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Juizados especiais, rescisória e a coisa julgada inconstitucional: o Supremo e a liminar da ADPF 615/DF

“A coisa julgada nos Juizados, portanto, atinge uma imutabilidade “mais rígida” do que a vista no procedimento comum, pois carece do meio processual idôneo para sua desconstituição. Mas e a chamada coisa julgada inconstitucional? Aquela que se forma sobre lei ou dispositivo de lei sobre o qual recai posterior declaração de inconstitucionalidade?!…”

Por Vinícius Marin Cancian 

A coisa julgada nos Juizados, portanto, atinge uma imutabilidade “mais rígida” do que a vista no procedimento comum, pois carece do meio processual idôneo para sua desconstituição.

Mas e a chamada coisa julgada inconstitucional? Aquela que se forma sobre lei ou dispositivo de lei sobre o qual recai posterior declaração de inconstitucionalidade.

A coisa julgada nos Juizados, portanto, atinge uma imutabilidade “mais rígida” do que a vista no procedimento comum, pois carece do meio processual idôneo para sua desconstituição.

Mas e a chamada coisa julgada inconstitucional? Aquela que se forma sobre lei ou dispositivo de lei sobre o qual recai posterior declaração de inconstitucionalidade.

O sistema dos Juizados Especiais vive uma realidade apartada daquela que estamos acostumados no processo comum. Os princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. , Lei 9099/1995) conferem aos Juizados contornos próprios, que regem as regras do procedimento sumaríssimo.

A concentração dos atos em uma única audiência e o não cabimento de recurso especial ao STJ (cabe apenas Recurso Extraordinário, ao STF, por violação à CF, conforme dispõe a súmula 203, do STJ) são expressões práticas desses princípios, aplicados às matérias processuais.

Nesta mesma linha, contudo, a celeridade e a simplicidade justificam o não cabimento de ação rescisória nos Juizados Especiais (art. 59, Lei 9.099/1995).

A coisa julgada nos Juizados, portanto, atinge uma imutabilidade “mais rígida” do que a vista no procedimento comum, pois carece do meio processual idôneo para sua desconstituição.

Mas e a chamada coisa julgada inconstitucional? Aquela que se forma sobre lei ou dispositivo de lei sobre o qual recai posterior declaração de inconstitucionalidade.

O tema é árido, e há profunda divergência sobre o valor que deve prevalecer: se a segurança jurídica da coisa julgada, que se formou à época em que a lei ainda era constitucional, ou a supremacia da Constitucional Federal, considerando-se insustentável que remanesça existindo e produzindo efeitos jurídicos o comando sentencial fundado em norma contrária à CF.

Tomadas de posição doutrinárias à parte, o CPC/2015, ao que parece, optou pelo segundo valor: a supremacia da Constituição Federal. Tanto é assim que os arts. 525, § 15 (cumprimento de sentença das obrigações de pagar quantia certa) e o 535, § 8º (cumprimento de sentença das obrigações de pagar quantia certa pela Fazenda Pública), dispõem que caberá ação rescisória quando houver coisa julgada fundada em norma posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesta mesma linha, nos arts. 525, § 12 e 535, § 5º, consideram-se inexequíveis os títulos judiciais cujas sentenças se fundam em normas inconstitucionais.

Com efeito, ainda que fundada em lei declarada inconstitucional, a coisa julgada formada nos Juizados Especiais não pode ser objeto de ação rescisória? A matéria foi objeto análise pelo Supremo.

Em recente decisão, o Ministro Roberto Barroso, no julgamento de liminar na ADPF 615, publicada em 04/09/2019, indicou ser cabível, no âmbito dos juizados especiais, ação rescisória quando a sentença fundar-se em lei que for posteriormente declarada inconstitucional.

O ministro relata que haveria, portanto, uma situação “excêntrica”. Admitir-se-ia a coisa julgada inconstitucional diante da proibição do art. 59 da Lei 9.099/1995, pois:

[…] uma sentença inconstitucional proferida por um Juizado Especial, em cognição sumária, torna-se imune à impugnação, enquanto sentenças proferidas pelos demais órgãos judiciais, em rito ordinário, podem ser rescindidas.

Destacamos o termo “cognição sumária”, pois aqui cabe um parêntesis.

Equivoca-se o ministro Barroso em considerar que a sentença dos juizados especiais não sejam proferidas em cognição exauriente. Em que pese haver no rito sumaríssimo simplicidade, celeridade e informalidade, a cognição que ali se forma não é sumária. Há no procedimento dos juizados o desenvolvimento completo do contraditório, com exaurimento dos fatos e provas alegadas. Mesmo que exista certa limitação horizontal na cognição do magistrado, pois algumas matérias, diante da sua complexidade, não tem espaço para ser desenvolvidas no rito sumaríssimo (e são remetidas ao rito comum, como as causas superiores a 40 salários mínimos), a cognição será exauriente. Aliás, se a cognição do rito dos juizados fosse sumária, sequer coisa julgada poderia ser formada nas ações processadas sob a Lei 9.099. As decisões ali seriam, dessa forma, todas provisórias.

Voltando à decisão liminar, o Ministro ainda considerou que a desconstituição de decisões judiciais inconstitucionais visa preservar a supremacia da Constituição, mais do que o interesse particular das partes, independentemente da espécie de procedimento que tenham sido exaradas.

Ainda que não seja possível extrair conclusões finais, pois o mérito da ADPF 615 não foi julgado, vez que a decisão do ministro Barroso é apenas uma liminar concessiva de efeito suspensivo (essa sim proferida em cognição sumária e, portanto, provisória), duas coisas nos parecem certas.

Primeiro, o Supremo sinaliza pelo cabimento de ação rescisória nos Juizados quando houver sentença fundada em norma declarada inconstitucional em controle concentrado ou difuso, por tribunal competente (como bem afirmado pelo Min. Barroso, não é apenas do Supremo a competência para declaração de inconstitucionalidade de lei, posto que o Tribunais de Justiça dos estados e do DF também podem exercer o controle de constitucionalidade de leis estaduais ou municipais diante das constituições dos estados, como é o caso tratado na ADPF).

Com efeito, o cabimento de ação rescisória nos Juizados seria medida excepcional.

Segundo, enquanto decorrência do primeiro, o art. 58 da Lei 9.099/1995 mantém sua constitucionalidade intacta, e sua norma proibitiva não será afastada do ordenamento jurídico.

De toda forma, a liminar da ADPF 615 talvez seja o indicativo de uma nova orientação (quiçá sumular) no Supremo Tribunal Federal: aplicam-se os arts. 525,§ 15 e 535§ 8º do CPC/2015 aos Juizados Especiais.

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Sobre o autor:

Vinícius Marin Cancian – Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Aluno especial do mestrado em Direito Negocial da UEL/PR. Especialista em Processo Civil pela Toledo de Presidente Prudente. Parecerista da CIDH. Professor assistente da FADISP (mestrado e graduação). Advogado no escritório Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica.