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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

GONÇALVES DIAS, PATRONO DA ACADEMIA!

 

Saudação feita por ocasião do 199º aniversário de nascimento do nosso poeta maior – 1823-2022!

 

Por Sergio Tamer*

 

A vida e a obra de Antônio Gonçalves Dias são inesgotáveis. Jamais uma breve saudação, como essa, ao ensejo do seu 199º aniversário de nascimento, pode abarcar, mesmo com extremada síntese, toda a exuberante riqueza de seu conteúdo humano e literário, talvez só possível em obras como as de Lúcia Miguel Pereira e de Manuel Bandeira.

José de Alencar, expoente da corrente literária indianista e o principal romancista brasileiro da fase romântica dizia que “Gonçalves Dias é o poeta nacional por excelência; ninguém lhe disputa na opulência da imaginação, no fino lavor do verso, no conhecimento da natureza brasileira e dos seus costumes selvagens”. José Veríssimo escreveu: “É, porém, como poeta o maior e mais completo que o Brasil criou e o que lhe é mais afim”. Para Ronald de Carvalho, “foi ele, sem dúvida, a primeira voz definitiva da nossa poesia, aquela que nos integrou na própria consciência nacional”. Amadeu Amaral conceitua nesse mesmo tom: “Gonçalves Dias foi o primeiro que surgiu com fisionomia bem nova, bem forte e bem brasileira”.

Nesses depoimentos ilustres, um dos pontos incontroversos que encontramos sobre Gonçalves Dias é a perfeita, intensa e intima brasilidade de sua obra poética. Gonçalves Crespo assegura ser ele o criador da poesia nacional e o entusiasta cantor das epopeias brasileiras. Na sua “História e crítica da poesia brasileira”, Edison Lins reconhece que “com o mestiço Gonçalves Dias, o Brasil teria o seu primeiro e genuíno poeta”. Olavo Bilac, sob outro ângulo, assegura que “nenhum outro poeta cantou com mais brilho e com mais verdade as nossas florestas, os nossos rios, as flores dos nossos campos e as estrelas do nosso céu, a formosura e a graça das nossas mulheres. Os seus versos épicos são de uma majestade incomparáveis”. Ainda pela voz autorizada de Bilac, Gonçalves Dias foi aquele que “mais brasileiramente pensou, sentiu e escreveu.” Nogueira da Silva garante que essa íntima e cívica brasilidade fez dele “o grande, o imortal, o máximo poeta da raça”. Josué Montello, invocando Machado de Assis, que “não era pródigo em louvores”, sublinhou que os versos gonçalvinos eram perpétuos e que “serão repetidos enquanto a língua que falamos for a língua de nossos destinos”.

É voz uníssona que Gonçalves Dias canta o nascimento de um Brasil autônomo, política e literariamente. Situa-se esteticamente entre a Era Colonial e a Era Nacional. O anseio de originalidade e de autoafirmação nacional marcaram esse primeiro momento do Romantismo brasileiro que iria chegar, mais tarde, ao Modernismo.

Mas é inevitável que a comemoração do aniversário de nascimento de Antônio Gonçalves Dias, como hoje aqui fazemos, às vésperas do seu bicentenário, nos remeta às terras da Fazenda Jatobá, sítio Boa-Vista, antiga Vila de Caxias, onde nasceu dez dias depois da entrada das forças independentes naquele solo, ao mando do capitão-mór Filgueiras. Eram os albores da adesão maranhense à Independência do Brasil.  Seu pai, o comerciante português João Manuel Gonçalves Dias, simpatizante da causa defendida pelo sargento-mór Tidié a favor dos portugueses, teve de foragir-se, embarcando logo em seguida para Portugal só retornando algum tempo depois. O menino passa, então, os dois primeiros anos em companhia de sua mãe. De volta a Caxias, seu pai casa com Adelaide Ramos de Almeida e o menino Antônio vai com eles morar, acolhido com benevolência, mas sem afetos. Inicia, nessa fase, o curso primário ministrado pelo professor José Joaquim de Abreu. A sua precocidade, aos dez anos, leva o pai a tê-lo como ajudante no comércio. Mas por solicitação de parentes e amigos, que já vislumbravam suas singulares disposições para as letras, foi mandado à aula do professor Ricardo Leão Sabino quando então iniciou seus estudos, embora incipientes, de latim, francês e filosofia.

Sua chegada em São Luís na companhia do pai deu-se em 1837, aos 14 anos. Em seguida partiam para Portugal onde João Manuel ia buscar o alívio para os seus padecimentos pulmonares. Porém, a morte do genitor faz com que ele regresse a Caxias. Já em 1838, com apoio do seu último mestre e por pessoas de destaque na Província, segue para Coimbra a expensas de sua madrasta. Foram momentos difíceis e amargurados ali vividos, conforme relatou em carta ao seu amigo Carvalho Leal. É dessa época o poema Canção do Exílio, datado de julho de 1843, quando ele tinha somente 20 anos.  Em 1845 retorna a Caxias já formado em Direito, mas não se adapta ao torrão natal. Após um ano de incompreensões e calúnia por conta “de seus modos galantes aprendidos na Europa”, segue para o Rio, em 1846, quando publica o seu primeiro livro de versos, sob o título de Primeiros Cantos. Contava ele com 23 anos de idade. Em seu prólogo fala criticamente sobre suas próprias composições ao afirmar que elas “não têm uma unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas – debaixo de céu diverso – e sob a influência de impressões momentâneas. Foram compostas nas margens viçosas do Mondego e nos píncaros enegrecidos do Gerez – no Doiro e no Tejo – sobre vagas do Atlântico, e nas florestas virgens da América. Escrevi-as para mim, e não para os outros; contentar-me-ei, se agradarem; e se não…é sempre certo que tive prazer de as ter composto.”

