierarquia normativa a disporem sobre o mesmo objeto.
Mas, diante do conflito de princípios, como esses são mandamentos genéricos de otimização[11], pode um adentrar na esfera do outro, assim, é perfeitamente possível haver o choque entre princípios, porque coexistem tranquilamente dentro do mesmo sistema.
Não ocorre a revogação de um pelo outro, ou delimitação do campo de atuação, daí o porquê que o conflito entre os princípios não se resolve através da revogação, mas sim, com a técnica de ponderação de interesses. instrumentais trazidos pela própria Constituição.
A constitucionalização dos direitos se desenvolveu particularmente porque as Constituições abrigam duas principais características: a materialidade e o garantismo. Vindo a ser o que se chama de Constituciones materiales y garantizadas.
Para Luís Prieto Sanchís[12], material é a Constituição que presenta denso conteúdo substantivo composto por normas de diferente denominação (valores, princípios, direitos e diretrizes).
Este conceito apresenta um conteúdo substantivo denso formado por normas de diferentes denominações (valores, princípios, direitos ou diretrizes), mas de um significado idêntico, que é dizer ao poder não apenas como organizar e adotar suas decisões, mas também o que pode fazer e até, às vezes, o que deve ser decidido.
Garantido significa que” como com qualquer outra norma primária, sua proteção ou eficácia é confiada aos juízes, ou se preferidos, que no sistema existem normas secundárias, de organização e procedimento destinado a purgar ou sancionar a violação de normas substantivas ou relacionadas aos direitos.
Tais constituições passaram a ser simultaneamente a garantia e a norma diretiva fundamental. Assim, a constitucionalização do direito está intimamente relacionada com a expansão normativa constitucional cujo conteúdo material e valorativo (axiológico) se espalha por todo o ordenamento.
E, assim, os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados pelas normas constitucionais passaram a condicionar a validade das normas de todo ordenamento infraconstitucional.
E, ipso facto, a constitucionalização influi diretamente na atuação dos três poderes seja em relações públicas ou privadas, refletindo também em suas decisões, que jamais poderão contrariar o texto constitucional, ou até mesmo deixar de observar e cumprir as determinações constitucionais.
Porém, cumpre sublinhar que existe uma fronteira apagadiça entre a constitucionalização do direito e a banalização do direito constitucional, particularmente no que tange aos direitos e garantias fundamentais.
E, não se pode acreditar piamente que tudo seja direito fundamental ou nada é direito fundamental, pois a fundamentalidade que corresponde no reconhecimento da essencialidade da vida digna da pessoa humana perde sua razão de ser.
A força normativa da Constituição[13] reside na sua capacidade de representar uma plataforma normativo-reflexiva. E, para tanto, a autonomia do direito privado (e, ipso facto, a do próprio legislador, que está atrás do direito privado) é essencial.
O significado de constitucionalizar todo o ordenamento é, portanto, juridicizar a política comprometendo toda sua autonomia sistêmica. Ou seja, o cumprimento de sua função prevista justamente no texto constitucional. Comprometer essa diferença acarreta, paradoxalmente, abalar a própria razão de ser do próprio direito constitucional.
Porém, cumpre advertir conforme o fez Barroso que a exagerada constitucionalização poderá trazer negativas consequências, tais como o esvaziamento do poder das maiorias e o decisionismo judicial, de modo que, não se deve alargar além do limite razoável a constitucionalização por via interpretativa, sob pena de se embaraçar pelo excesso de rigidez, o governo da maioria, componente importante do Estado democrático, até mesmo porque a Constituição não pode pretender ocupar todo o espaço jurídico em um Estado Democrático de Direito.
A irradiação da constituição sobre todos os ramos jurídicos, promove adequação ao texto constitucional que passa ser o fundamento de validade de todas as normas jurídicas vigentes no Estado Democrático de Direito.
Não se pode esquecer do perigo da banalização do direito constitucional, sobretudo, dos direitos fundamentais em face do indiscriminado uso desprovido de limites pertinentes, ou seja, não se pode deixar levar pelo ápice do momento de constitucionalização e passa a se afirmar que tudo seja direito constitucional.
