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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Da possibilidade de revisão ou resolução do contrato diante de um fato superveniente, extraordinário e imprevisto…

Carlos Magno Bagordakis da Rocha

Hanna Flavia Ferreira Bagordakis da Rocha

Amauri Caetano da Rocha

 

Resumo: O presente artigo científico visa analisar o instituto da teoria da imprevisão. O problema resumiu-se em verificar qual o modus operandi do instituto no ordenamento pátrio, pelos doutrinadores e pela jurisprudência. Antes da abordagem da teoria da imprevisão, houve a necessidade de demonstrar a sua concepção histórica e ser esclarecida a diferença entre as nomenclaturas: cláusula rebus sic stantibus, teoria da imprevisão e onerosidade excessiva. A teoria da imprevisão é aplicada apenas nos contratos de média a longa duração, vez que a sua ocorrência pressupõe a existência de um fato superveniente. Referido fato superveniente não pode ser de conhecimento das partes, caso contrário entraremos no campo dos vícios de vontade (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão). O fato superveniente necessita ser imprevisto e extraordinário, vez que a teoria não se aplica aos casos corriqueiros do dia-a-dia. Além desses requisitos, o fato imprevisto deve alterar a balança econômica do contrato, acarretando a um ou a ambos os contratantes onerosidade excessiva. Apesar da existência de institutos semelhantes (lesão, caso fortuito ou de força maior) eles não são sinônimos. Somente após essa meticulosa análise que foi possível chegar à temática proposta e se averiguar a aplicação da teoria da imprevisão, no qual se constatou que o instituto visa garantir a continuação do contrato ou trazer justiça aos contratantes afetados ao resolvê-lo, com o fim de salvaguardar os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, nos casos previstos na legislação para a sua aplicação.

Palavras-chave: Teoria da imprevisão. Requisitos da teoria da imprevisão. Aplicação da teoria da imprevisão.

Abstract: The present scientific article aims to analyze the institute of the theory of the unforeseen. The problem was summarized in verifying the modus operandi of the institute in the national order, by the doctrinaires and by the jurisprudence. Before approaching the theory of imprecision, it was necessary to demonstrate its historical conception and to clarify the difference between the nomenclatures: rebus sic stantibus clause, the theory of imprecision and excessive onerosity. The theory of unpredictability is applied only in medium to long duration contracts, since its occurrence presupposes the existence of a supervening fact. Said supervenient fact can not be known by the parties, otherwise we will enter into the field of wills (error, deceit, coercion, danger state and injury). The supervenient fact needs to be unforeseen and extraordinary, since the theory does not apply to the everyday cases of everyday life. In addition to these requirements, the unforeseen event must change the economic balance of the contract, causing one or both contractors excessive onerousness. Despite the existence of similar institutes (injury, fortuitous event or force majeure) they are not synonymous. It was only after this meticulous analysis that it was possible to arrive at the proposed theme and to investigate the application of the theory of unpredictability, in which it was verified that the institute aims to guarantee the continuation of the contract or to bring justice to the affected contractors in solving it, in order to safeguard the principles of objective good faith and the social function of the contract, in the cases provided for in the legislation for its application.

Keywords: Theory of unpredictability. Requirements of the theory of unpredictability. Application of the theory of unpredictability.

Sumário: Introdução. 1. Concepção histórica da teoria da imprevisão. 2. Distinção entre teoria da imprevisão, cláusula rebus sic stantibus e resolução por onerosidade excessiva. 3. Elementos para aplicação da teoria da imprevisão. 4. Diferença entre teoria da imprevisão e lesão. 5. Diferença entre teoria da imprevisão e inadimplemento por caso fortuito ou força maior. 6. Teoria da imprevisão no código de defesa do consumidor ou teoria da base objetiva. 7. Aplicação da teoria da imprevisão e seus efeitos. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Busca-se a compreensão do instituto da teoria da imprevisão dentro do ordenamento pátrio, vez que é traduzida na possibilidade de revisão ou resolução do contrato, diante de um fato superveniente extraordinário e imprevisto.

Para se chegar ao escopo almejado, foram realizadas análises bibliográficas, partindo de uma tendência fenomenológico-hermenêutica no qual se usou da compreensão dos operadores do Direito, como também a interpretação da legislação e da jurisprudência concernente sobre o assunto, na tentativa de responder aos seguintes questionamentos: qual é a concepção da teoria da imprevisão? Como é aplicada a teoria da imprevisão? Qual é o entendimento adotado pela legislação e pela jurisprudência sobre a teoria da imprevisão?

  1. CONCEPÇÃO HISTÓRICA DA TEORIA DA IMPREVISÃO

A primeira notícia que se tem sobre a teoria da imprevisão foi na Lei 48 do Código de Hammurabi, nos termos de Bittar apud Sidou que assim dispunha:

“Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano”.[1]

Em que pese à maioria da doutrina admitir que não tenha havido a sistematização da teoria no Direito Romano, foi nele que foi criada a cláusula rebus sic stantibus, sendo, inclusive, conhecido e aplicado.[2][3] Sua utilização no Direito Romano é explicada por Cícero em sua obra de officiis, nos termos de Bittar:

“[…] consigna expressa e formalmente haver promessas que, por vezes, não podem ser cumpridas e pactos que não podem ser executados. Prosseguindo, afirma que nem sempre é contrário à justiça não restituir o depósito, ou descumprir a promessa, e que isto não importa em desconhecer a verdade e a fé empenhada. Acrescenta exemplos a estas afirmações, entre os quais o de um advogado que descumpre a promessa de patrocínio de uma causa devido ao adoecimento do filho.”[4]

Santo Agostinho, na Idade Média, afirmava que não haveria descumprimento de uma promessa acaso ocorresse algo que impedisse o seu fiel cumprimento. Posteriormente, Santo Tomás de Aquino dizia que para cumprir integralmente a promessa seria necessário estarem presente todas as circunstâncias de outrora. Em verdade, foram os canonistas que definiram a cláusula rebus sic stantibus, como sendo uma cláusula implícita nos contratos, em que os contratantes eram obrigados a cumprir o avençado desde que as condições econômicas no momento da contratação permanecessem imutáveis.[5]

A primeira tentativa de divulgar os prismas teóricos da teoria na idade moderna deve ser atribuída a Cocceio, no ano de 1699, que assim o fez por meio de uma dissertação, porém foi o jurista Andrea Alciato que lhe deu o verdadeiro sentido. Afirmou que nos contratos unilaterais é sempre lícita a mudança de vontade, porém nos contratos bilaterais somente era lícito se: a) a vontade originária nascesse de erro; b) o contrato assim dispusesse; c) a lei ou ambos os contratantes previssem a rescisão ou a revogação; d) sobreviesse alguma causa que não tivesse sido considerada na conclusão do contrato ou se por algum dos contratantes não fosse, este não teria concordado com a obrigação. Nessa última hipótese temos o princípio rebus sic stantibus.[6]

Porém foi na segunda metade do século XVIII que começaram a surgir às legislações que absorviam e consagravam a cláusula, convertendo o princípio doutrinário em lei, como por exemplo: o Código Bávaro (1756), o Código Prussiano (1774), o Código Austríaco (1811). A aplicação da cláusula dependia da existência de três requisitos: a) que a alteração das circunstâncias não adviesse de mora nem de culpa; b) que não fosse simples prevê-la; c) se fosse tão elevada, que se o homem médio pudesse prevê-la não teria se obrigado; entretanto, mesmo diante desse quadro, cabia ao judiciário apurar se a obrigação deveria ser extinta ou reduzida na proporção da mudança.[7]

Na Idade Contemporânea a cláusula rebus sic stantibus sofreu um duro golpe, ante aos princípios liberalistas impostos no século XIX, sendo apenas relembrada no século XX, em especial, após a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), em que houve um desequilíbrio aos contratos em longo prazo, ou seja, por muitos anos, após séculos de evolução da cláusula, imperou de forma absoluta o princípio da força obrigatória dos contratos.[8] Em razão dos desequilíbrios surgidos, a França, em 1918, editou a Lei Falliot, que nos dizeres de Bessone afirma:

“Na França, ainda sob o fragor das batalhas, o problema desfiava solução, a Corte de Cassação resistiu tenazmente às solicitações de revisão dos contratos. O Conselho de Estado, no entanto, cedeu logo à premência dos fatos, firmando o princípio de que o poder público só poderia exigir do concessionário o cumprimento do contrato, tornando excessivamente oneroso por consequência de circunstâncias novas, das quais houvessem resultado dificuldades superiores às que poderia prever, se os revisse, adaptando-os às circunstâncias do momento. Em face da resistência da Corte de Cassação, tornou-se necessária a solução da questão por meio de lei, e, a 21 de maio de 1918, promulgou-se a Lei Falliot […]”[9]

Assim surgiu a teoria da imprevisão, que é uma evolução da cláusula rebus sic stantibus, que consiste no reconhecimento de que fatos novos, imprevisíveis pelos contratantes e a eles não imputáveis, que impacta sobre a base econômica ou a execução do contrato, é possível ser revisto com o fim de resolvê-lo ou ajustá-lo aos fatos supervenientes.