Com essa obra se patenteia e se consolida o Romantismo Brasileiro. Em artigo publicado na Revista Universal Lisbonense, de novembro de 1847, sob o título “Futuro Literário de Portugal e do Brasil”, Alexandre Herculano assim se referiu à aparição desse livro:

“Os Primeiros Cantos são um belo livro: são inspirações de um grande poeta. A terra de Santa Cruz que já conta outros no seu seio, pôde abençoar mais um ilustre filho. O autor, não o conhecemos: mas deve ser muito jovem. Tem os defeitos do escritor ainda pouco amestrado pela experiência; imperfeições de língua, de metrificação, de estilo. Que importa? O tempo apagará essas máculas; e ficarão as nobres aspirações estampadas nas páginas deste formoso livro”.

Após copiar três poesias do livro: O canto do guerreiro, O morro do Alecrim e Seus olhos, Herculano termina o seu artigo fazendo estas considerações: “Se estas poucas linhas, escritas de abundância de coração, passarem os mares, recolha o autor dos Primeiros Cantos o testemunho sincero da simpatia, que a leitura do seu livro arrancou a um homem que não o conhece, que provavelmente não o conhecerá nunca, e que não costuma nem dirigir aos outros elogios encomendados, nem pedi-los para si.”

Nomeado para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros, permaneceu na Europa de 1854 a 1858, em missão oficial de estudos e pesquisa. Nesse período, na Alemanha, o livreiro-editor Brockhaus editou os Cantos[1], os primeiros quatro cantos de Os Timbiras, compostos dez anos antes, e o Dicionário da língua Tupi. De retorno ao Brasil, entre 1861 e 1862, viajou pela Amazônia, pelos rios Madeira e Negro, como membro da Comissão Científica de Exploração. Voltou ao Rio de Janeiro em 1862, seguindo logo para a Europa, em tratamento de saúde, buscando estações de cura em várias cidades europeias.

O seu retorno à Pátria, já com a saúde bastante abalada, se dá em 10 de setembro 1864, aos 41 anos de idade, quando embarca de regresso ao Maranhão no navio Ville de Boulogne. O embarque se deu em Havre, uma cidade portuária da Alta Normandia, à noroeste da França, situada no estuário do rio Sena. Foram quase dois meses de viagem até o célebre naufrágio nos baixios dos Atins, perto da Vila de Guimarães, na costa maranhense, em 3 de novembro do mesmo ano, fendendo-se ao meio a embarcação. Para uns, a exemplo da notícia que à época saiu no Correio Mercantil do Rio de Janeiro, a tripulação o abandonou, deixando-o cerrado em seu camarote onde estava sem forças para levantar-se; em outra notícia estampada no Jornal do Recife, dá-se conta que um mastro da embarcação teria caído sobre o camarote onde repousava o seu debilitado e enfermo corpo; há, ainda, uma terceira versão, que teria sido passada pelos tripulantes, qual seja, a de que Gonçalves Dias faleceu no instante em que o navio encalhou nos baixios dos Atins… “A bela alma do poeta”, escreveu o cônego Fernandes Pinheiro no ano de 1870, seis anos depois da sua morte, – “espelha-se em seus inspirados versos…como os peixes nadam, os pássaros voam, os animais andam ou correm, assim poetava Gonçalves Dias, satisfazendo a uma imperiosa necessidade de seu organismo”.

Pátria, mulher e natureza foram os elementos constantes e sublimados na obra poética do genial vate maranhense, conforme anotou em acurada análise crítica Maria Antonieta Vilela Raymundo. Inquestionavelmente, foi ele o nosso primeiro poeta lírico, tendo estabelecido os fundamentos de uma poesia brasileira ao romper com os padrões da arcádia lusitana até então vigentes no país. E ao nosso poeta maior, como patrono oficial da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política, prestamos hoje, no dia do seu nascimento, e com essas simples palavras, o preito de uma imorredoura gratidão.

 Salve 10 de agosto! Salve Antônio Gonçalves Dias!

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Sergio Tamer é presidente em exercício da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política – AMCJSP

[1] Adquiridos em alfarrabistas, alguns desses exemplares nos foram doados por professores portugueses, hoje pertencentes à biblioteca da SVT Faculdade, onde foi criada a Cátedra Gonçalves Dias pelo professor João Batista Ericeira, sendo seu atual coordenador o professor Rossini Corrêa. Nesse sentido, muito agradecemos aos professores da cidade do Porto, Ana Cláudia Campina e Carlos Rodrigues, os quais integram a Cátedra Gonçalves Dias da SVT Faculdade de Ensino Superior.