Ou pior ainda que tudo seja direito fundamental, conforme alguns doutrinadores mais entusiastas. Mas, sabemos que a Constituição apesar de magna e, traga as normas fundamentais, mas não dita positivamente todas as normas, pois se assim, o fosse, seria uma coletânea de códigos, leis, decretos e estatutos.
A valorização da Constituição não mitiga a importância da legislação infraconstitucional, até, para sua própria regulamentação, aplicação e efetivação.
Destaca-se Humberto Theodoro Júnior que a segunda metade do século XX, depois da apavorante tragédia de duas grandes guerras mundiais, viria exigir da revisão constitucional dos povos democráticos um empenho, nunca dantes experimentado, de aprofundar a intimidade das relações entre direito constitucional e processo, já que os direitos fundamentais deixaram de ser objeto de simples declarações e passaram a ser objeto de efetiva implementação por parte do Estado Democrático de Direito.
Baracho explicou que o processo visto como garantia constitucional consolidou-se nas constituições do século XX, através da consagração de princípios de Direito processual, com o reconhecimento e a enumeração de direitos da pessoa humana, que por sua vez, consolidam-se pelas garantias que torna efetivos e exequíveis.
Enfim, o processo democrático e constitucionalizado perpassa sua característica passada de mero instrumento[14] de jurisdição, de mero instrumento técnico, para tornar-se um instrumento garantístico do Estado Constitucional Democrático de Direito.
Identificando-se, como procedimento discursivo, dialético, participativo que garante a geração de decisão participada.
Obviamente a referida mudança paradigmática de compreensão do processo não abre mão do formalismo ou mesmo da técnica, porém, apenas busca evitar que a forma se sobreponha sobre a essência, vindo a impossibilitar que o provimento material fático seja alcançado de maneira efetiva.
Ou seja, o que se nega é o puro formalismo, o cumprimento espartano do foral, sem sentido e sem objetividade material que ao invés de garantir direitos, os restringe. Não se decreta o total abandono ao formalismo jurídico, posto que a ciência jurídica se afira exatamente pelo esclarecimento dos sistemas jurídicos que se expressam nas formas do direito.
O que se pretende repudiar, no campo do conhecimento científico-jurídico, é o arquétipo de forma pura, irredutível a qualquer conteúdo socioeconômico decorrente do modo de produção econômico-liberal do direito, nas diferentes realidades dinâmicas de sua expressão e vigência.
A instrumentalidade técnica do processo reside que seja, na melhor das hipóteses, que seja mais ágil e mais democrática estrutura para que a sentença que dele resulta se forme, seja gerada, com a garantia de participação igual paritária, simétrica, daqueles que receberão seus efeitos.
A ciência processual tal como o direito como um todo, a partir da segunda metade do século passado, sofre um movimento de constitucionalização tendo como base o Estado Constitucional Democrático de Direito, o humanismo ético, buscando superar o mero tecnicismo processual para compreender o processo como direito-garantia, ou seja, um instrumento democrático capaz de assegurar a participação isonômica e efetiva do cidadão na formação da decisão jurisdicional que a ele se destina.
Já concluímos que o modelo constitucional de processo, é o ideal único dos Estados Constitucionais Democráticos de Direito, estabelece as bases normativas que devem ser observadas por todos os ramos do direito processual, assim, por ser um modelo único, tal modelo estabelece as normas que servem para todos os processos.
Ou seja, as normas processuais infralegais devem estar em consonância com as normas processuais constitucionais, ou seja, ter compatibilidade vertical de norma, sob pena de invalidade.
Como se vê, o direito processual possui bases sólidas normativas situadas na Constituição, então não há como fugir de um estudo de direito processual fora do direito constitucional, ou seja, não se pode cogitar trabalhar com o processo sem antes conhecer o sistema constitucional, notadamente, o subsistema constitucional processual.
E, nesse diapasão Grinover, Cintra e Dinamarco já afirmaram que é da Constituição que deve se utilizar o processualista para completo entendimento do fenômeno processo e de seus princípios.
Canotilho em análise do modelo constitucional de processo português, afirmou que a existência de um paradigma processual na Constituição portuguesa obriga a estudar e a analisar os diferentes processos não apenas na sua configuração concreta dada pela lei ordinária, os códigos processuais ordinários, mas também sob o ângulo de sua conformidade com as normas constitucionais respeitantes às dimensões processuais das várias jurisdições.