  1. DISTINÇÃO ENTRE TEORIA DA IMPREVISÃO, CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS E RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA

Em verdade a diferença terminológica possui mais relevância no mundo doutrinário que no campo prático, visto que a teoria da imprevisão é calcada na possibilidade de se discutir uma relação contratual em razão de acontecimentos supervenientes, imprevisíveis pelos contratantes e não imputáveis a eles. Nos ensinamentos de Stolze:

“Trata-se em um novo pensar, de uma aplicação direta do princípio da boa-fé objetiva, pois as partes devem buscar, no contrato, alcançar as prestações que originalmente se comprometeram, da forma como se obrigaram.”[10]

Por seu turno, a cláusula rebus sic stantibus, conforme já alinhavado alhures, traz a ideia de formação da teoria da imprevisão, ou seja, a evolução do instituto ao longo da história da humanidade, que estabelece a existência de uma cláusula implícita que visa garantir a execução do contrato nas mesmas condições pactuadas.[11]

Por fim, a resolução por onerosidade excessiva é a expressão utilizada pelo Código Civil pátrio em seus artigos 478 a 480, in verbis:

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

Nos dispositivos legais há o entendimento que o contrato pode ser extinto (resolvido) em decorrência de seu descumprimento por acontecimentos supervenientes extraordinários e imprevisíveis.

Convém trazer a baila recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça que traça distinção entre a teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. DÓLAR AMERICANO. MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL. AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO PARA ATIVIDADE PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIAS DA IMPREVISÃO. TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. TEORIA DA BASE OBJETIVA. INAPLICABILIDADE.

  1. Ação proposta com a finalidade de, após a maxidesvalorização do real em face do dólar americano, ocorrida a partir de janeiro de 1999, modificar cláusula de contrato de compra e venda, com reserva de domínio, de equipamento médico (ultrassom), utilizado pelo autor no exercício da sua atividade profissional de médico, para que, afastada a indexação prevista, fosse observada a moeda nacional.[…]
  2. A intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometa o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica.”[12](grifo nosso)

Conforme explanado a diferença suscitada é apenas doutrinária, não sendo a onerosidade excessiva considerada semelhante à teoria da imprevisão, pois essa está baseada na própria imprevisibilidade, enquanto aquela foca a desproporção contratual.[13]

  1. ELEMENTOS PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO

Como é possível perceber, a presente teoria não se aplica aos contratos de execução imediata, mas naqueles de médio ou longo prazo, mesmo que sejam próximos da confecção do contrato.

Corroborando com esse entendimento é a valiosa lição de Bittar:

“[…] a teoria da imprevisão não é admitida nos contratos de aplicação imediata. Isso porque, para que o fenômeno da imprevisão ocorra ou não, necessário haver um espaço de tempo entre o acordo e o seu cumprimento, o que não ocorre nesse tipo de contrato, pois ambas as partes cumprem ao mesmo tempo o que foi avençado.

É certo, pois, que, existindo um lapso de tempo entre a vinculação e a execução contratual, fica sobremaneira favorecido o aparecimento ou não de fatos alterados das condições iniciais, que justificarão ou não a aplicação da teoria da imprevisão”.[14]

Para a aplicação da teoria é necessário à existência dos seguintes elementos: a) superveniência de circunstância imprevisível; b) alteração da base econômica objetiva do contrato; c) onerosidade excessiva.

A superveniência de circunstância imprevisível não está atrelada ao resultado do negócio ser positivo ou negativo, pois qualquer um está arriscado a contratar e constatar a existência de prejuízos, ou seja, a álea do negócio, mas sim está ligada a existência de algo imprevisível pelas partes.

Nas palavras do saudoso Venosa temos:

“[…] tais acontecimentos não podem ser exclusivamente subjetivos. Devem atingir uma camada mais ou menos ampla da sociedade. Caso contrário, qualquer vicissitude na vida particular do obrigado serviria de respaldo ao não cumprimento da avença. Um fato será extraordinário e anormal para o contrato quando se afastar do curso ordinário das coisas. Será imprevisível quando as partes não possuírem condições de prever, por maior diligência que tiverem. Não podemos atribuir a qualidade de extraordinário ao risco assumido no contrato em que estavam cientes as partes da possibilidade de sua ocorrência […]”[15]

A alteração da base econômica objetiva do contrato significa a existência de acontecimento novo que implique na alteração da balança econômica do contrato, acarretando a um ou a ambos os contratantes onerosidade excessiva.

A onerosidade excessiva, desdobramento do elemento anterior, significa aumento da gravidade econômica de uma ou de ambas as partes, não significando necessariamente o enriquecimento de um dos contratantes, pois a onerosidade pode ocorrer para ambas às partes.[16]

Importa ressaltar que a onerosidade não pode ser de conhecimento de uma das partes, caso contrário sairíamos do campo da teoria da imprevisão e entraríamos nos vícios de vontade (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão). A onerosidade não pode, ainda, ser vinculada a uma atividade do devedor.[17]

Por fim, parte da doutrina menciona a necessidade de inexistir mora do devedor, porém tal requisito deve ser analisado com cautela, vez que a mora não pode estar atrelada ao fato imprevisto, mas sim as cláusulas contratuais não atingidas pela imprevisão, isso porque o inadimplemento pode ter ocorrido especificamente pela incidência do fenômeno.[18]

  1. DIFERENÇA ENTRE TEORIA DA IMPREVISÃO E LESÃO

Em que pese ambos os institutos preverem a existência de desproporção entre as obrigações pactuadas, uma não é sinônima da outra.

A lesão está prevista no artigo 157 do Código Civil, que dispõe:

“Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

  • 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
  • 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”[19]

O conceito de lesão, nos termos da legislação, nada mais é que a contratação de uma prestação desproporcional ao fim almejado, que apenas foi feita em decorrência da necessidade ou pela inexperiência de um dos contratantes, ou seja, trata-se de um vício de vontade.

Nesse sentido é o escólio de Stolze:

“[…] o prejuízo resultante da desproporção existente entre as prestações de determinado negócio jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade economia ou leviandade de um dos declarantes”.[20]

É possível extrair dois elementos desse vício: a) objeto ou material; b) subjetivo, imaterial ou anímico.

O primeiro elemento é traduzido na desproporção das prestações pactuadas, enquanto o segundo elemento representa o motivo pelo qual a parte lesada se obrigou, ou seja, sua necessidade, inexperiência ou leviandade.

É possível visualizar que a lesão representa um defeito no negócio jurídico, apto a ser anulado (artigo 157, §2º do Código Civil), que ocorre no início da celebração do contrato, ou seja, a lesão nasce com o negócio jurídico.[21]

Por seu turno a teoria da imprevisão pressupõe a existência de um contrato válido, com prestações de médio ou longo prazo, que por motivos supervenientes a contratação e alheio a vontade de uma ou ambas as partes gera onerosidade excessiva. Aqui não se tem o abuso do poder econômico da parte, mas sim alteração no contrato por fato posterior imprevisível. Até porque quando o fato é previsível, não é possível invocar a aplicação do instituto da teoria da imprevisão.[22]

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CDC. INAPLICABILIDADE. LESÃO. ART. 157 DO CC/02. REQUISITOS. NECESSIDADE PREMENTE OU INEXPERIÊNCIA.

– No particular, inexistindo circunstância geradora de onerosidade excessiva, o equilíbrio entre os encargos assumidos pelas partes deve ser analisado à luz da situação existente no momento da celebração do acordo e não a posteriori. É evidente que, depois de confirmada a improcedência dos pedidos formulados nas reclamações trabalhistas objeto da ação de cobrança ajuizada pela sociedade de advogados, pode considerar-se elevado o valor dos honorários, correspondente a um quarto da pretensão dos reclamantes. Todavia, deve-se ter em mente que, no ato da contratação, existia o risco de a recorrente ser condenada ao pagamento de todas as verbas pleiteadas, de sorte que a atuação da recorrida resultou, na realidade, numa economia para a recorrente de 75% do valor dessas verbas. […]

– O art. 157 do CC/02 contempla a lesão, que se caracteriza quando uma pessoa, sob premente necessidade ou por inexperiência, obriga-se à prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. O referido instituto não se aplica à hipótese dos autos, de celebração de contrato de prestação de serviços advocatícios por sociedade anônima de grande porte. Além de não ter ficado configurada a urgência da contratação, não há de se cogitar da inexperiência dos representantes da empresa. Ademais, a fixação dos honorários foi estipulada de maneira clara e precisa, exigindo tão somente a realização de cálculos aritméticos, atividade corriqueira para empresários. Recurso especial a que se nega provimento”.[23] (grifo nosso)

Em suma, se uma das partes sabia da fragilidade da outra e mesmo assim finaliza o negócio jurídico estaremos diante da lesão, porém se após o negócio jurídico ocorrer um fato superveniente e imprevisto, sem conhecimento das partes e gerar onerosidade excessiva a uma ou a ambas estaremos diante da teoria da imprevisão.

  1. DIFERENÇA ENTRE TEORIA DA IMPREVISÃO E INADIMPLEMENTO POR CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR

O caso fortuito ou força maior são institutos próximos à teoria da imprevisão, porém também apresentam diferenças.

Primeiramente é importante ressaltar que os motivos de força maior ou caso fortuito possuem diferenças em sua semântica, sendo que o primeiro representa os eventos naturais que podem ser até previstos, mas não podem ser evitados, por exemplo, raios, tempestades, entre outros, enquanto o segundo são eventos humanos imprevisíveis ou inevitáveis, como por exemplo, greve, guerras, entre outros. Nesse sentido:

“Caso fortuito

É o evento proveniente de ato humano, imprevisível e inevitável, que impede o cumprimento de uma obrigação, tais como: a greve, a guerra etc. Não se confunde com força maior, que é um evento previsível ou imprevisível, porém inevitável, decorrente das forças da natureza, como o raio, a tempestade etc”.[24]

É importante ressaltar que o entendimento exposto alhures não é unânime pela doutrina, porém é o entendimento majoritário.

A sua previsão legal está contida no artigo 393 do Código Civil, in verbis:

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

No caso de inadimplemento por ocorrência de caso fortuito de ou de força maior não há obrigação de indenizar a qualquer uma das partes, porém a teoria da imprevisão enseja a possibilidade de revisão das cláusulas pactuadas, podendo gerar uma repactuação da avença, com ressarcimento de valores pagos ou desembolsados, bem como indenização pela extinção do contrato.[25]

A renomada doutrinadora Di Pietro, ao comentar a diferença dos institutos na Administração Pública assim leciona:

“Nesta estão presentes os mesmos elementos: fato estranho à vontade das partes, inevitável, imprevisível; a diferença está em que, na teoria da imprevisão, ocorre apenas um desequilíbrio econômico, que não impede a execução do contrato; e na força maior, verifica-se a impossibilidade absoluta de dar prosseguimento ao contrato. As consequências são também diversas: no primeiro caso, a Administração pode aplicar a teoria da imprevisão, revendo as cláusulas financeiras do contrato, para permitir sua continuidade, se esta for conveniente para o interesse público; no segundo caso, ambas as partes são liberadas, sem qualquer responsabilidade por inadimplemento […]”[26]

Portanto, a diferença entre os institutos da força maior e do caso fortuito com a teoria da imprevisão se dá pelo fato de nos primeiros casos haver a total resolução do contrato, pela impossibilidade de seu adimplemento, sem que haja a necessidade de pagar indenização a qualquer das partes, enquanto no segundo caso há onerosidade excessiva, em que o contrato pode ser resolvido ou reajustado com o fim de reequilibrar as obrigações pactuadas.

  1. TEORIA DA IMPREVISÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR OU TEORIA DA BASE OBJETIVA

Além da previsão da revisão contratual pela onerosidade excessiva existente no Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, legislação voltada exclusivamente às práticas de consumo e que visa certa facilitação para defesa dos interesses dos consumidores inovou ao consagrar as disposições previstas no artigo 6°, V, in verbis:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […]

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”

Referida inovação se dá pelo fato do Código de Defesa do Consumidor ser uma legislação do ano 1990, sendo que nessa época o Código Civil vigente era o do ano de 1916, que não tratou da matéria.

Conforme é possível ler na disposição supracitada, a legislação consumerista não exige a ocorrência de fato imprevisível, mas apenas fatos supervenientes que tornem as prestações excessivamente onerosas, motivo pelo qual foi denominada como teoria da base objetiva.

Nesse sentido são os ensinamentos de Stolze:

“O CDC não exigiu a imprevisibilidade para que se pudesse rediscutir os termos do contrato, razão por que a doutrina e a jurisprudência especializadas preferem, aí, denominá-la teoria da onerosidade excessiva.”[27]

Todavia, apesar de semelhantes, as disposições previstas no Código de Defesa do Consumidor não podem se estender para as relações que não possuem relação de consumo.

Inclusive esse é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. DÓLAR AMERICANO. MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL. AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO PARA ATIVIDADE PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIAS DA IMPREVISÃO. TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. TEORIA DA BASE OBJETIVA. INAPLICABILIDADE. […]

  1. A teoria da base objetiva, que teria sido introduzida em nosso ordenamento pelo art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor – CDC, difere da teoria da imprevisão por prescindir da previsibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes.Tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas. Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva.
  2. Em que pese sua relevante inovação, tal teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção.Não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor, mormente com a finalidade de conferir amparo à revisão de contrato livremente pactuado com observância da cotação de moeda estrangeira.”[28] (grifo nosso)

Em que pese a sua aplicação ser restrita apenas nas relações consumeristas, evidente que a teoria da base objetiva, que está prevista no Código de Defesa do Consumidor, guarda relação com a teoria da imprevisão prevista no Código Civil de 2002, servindo como parâmetro para que o julgador possa aplicar o instituto.

  1. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E SEUS EFEITOS

Deveras, nos termos do artigo 478 do Código Civil, é necessária a presença de um evento extraordinário e imprevisível, que causa enriquecimento indevido para uma parte em detrimento da outra. Todavia, importa ressaltar que a onerosidade pode ser aplicada tanto para o credor como para o devedor.

Além de imprevisível é necessário o fato ser extraordinário, excepcional, o que nos leva a conclusão que os motivos corriqueiros do dia-a-dia não podem ser aplicados ao instituto.

Brilhantemente discorrendo sobre os fatos extraordinários são as palavras de Stolze:

“[…] a extraordinariedade do evento, ou seja, deve ser excepcional, escapando, assim, do curso normal e ordinário dos acontecimentos da vida.”

Nesse mesmo sentido, são os dizeres de Bittar ao conceituar a imprevisão:

“[…] Quando se fala em fato imprevisível, temos a ideia de algo fora da normalidade, de um fato extraordinário, porque estava longe do alcance de qualquer previsão. Porém, para conceituar a imprevisão no âmbito jurídico, há a necessidade de fundamentação técnica, ou seja, um princípio que só atua no espaço aberto pela excepcionalidade. […]”

É importante ressaltar que independente do contrato ser revisto ou resolvido, diante da imprevisão superveniente, em ambos os casos é necessário o manejo de ação judicial, em que o pedido pode ser tanto para liberação da obrigação, como de redução da prestação, sendo que no caso de apenas ser feito um dos dois pedidos o magistrado não poderá julgar fora do seu limite, sob pena de julgamento extra petita.

Inclusive esse é o escólio de Venosa:

“A revisão dos contratos é judicial. Portanto, é necessária a intervenção do juiz de uma sentença. O devedor onerado deve ingressar com a ação, requerendo o reconhecimento da teoria da imprevisão. O pedido poderá ser tanto de liberação do devedor da obrigação como de redução do montante da prestação. Note que a revisão judicial não deve limitar-se exclusivamente a resolver a obrigação. Pode, e com muita utilidade, colocar o contrato em seus bons e atuais limites de cumprimento, sem rescindi-lo. […] Se o devedor, porém, pede exclusivamente a extinção da obrigação, não poderá o juiz decidir fora do pedido.”[29]

Havendo resolução do contrato, os seus efeitos retroagirão até a data da citação, nos termos do artigo 478 do Código Civil, in fine. Logo, as prestações anteriores à citação deverão ser cumpridas.

A demanda somente atinge as prestações ainda não adimplidas, sendo que o pagamento somente poderá ser cessado com o ajuizamento da ação e com a autorização judicial.

Nos termos de Venosa:

“O pedido terá em mira as obrigações ainda não cumpridas. Aquelas cumpridas já estão extintas. A cessação do pagamento, porém, somente pode ocorrer com o ajuizamento e a autorização judicial. Na pendência de lide, ainda, em homenagem à boa-fé, deve o autor depositar o que entender devido.”[30]

Aliás, o código é omisso quanto à possibilidade de retroação nos casos de haver interpelação extrajudicial antes do manejo da demanda.

Em relação ao assunto, são valiosos os ensinamentos de Ascensão sobre a retroação dos efeitos da sentença:

“O art. 478 dispõe que os efeitos da sentença que decretar a resolução retroagirão à data da citação. Compreende-se, pois a sentença verifica, nesse caso, que realmente havia fundamento para a resolução do contrato. Mas pode perguntar-se se será essa a única solução possível. Uma vez que a atuação também pode ser extrajudicial, os efeitos poderão retroagir à data da interpelação dirigida por uma parte à outra, uma vez verificado que havia realmente fundamento para a resolução do contrato.

Na realidade, aquele trecho do art. 478, que traduz antes de mais nada a realidade processual comum, só confunde. Se não quisesse estabelecer uma solução especial para esta hipótese, mais valia o Código ter omitido qualquer referência à retroação. […]”[31]

O artigo 479 do Código Civil traz a possibilidade de revisão do contrato, se o réu resolver modificar equitativamente o contrato, ou seja, caso a parte demandada aceite.

Porém o dispositivo citado acima deve ser interpretado com base no artigo 317 do mesmo codex, que prevê a possibilidade de revisão dos valores pagos pelo magistrado, nos seguintes termos:

“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.[32]

Aliás, o Enunciado 367 do CJF, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, veio pacificar o assunto ao definir que:

“[…] Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório.”[33]

Por fim, o artigo 480 do Código Civil traz a hipótese de aplicação do instituto nos contratos unilaterais, ou seja, para aqueles contratos que impõe a obrigação para apenas um dos contratantes, com o fim de reduzir a sua prestação ou alterar o modo de executá-la. Como exemplo, podemos utilizar o caso citado por Stolze de um contrato de doação que é previsto a entrega de 50 sacas de cereais para uma família humilde que mora em um local longínquo, cujo único acesso é uma pequena estrada. Caso no dia do cumprimento da obrigação venha a cair à estrada, pode o devedor pugnar pelo envio dos cereais pela via pluvial.[34]

Importa ressaltar que a aplicação da teoria da imprevisão pode ser considerada recente no atual contexto legislativo, pois a disposição prevista no hodierno Código Civil não possui correlação com o Código Civil de 1916, que somente teve o seu marco no Código de Defesa do Consumidor, que, aliás, só pode ser utilizada na roupagem traçada por esse codex, nas relações de consumo, conforme já discorremos. Isso significa que aplicar o instituto é uma tarefa demasiadamente difícil no Poder Judiciário, uma porque o instituto é novo e não há aplicações semelhantes da forma que o conhecemos, o que faz o Poder Judiciário tentar reprimir a sua utilização, duas porque muita das vezes os devedores utilizam o instituto de forma equivocada, o que pode contribuir para a sua banalização.

