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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Gestão Pública: o viés pró-controle e suas distorções interpretativas…

É equivocado supor uma orientação geral do Direito para favorecer o controlador, em detrimento do gestor público…

EDUARDO JORDÃO

Minha coluna sobre a extensão do poder de cautela do TCU gerou respostas de membros de Cortes de Contas, que manifestaram de forma cordial a sua discordância, em saudável diálogo que me honra e que desejo manter.

Em vez de voltar diretamente ao tema, interessa-me aqui explorar um certo “viés pró-controle” que me parece marcar os textos dos colegas que me responderam e que orienta a interpretação (a meu ver distorcida) que fazem do direito.

Num dos textos de resposta, o viés se manifesta na preferência que os autores dão a dispositivos mais abstratos e genéricos, que podem ser usados para embasar teses pró-controle, em detrimento de dispositivos mais específicos e concretos na direção contrária. O que me chamou mais a atenção foi o argumento de que a limitação do poder de cautela não poderia ser efetivada porque “prejudicaria a missão institucional do TCU”.

Ora, dado que esta missão institucional foi dada pela própria Constituição, não dá pra entender porque ela prevaleceria ou teria mais força normativa do que os dispositivos também constitucionais que delimitam a específica medida cautelar que detém o TCU e o específico procedimento que deve seguir para adotá-la validamente.

Não seria mais razoável supor que o Constituinte, ele mesmo, já teria feito a opção sobre como exatamente (e dentro de quais limites) o controlador deve cumprir sua missão institucional?

O viés pró-controle ata as mãos do constituinte: deixa-o sem espaço para desenhar um controlador com menos poderes do que o intérprete entende ser o adequado para que ele funcione bem.

No outro texto, o viés pró-controle se manifesta na compreensão de que, nas situações em que há discordância de interpretação entre gestor público e controlador, a visão deste último deve sempre (ou “naturalmente”) prevalecer, independentemente do que diz o direito.

Supõe-se a existência de uma espécie de preferência apriorística e generalizada do direito à opinião do controlador, frente à do gestor público. Mas não é assim. Em alguns casos o direito prevê a prevalência da visão do controlador, em outros não. Além disso, mesmo quando existente, o direito prevê graus diferentes deste tipo de prevalência, a depender do controlador em questão. A do poder judiciário sobre o gestor, por exemplo, é claramente mais ampla do que a dos Tribunais de Contas sobre o gestor – se é que esta última existe.

Na prática, isso significa que, numa situação de conflito de entendimento entre o controlador e o gestor público, não se deve supor que a solução do controlador deva necessariamente prevalecer: ao invés disso, é preciso verificar o que diz o direito sobre aquela situação concreta.

A minha tese na coluna anterior era precisamente a de que, apenas nos casos em que prevê o direito e de acordo com o procedimento nele previsto, pode o TCU impor medida cautelar por entender existente um risco de dano ao erário público. Fora destas hipóteses autorizadas pelo Direito, a opinião do TCU sobre este risco é juridicamente irrelevante (ou, ao menos, destituída de força impositiva), se dela discordar o gestor público.

O intérprete bem pode entender que seria socialmente positivo que este ou aquele controlador detivesse este ou aquele poder. Ele só não pode pressupor que este seja necessariamente também a determinação do Constituinte, que, como operador do direito, lhe cabe aplicar.

EDUARDO JORDÃO – Professor da FGV Direito Rio e sócio do Portugal Ribeiro Advogados. Doutor pelas Universidades de Paris e de Roma. Mestre pela USP e pela LSE. Foi pesquisador visitante em Harvard, Yale, MIT e Institutos Max Planck.