Em que pese à luz da Constituição portuguesa aplica-se com perfeição ao constitucionalismo brasileiro e ao seu modelo processual, especialmente porque são os documentos magnos construídos sobre as bases dos mesmos paradigmas: o Estado Democrático de Direito e o humanismo ético[15].
Isso não significa não haja diferenças entre os modelos constitucionais de processo português e brasileiro, pois há, enfim, são ordens jurídicas diferentes.
Numa análise específica do processo civil brasileiro, mesmo antes do advento do Novo CPC, pode-se afirmar que o modelo constitucional de processo positivado na CF de 1988 já vinha sendo, gradativamente, implementado, especialmente através das reformas sofridas no CPC de 1973.
Ademais, naquilo que a lei processual civil ainda não havia se amoldado ao modelo constitucional, a doutrina e a jurisprudência já vinham harmonizando através da hermenêutica, mesmo que muitas vezes de forma insuficiente.
O Código Fux, publicado em 2015, já em seu primeiro artigo confessa expressamente ser um documento processual construído à luz da Constituição e de seu modelo único de processo. E, portanto, conforme redação expressa do mencionado dispositivo legal, não se trata de mera questão legislativa, mas sim, também de hermenêutica.
Assim inaugura que o processo civil deve ser legislado e interpretado à luz da Constituição vigente e durante todo seu conteúdo, preocupou-se efetivamente de incorporar de forma otimizada[16] o modelo constitucional de processo.
Apesar de existir algumas divergências doutrinárias sobre um ou outro procedimento ou mesmo sobre determinado dispositivo normativo, seja positivando na lei processual civil as garantias fundamentais processuais, seja regulamentando-as, sejam ampliando-as.
Evidentemente que o CPC de 2015 não é uma codificação perfeita, mas foi bem aceito boa parte dos juristas brasileiros, recebendo elogios de juízes, advogados, professores, promotores e demais operadores de direito. Sendo muito mais democrático e atendendo com maior intensidade e amplitude as exigências previstas em nosso texto constitucional vigente.
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Notas
[1] Reconhecidamente aqui em nosso país, a supremacia constitucional fora um pouco tardia, até porque tal missão primordial do texto constitucional, só começou realmente, no pós-guerra. da Segunda Grande Guerra, considerando o período de 1964-1988, que foi marco por um autêntico engessamento da ordem constitucional, principalmente, sua inexistência sob o prisma normativo, difícil, então, afirmar uma normatividade cogente dessas Constituições outorgadas, aliás, típicas dos períodos de exceção.
[2] Lassale, entretanto, diferencia Constituição Real de Constituição Jurídica. A capacidade que esta tem de regular e de motivar está limitada à sua adequação com aquela. Caso essa compatibilidade não ocorra, o conflito será inevitável. Consequentemente, a Constituição Jurídica, que Lassale define como “um pedaço de papel”, perderá força diante dos fatores reais de poder dominantes no país.
[3] Os direitos fundamentais surgiram em períodos distintos, conforme a demanda de cada época, de maneira progressiva e sequencial nos textos constitucionais, dado origem à classificação em gerações. Como o surgimento de novas gerações não ocasionou a extinção das anteriores, também se utiliza o termo “dimensão” em vez de “geração”, já que não houve uma sucessão desses direitos, mas sim a coexistência entre eles. São características dos direitos fundamentais são consideradas princípios norteadores, pois antecedem qualquer ordenamento jurídico, a saber:
1- UNIVERSALIDADE -Os direitos fundamentais são dirigidos a todo ser humano, sem restrições, independentemente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política.
2- IMPRESCRITIBILIDADE – Os direitos fundamentais não estão sujeitos à prescrição, ou seja, não se perdem com o decorrer do tempo. Entretanto, há direitos que podem ser prescritos, como é o caso da propriedade que poderá ser atingida pela usucapião quando não exercida. Por não estarem sujeitos à prescrição, os direitos fundamentais podem ser agregados a outros direitos, sem que isso os afete de qualquer forma, não permitindo que os direitos já adquiridos sejam prejudicados ou eliminados.
3 – HISTORICIDADE – Os direitos fundamentais são parte de um processo histórico, adquiridos através de inúmeras revoluções no desdobrar-se da história.