Deveras, é pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça que a teoria da imprevisão não pode ser aplicada em contratos aleatórios, que são aqueles contratos futuros que possuem a natureza de contratos imprevisíveis, vez que, repisa-se, para a teoria não se leva em consideração o resultado do negócio ser favorável ou não, pois qualquer pessoa está arriscada a contratar e constatar a existência de prejuízos, ou seja, a álea do negócio, mas sim deve estar ligada a existência de algo imprevisível pelas partes, conforme arresto:

“AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE COISA FUTURA. PRODUÇÃO INSUFICIENTE. TEORIA DA IMPREVISÃO. NÃO APLICAÇÃO. AFASTAMENTO DA TESE DE CONTRATO ALEATÓRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. SÚMULAS 5, 7 E 211/STJ. DECISÃO CONFIRMADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.” (grifo nosso)[35]

Os Tribunais Estaduais não divergem desse posicionamento:

“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. QUEBRA DE SAFRA. TEORIA DA IMPREVISÃO. AFASTADA. CONTRATO ALEATÓRIO. RISCO DO NEGÓCIO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

Mantém-se a sentença que reconheceu tratar-se o contrato em discussão de típico negócio aleatório, bem como afastou a aplicação da teoria da imprevisão, isto porque a imprevisibilidade implica na necessidade da ocorrência de fato estranho à vontade das partes, inevitável e que cause desequilíbrio no contrato.”[36] (grifo nosso)

“COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. CONTRATO ALEATÓRIO. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE.

1 – NÃO SE APLICA A TEORIA DA IMPREVISÃO A CONTRATO ALEATÓRIO DE COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA DE SOJA, CELEBRADO COM RISCO PARA UMA DAS PARTES.

2 – NÃO É ABUSIVA A CLÁUSULA PELA QUAL O PRODUTOR DE SOJA ASSUME O RISCO PELA FRUSTRAÇÃO DO NEGÓCIO, DECORRENTE DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. TAIS RISCOS SÃO INERENTES À NATUREZA DO CONTRATO.

3 – APELAÇÃO NÃO PROVIDA.”[37] (grifo nosso)

Não obstante, nos demais contratos em que é possível a aplicação do instituo, os Tribunais estão demonstrando grande resistência, vez que é de difícil comprovação a ocorrência de fato imprevisível, mesmo no caso de doença.

“CIVIL. CONTRATO. COMPRA. VENDA. FUNDO DE COMÉRCIO. TEORIA DA IMPREVISÃO. ART. 478, CC. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS. CONDIÇÕES SUBJETIVAS. 1. Para aplicação da teoria da imprevisão, os eventos imprevisíveis devem ser capazes de alterar significativamente as condições econômicas objetivas do negócio, gerando uma onerosidade excessiva para um dos contratantes em contraposição a um benefício exagerado da outra. 2. O acometimento por doença de um dos contratantes altera as suas condições econômicas subjetivas, não tendo gerado um enriquecimento exagerado da parte contrária. 3. Não tendo a parte demonstrado o preenchimento dos pressupostos do art. 478 do Código Civil, não há se falar em aplicação da teoria da imprevisão, devendo o contrato ser cumprido da forma como pactuado. 4. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.”[38] (grifo nosso)

“ADMINISTRATIVO COBRANÇA CONTRATO ADMINISTRATIVO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EXTINÇÃO DA CPMF EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO TEORIA DA IMPREVISÃO. Contrato administrativo firmado durante a vigência da CPMF. Posterior extinção da contribuição. Aplicação da teoria da imprevisão para restauração do equilíbrio econômico-financeiro. Inadmissibilidade. Hipótese em que não ficou comprovada a inclusão dos valores relativos à CPMF nos custos ajustados na avença, tampouco o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Tributo, ademais, que não guarda qualquer relação direta com o objeto do contrato, o que impede a revisão pretendida. Precedentes desta Corte. Pedido improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido”.[39]

Entendemos que a teoria da imprevisão somente deve ser aplicada em casos excepcionais, visto que os contratos devem ser cumpridos conforme o pactuado, até porque ninguém é obrigado a contratar e quando assim o faz, sabe das condições para o cumprimento da obrigação, não podendo a segurança jurídica dos contratos serem abaladas por qualquer fato corriqueiro, sob pena de macular o instituto da teoria da imprevisão.

Aliás, é possível concluir que a teoria da imprevisão evoluiu continuamente com os contratos, sendo que esse último, para chegar à sua concepção clássica, passou por significativas mudanças que começaram pelo Direito Romano e passaram por toda uma evolução social, onde não se limita mais apenas a produzir efeitos aos contratantes, como se entedia no passado, mas para toda a sociedade, abandonando, portanto, a forma de um instrumento econômico para ser um instrumento social. No mesmo passo temos a teoria da imprevisão, que serve para reafirmar a necessidade dos contratos serem voltados para a sociedade, pois tende a salvaguardar os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, nos casos previstos na legislação para a sua aplicação.

CONCLUSÃO

Foram propostos três questionamentos para analisar o instituto em comento: qual é a concepção da teoria da imprevisão? Como é aplicada a teoria da imprevisão? Qual é o entendimento adotado pela legislação e pela jurisprudência sobre a teoria da imprevisão?

