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CENTRO DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS E DE GESTÃO PÚBLICA

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Fascismo (Nazismo) e Comunismo – irmãos inimigos…

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“Foi a união das forças anti-capitalistas da esquerda e da direita, a fusão do socialismo radical e do socialismo conservador que destruiu na Alemanha tudo o que ali havia de liberal”.– Friederich von Hayek

Carlos Fino*

                “O comunismo distingue-se fundamentalmente do fascismo porque foi o primeiro” – Virgílio Ferreira

 

Teria sido o marxismo a origem do fascismo, como afirma o jornalista e escritor português José Rodrigues dos Santos?

A afirmação causou forte polêmica e a reação indignada de um leque de intelectuais, para quem o marxismo, apesar do fracasso da URSS e do colapso do comunismo, permanece ainda hoje – no mínimo – uma corrente filosófica e sociológica de referência.

Percebe-se a indignação. Primeiro, na Guerra Civil de Espanha, nos anos 30; depois e sobretudo, na Segunda Grande Guerra Mundial, o embate mortal então travado entre nazi/fascismo, de um lado, e comunismo, do outro, deixou bem vincada a ideia de que estaríamos em face de duas doutrinas radicalmente opostas – uma de direita, de cariz nacionalista, racista e defensora do capital; outra de esquerda, universalista e representante do trabalho.

O facto de a URSS ter dado uma contribuição decisiva para a vitória das democracias ocidentais sobre a Alemanha nazi ajudou a acentuar e perpetuar a percepção de que entre comunismo e fascismo não poderia haver qualquer proximidade. Por isso é tão chocante para muita gente a afirmação de que afinal ambos poderiam ter tido uma origem comum: o marxismo.

Nem mesmo o facto de ambos os regimes terem chegado a entender-se, assinando em vésperas da guerra um Pacto de Não-Agressão (Molotov-Ribentropp, 1939) pelo qual dividiam entre si a Polónia, os Países Bálticos e a Finlândia, foi suficiente para desfazer a ideia de total incompatibilidade entre eles. Tudo isso, afinal, podia ser explicado pelas circunstâncias e conveniências do momento. Para se justificarem, os russos ainda hoje afirmam que o Pacto teria sido necessário para dar tempo à União Soviética de se armar, adiando a agressão hitleriana iminente.

E, no entanto… E, no entanto, a verdade é que, mesmo uma observação empírica da organização e do modus operandi dos dois regimes já denunciava vastas semelhanças – partido único e culto da personalidade do chefe, propaganda total, sindicatos oficiais, polícia política, perseguição de toda e qualquer divergência, subordinação do indivíduo ao Estado, campos de morte para exterminar os “sub-humanos” (“untermenschen”) de um lado, Gulag para liquidar os “dissidentes” do outro…  No fundo, ambos fortemente estatistas e anti-liberais. Teriam tido então uma origem comum?

Vários autores o afirmam ou sugerem, entre eles um bem célebre que não vi até agora citado na polêmica – o austríaco Friederich von Hayek, Prêmio Nobel de Economia de 1974, um dos mais importantes pensadores liberais do século XX.

Na sua obra mais célebre – “O Caminho da Servidão”, que data de 1944 – Hayek tem todo um capítulo precisamente dedicado às “Raízes Socialistas do Nazismo”.

Hayek não diz abertamente que foi o marxismo que levou ao fascismo, preferindo acentuar a ideia mais genérica de socialismo enquanto antagônica do espírito individualista e liberal. Aliás, ainda no plano das ideias, para que se chegasse ao nacional-socialismo foi preciso antes eliminar – diz o autor austríaco – “os elementos liberais que este (marxismo) continha – seu internacionalismo e sua democracia”.

“As doutrinas do nacional-socialismo – escreve ele ainda – representam o ponto culminante de uma longa evolução de ideias”. Muito cultivadas na Alemanha, essas doutrinas coletivistas e anti-liberais contaram aí com divulgadores de grande prestígio como o professor marxista Werner Sombart, mas tiveram também apoio noutros países, igualmente por parte de intelectuais de renome como Thomas Carlyle e Houston Chamberlain, na Inglaterra, Auguste Comte e Georges Sorel, em França.

Segundo Hayek, o que explica a grande expansão das ideias nacional-socialistas, ainda minoritárias na Alemanha no início do século XX, não foi nem a derrota do país na Primeira Guerra Mundial nem – como muitas vezes se afirma – a reacção da burguesia aos avanços do socialismo. Foi antes “a ausência de uma burguesia forte” que explica a chegada dos fascistas ao poder.  Escreve o autor austríaco:

“Foi a união das forças anti-capitalistas da esquerda e da direita, a fusão do socialismo radical e do socialismo conservador que destruiu na Alemanha tudo o que ali havia de liberal”.

A organização, o centralismo, a concentração de poder, o culto da disciplina, vinham também dos círculos técnicos e industriais, em particular da Prússia – nem todos marxistas, longe disso – os quais consideravam que a Alemanha havia sido “designada pela história” para representar e aplicar “essa forma superior de vida econômica”.

Outros pensadores alemães como Johann Plenge e Paul Lensh, ambos de convicções socialistas e inspiração marxista (pelo menos de início), acabaram por nortear os doutrinadores imediatos do nacional-socialismo como Oswald Spengler e Moeller van der Bruck.

Na Rússia, o anti-liberalismo acabaria – na sua versão comunista – por ser acentuado por Lénine e sobretudo Stálin, encontrando terreno fértil num país marcado – como advertira aliás o próprio Marx! – pelo “despotismo oriental” (os séculos de jugo tártaro-mongol).

Em resumo, sem negar a inspiração marxista inicial de alguns dos autores que acabaram por desenvolver as ideias do nacional-socialismo, parece simplificação excessiva dizer que “o fascismo teve origens marxistas”.

Tudo foi mais complexo que isso, tendo as condições específicas da Alemanha, num caso, e da Rússia, no outro, sido determinantes para o surgimento de duas formas de totalitarismo – fascismo e comunismo – que haveriam de se confrontar com o ódio dos irmãos inimigos. E isso, mais apesar de Marx do que por causa de Marx.

Carlos Fino – jornalista internacional português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscovo, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, tendo coberto diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. Tornou-se conhecido no Brasil por ter sido o primeiro a anunciar, com imagens ao vivo, transmitidas na TV Cultura, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na última Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), onde atualmente reside.

 

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