4 – IRRENUNCIABILIDADE – Os direitos fundamentais são irrenunciáveis pelo titular. Entretanto, existe a possibilidade de renúncia temporária, podendo ser vista, por exemplo, nos programas de televisão conhecidos como reality shows, em que as pessoas participantes, por desejarem receber o prêmio oferecido, renunciam, durante a exibição do programa, à inviolabilidade da imagem, da privacidade e da intimidade.
5 – INALIENABILIDADE – Os direitos fundamentais são intransferíveis, inegociáveis e indisponíveis, não podendo ser desertados. Contudo, existe a possibilidade de sua não atuação. Pode-se exemplificar a inalienabilidade com a distinção entre capacidade de gozo, que são os direitos irrenunciáveis e a capacidade de exercício, onde pode optar por sua execução.
6 – INEXAURIBILIDADE – O artigo 5°, parágrafo segundo da Constituição Federal explica que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
7 – CONCORRÊNCIA OU INTERDEPENDÊNCIA – Os direitos fundamentais interagem entre si, influenciando-se, havendo, assim, uma mútua dependência, visto que seus conteúdos se vinculam e, por vezes, necessitam ser complementados por outros direitos fundamentais. Exemplificando essa característica, pode-se dizer que a liberdade de locomoção concorre com a garantia do habeas corpus e com o devido processo legal, ou seja, podem ser usadas conjuntamente.
8 – APLICABILIDADE – Os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata, não podendo, sob nenhuma hipótese, serem postergados. A Constituição Federal determina ser da competência dos poderes públicos a aplicabilidade imediata dos direitos e garantias previstos em lei.
9 – CONSTITUCIONALIZAÇÃO – São os direitos positivados na Constituição de um país. Os direitos fundamentais influem em todo o Direito, não só quando tem por objeto as relações jurídicas dos cidadãos com os poderes públicos, mas também quando regulam as relações jurídicas entre os particulares. Em tal medida servem de pauta tanto para o legislador como para as demais instâncias que aplicam o Direito, as quais, ao estabelecer, interpretar e pôr em prática normas jurídicas, deverão ter em conta o efeito dos direitos fundamentais.
10 – VEDAÇÃO AO RETROCESSO – Uma vez estabelecidos, os direitos fundamentais não podem ser protelados. Apesar de o princípio do não-retrocesso social não estar explícito, assim como o direito de resistência e o princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade. Uma vez que é decorrente do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido. Os direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão são os direitos individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário. Alguns exemplos de direitos fundamentais de primeira geração são o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros.
[4] Em contraponto a essa doutrina, Hesse declara que a Constituição contém uma força normativa que estimula e coordena as relações entre cidadãos e o Estado, e dentre eles. Por conseguinte, rejeita o que afirma Lassale, quando este garante que o Direito Constitucional teria apenas a função de justificar as relações de poder dominantes.
[5] As normas programáticas são as que consubstanciam programas e diretrizes para a atuação futura dos órgãos estatais. A sua principal função é estabelecer os caminhos que os órgãos estatais deverão cumprir o atendimento da vontade do legislador constituinte, para completar sua obra. Por sua natureza precisam de outra lei que as regulamente, seja lei ordinária ou complementar. Tais normas possuem eficácia mediata, e segundo entendimento doutrinário têm que ser completadas posteriormente, quando só assim, produzirão os efeitos desejados pelo legislador.
[6] Com relação a estabilidade constitucional, é curial reconhecer que é indispensável. A suposta necessidade política de reformar a Constituição, o que, aliás, acontece muito no Brasil, abala a sua força normativa. Além disso, mudar uma Constituição repentinamente, é cometer um retrocesso a uma sociedade autoritária e inconstitucional. Nas palavras de Lênio Streck, não se dissolve um regime democrático porque se quer fazer outro. Por esse motivo que nela foram inclusas cláusulas pétreas na Constituição, para garantir uma sociedade justa e segura juridicamente. Ressalta-se que estabilidade é diferente de imutabilidade. Com o decorrer do tempo, é inevitável que algumas normas jurídicas se tornem obsoletas. Nesse sentido, para que se tenha perspectivas de consolidação de uma Constituição, é preciso o acompanhamento dessa evolução por parte do Estado e pelos próprios indivíduos, através de um constante processo de verificação. No entanto, a revisão dos aspectos Constitucionais não pode ser feita sem critério e subitamente, como bem se refere Streck.
[7] Konrad Hesse (1919-2005) foi um jurista alemão que de 1975 até 1987, exerceu a função de juiz do tribunal constitucional federal alemão, localizado em Karlsruhe. Sua influência de seu pensamento aqui no Brasil é sensível pois deve-se, indiretamente, à tradição do direito constitucional português, por meio de obras de seu discípulo José Joaquim Gomes Canotilho. E, de forma mais direta, às traduções de seus livros no Brasil, especialmente a intitulada “A força normativa da constituição”, por Gilmar Ferreira Mendes, e “Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha”, por Luís Alonso Heck, ambos publicados por Sergio Antonio Fabris Editor. Mais recentemente, Otavio Luiz Rodrigues Junior traduziu Direito constitucional e direito privado, editado pela forense universitária. Registre-se que os escritos de Hesse são até hoje muito citados na jurisprudência do Supremo tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
[8] O estudo da atividade da interpretação constitucional em três diferentes etapas: a interpretação em si e suas espécies, O trajeto da interpretação constitucional e, por fim, as antagônicas perspectivas zetética e dogmática. sintetiza Ícaro de Souza Duarte que “zetética vem de zetein e significa perquirir, ter dúvida e dogmática vem de dokein e significa doutrinar”, definição está confirmada pelo professor Leonel Cesarino Pessoa, dentre outros autores que abordam o tema. É relevante que se compreenda que dogmática e zetética não são propriamente figuras vinculadas à hermenêutica, mas sim à postura do operador do direito, a nível abstrato e/ou concreto. Entretanto, a recíproca não é verdadeira. A hermenêutica como ciência base do direito, atingirá invariavelmente ambos pontos de vista, em maior ou menor intensidade, a depender do contexto.
[9] A interpretação constitucional tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. Uma interpretação adequada é aquela que consegue concretizar o sentido do enunciado normativo dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.
[10] A inclusão de princípios instrumentais como espécies normativas autônomas, reforça a técnica de ponderação, quando passou a existir certa medida de subjetividade, pois, como sabemos, enquanto a subsunção é objetiva, ponderação é subjetiva.
O que se decide em um caso pode ser o oposto ao que foi decidido em outro caso análogo com a utilização do mesmo princípio. E, por essa razão, alguns doutrinadores combatem a ponderação, ao cogitar que o uso da ponderação poderá conduzir a um subjetivismo judicial e o intérprete, com a poderão, poderá se chegar ao resultado que bem quiser.
Era necessário, nesse sentido, o desenvolvimento de premissas que outorgassem certa direção na aplicação dessa técnica. E, se não bastasse o certo subjetivismo inerente à ponderação, o uso de princípios como normas jurídicas, há de se lembrar, também, que a nova ordem constitucional exige a interpretação das leis sempre à luz da Constituição, assim se substituiu o centralismo da lei pela supremacia e centralidade da Constituição. E, aí, deu-se o fenômeno da constitucionalização dos direitos, de onde se conclui, que a interpretação jurídica é primeiramente sempre uma interpretação constitucional, o que é chamado de filtragem constitucional.
[11] A concepção de Dworkin acerca da diferenciação entre regras e princípios. Para isso, é necessário uma contextualização da sua posição em face do positivismo, tendo em vista o ponto de partida por meio do qual Dworkin estabelece os pontos decisivos entre regras e princípios. Antes disso, porém se fará uma remissão à visão que Dworkin possui do próprio ordenamento, no qual a Integridade exerce papel central, por meio da resposta correta pois o autor “parte do pressuposto que todo caso possui uma resposta correta (right answer), o que garante Integridade ao sistema jurídico.” A noção de resposta correta “como um modelo ou como um norte para a atividade do juiz”, pois seria necessário um trabalho sobre-humano para se chegar a esta.
[12] Professor aposentado de Filosofia de Direito na Universidade de Castilla-La Mancha, foi Decano das Faculdades de direito (Albacete) e Ciências Jurídicas e Sociais (Toledo), bem como Diretor do Departamento de Ciências Jurídicas e Direito Público. Seu trabalho de pesquisa é centrado principalmente no campo da Teoria do Direito e dos Direitos Fundamentais, também se estendeu às questões do direito constitucional, criminal e eclesiástico do Estado.