Ao se perquirir sobre a teoria da imprevisão, encontramos a sua fundamentação legal nos artigos 478 a 480 do Código Civil, bem como concluímos que aquela possui outras denominações doutrinas, como cláusula rebus sic stantibus, teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva, sendo que a primeira representaria à nomenclatura anterior a teoria da imprevisão e as duas últimas, respectivamente, basear-se-ia na imprevisão e na desproporção contratual.

Aliás, há outros institutos dentro do ordenamento pátrio que possuem semelhanças com a teoria da imprevisão, como a lesão, o caso fortuito ou de força maior, porém não são sinônimos e possuem características próprias.

A teoria é conceituada como a possibilidade de revisão ou resolução do contrato por um acontecimento superveniente, imprevisível pelas partes, que ocasiona a alteração da base econômica pela onerosidade excessiva, que pode afetar uma ou ambas as partes contratantes.

Foi demonstrado que a aplicação do instituto revela-se uma tarefa demasiadamente difícil, uma porque o instituto é novo e não há aplicações semelhantes da forma que o conhecemos, o que faz o Poder Judiciário tentar reprimir a sua utilização, duas porque muita das vezes os devedores utilizam o instituto de forma equivocada, o que pode contribuir para a sua banalização.

Concluímos que a teoria da imprevisão somente deve ser aplicada em casos excepcionais, visto que os contratos devem ser cumpridos conforme o pactuado, até porque ninguém é obrigado a contratar e quando assim o faz, sabe das condições para o cumprimento da obrigação, não podendo a segurança jurídica dos contratos serem abaladas por qualquer fato corriqueiro, sob pena de macular o instituto da teoria da imprevisão.

Por derradeiro, foi concluído que a teoria da imprevisão serve para reafirmar a necessidade dos contratos serem voltados para a sociedade, pois tende a salvaguardar os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, nos casos previstos na legislação para a sua aplicação.

 

Referências

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Notas

[1] BITTAR, Carlos Alberto (Coordenador). Contornos atuais da teoria dos contratos. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1993.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito CivilTeoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 15. ed. Atlas: São Paulo, 2015.

[3] BITTAR, Carlos Alberto (Coordenador). Op. cit.

[4] Idem.

[5] BITTAR, Carlos Alberto (Coordenador). Op. cit.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. Contratos: teoria geral. 11. ed. Saraiva: São Paulo, 2015.

[9] BESSONE, Darcy. Do Contrato – Teoria Geral, São Paulo: Saraiva, 1997.

[10] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit.

[11] Idem.

[12] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1321614/SP, da Terceira Turma. Brasília/DF, 03-03-2015.

[13] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit.

[14] BITTAR, Carlos Alberto (Coordenador). Op. cit.

[15] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit.

[16] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit.

[17] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit.

[18] Idem.

[19] BRASIL. Código Civil, 10 de janeiro de 2002. Gráfica Senado Federal.

[20] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

[21] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit.

[22] Idem.

[23] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.117.137/RS, da Terceira Turma. Brasília/DF, 30-06-2010.

[24] DireitoNet. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/791/Caso-fortuito>. Acessado em 24-02-2016.

[25] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit.

[26] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 10. ed. Atlas: São Paulo, 1998.

[27] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit.

[28] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.321.614/SP, da Terceira Turma. Brasília/DF, 03-03-2015.

[29] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit.

[30] Idem.

[31] ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração das Circunstâncias e Justiça Contratual no Novo Código Civilin Questões Controvertidas – Série Grandes Temas de Direito Privado. Volume II.

[32] BRASIL. Código Civil, 10 de janeiro de 2002. Gráfica Senado Federal.

[33] IV JORNADA DE DIREITO CIVIL – Enunciados aprovados. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IVJornada.pdf>. Acessado em 25-02-2016.

[34] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit.

[35] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 806.302/MT, da Quarta Turma. Brasília/DF, 11-12-2013.

[36] BRASIL. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Apelação n.º 08003275220128120010/MS, da Primeira Câmara Cível. Campo Grande/MS, 07-11-2014.

[37] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação n.º 20130110705786/DF, da Sexta Turma. Brasília/DF, 29-04-2014.

[38] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação n.º 20140610085918/DF, da Quinta Turma. Brasília/DF, 22-07-2015.

[39] BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n.º 00017753720138260053/SP, da Nona Câmara de Direito Público. São Paulo/SP, 19-03-2015.

Informações Sobre os Autores

Carlos Magno Bagordakis da Rocha

Advogado graduado em Direito pela UCDB 2011 pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pós-graduado em Direito Civil e Empresarial ambos pela Faculdade Damásio 2014

Hanna Flavia Ferreira Bagordakis da Rocha

advogada, graduada em Direito pela UNIDERP (2016), pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Damásio

Amauri Caetano da Rocha

Advogado, graduado em Direito pela UCDB (2010), pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela UCDB

Publicado originalmente na  Revista Âmbito Jurídico nº 164 – Ano XX – Setembro/2017