[13] Segundo Ferdinand Lassale, na sua obra “A Essência da Constituição”, questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. A tese fundamental do autor baseia-se na realidade que lhe é confirmada pela experiência histórica: o que a história constitucional revela é que o poder da força aparece sempre superior à força das normas jurídicas, que a normatividade se submete à realidade fática. Dessa forma, ele explica que numa sociedade existem os poderes social, militar, econômico e intelectual. É através de uma correlação dessas relações de poder dominantes numa sociedade que a Constituição se expressará. Lassale, entretanto, diferencia Constituição Real de Constituição Jurídica. A capacidade que esta tem de regular e de motivar está limitada à sua adequação com aquela. Caso essa compatibilidade não ocorra, o conflito será inevitável. Consequentemente, a Constituição Jurídica, que Lassale define como “um pedaço de papel”, perderá força diante dos fatores reais de poder dominantes no país.
[14] Os postulados normativos ou princípios instrumentais seriam, então, como uma terceira espécie de norma jurídica. Nesse caso, enquanto os princípios materiais são as normas-princípios, espécies do gênero norma jurídica, ao lado das normas-regras, ambas aplicáveis imediata e diretamente na resolução jurídica de casos concretos, os postulados normativos seriam normas de segundo grau, que apenas estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas.
Quer dizer, normas-regra e normas-princípios seriam as chamadas normas jurídicas de primeiro grau, porque possuem aplicação direta e imediata, já os postulados normativos seriam as normas jurídicas de segundo grau, de aplicação mediata e indireta, justamente porque não se destinam a resolver diretamente o caso concreto, ao contrário, direciona-se a inspirar e dar conformidade e estrutura às normas que se destinam a resolvê-lo, estas sim, chamadas normas de primeiro grau, que são os princípios materiais (normas-princípios) e as regras (normas-regras). Situados no nível da argumentação jurídica, os princípios instrumentais não estabelecem diretamente um dever de adotar determinadas condutas (regras) e nem de promover um Estado ideal de coisas como um mandamento de otimização (princípios), mas sim, prescrevem um dever de segundo grau, consistente em estabelecer a estrutura de aplicação e prescrever modos de raciocínio e argumentação em relação a outras normas, para que se realize uma aplicação de normas e princípios sempre à luz da Constituição, dentro de uma interpretação primeiramente constitucional.
[15] Ao se guiar pelo pensamento dos humanistas Erich Fromm enxerga na ética não apenas pelo ângulo subjetivo, pois se assim fosse, o relativismo seria levado ao extremo e, o que teríamos, seria tão apenas uma ética hedonista. Existe, realmente, uma escola de ética humanista que postula um subjetivismo radical e incompatível com as normas éticas universais, em que o desejo é a pedra de toque do valor e para qual todos os desejos que causam prazer seriam válidos. Mas, essa não é a única modalidade de ética humanista e, por isso, resta ainda outra alternativa além do subjetivismo e da submissão a uma ética autoritária. Viver, para Fromm, “é em si mesmo uma arte”. E a ética humanista é a ciência aplicada da arte de viver, baseada na teoria estabelecida pela “ciência do homem”, e sua excelência é proporcional ao conhecimento. As normas só podem ser deduzidas de teorias, tendo em vista uma meta, a meta, no caso do homem, é viver. A escolha do homem não deve ser entre a vida e a morte, essa é mais aparente do que real, pois todo organismo tem inerente a si o impulso para viver. “A escolha real do homem é entre uma vida boa e uma vida má”.
[16] Constata-se a pertinência da teoria dos princípios como mandados de otimização com um Estado de Direito com bases democráticas, no qual os princípios jogam papel central. Isso porque a ponderação, que é expressão da otimização em termos das possibilidades jurídicas, se configura em limite em face da ação estatal de restrição a direitos fundamentais e ainda decorre da estrutura dos direitos fundamentais enquanto princípios.
É professora universitária, pedagoga, bacharel em Direito UFRJ, mestre em Direito UFRJ, mestre em Filosofia UFF, Doutora em Direito USP. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Email: professoragiseleleite@yahoo.com.br