Mais de três anos depois de ser paralisado, o julgamento que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal poderá ser retomado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes liberou o caso para análise do plenário.
O caso, no entanto, depende do presidente do Supremo, Dias Toffoli, para ser incluído na pauta de votações. Após assumir o comando da Corte, o ministro mostrou resistência à retomada do julgamento e defendeu que a questão seja enfrentada pelo Congresso.
O julgamento foi interrompido em setembro de 2015, com o pedido de vista do ex-ministro Teori Zavascki, após três dos onze ministros votarem para derrubar a proibição de porte de maconha para consumo pessoal.
O relator do processo no STF, ministro Gilmar Mendes, e seus colegas Edson Fachin e Luis Roberto Barroso apresentaram razões factuais e jurídicas para justificar a inconstitucionalidade da criminalização do porte da droga.
Mendes votou para liberar o porte de todas as drogas para uso pessoal. Fachin e Barroso restringiram seus posicionamentos à maconha.
Fachin se pronunciou pela inconstitucionalidade da lei. As regras para as demais drogas, em sua visão, devem ser alvo de debate no Congresso Nacional.
Em seguida, o ministro Gilmar Mendes reviu seu voto de relator e retirou sanções administrativas para usuários, reiterando que o caso de descriminalização do porte de drogas foi o que mais o tocou em sua atuação no Supremo.
O Luis Roberto Barroso foi na mesma linha de Fachin. Para justificar a ação do Estado na linha da conscientização e não da criminalização, ele citou a queda no número de usuários de cigarro, ao mesmo tempo em que usuários de drogas vêm crescendo nos últimos anos.
O ministro apresentou três razões jurídicas para embasar seu voto: 1) Respeito à intimidade e vida privada, à privacidade; 2) Estado não pode interferir na esfera da liberdade individual, quando atos não violam direitos de terceiros; 3) Conduta que não extrapole âmbito individual não pode ser punida no direito penal.
Em seu voto, Fachin declarou que o Congresso deve estabelecer “quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante”. Enquanto o Congresso não aprovar uma legislação específica, os órgãos do Poder Executivo – Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (SENAD) e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) – devem em 90 dias estabelecer parâmetros provisórios.
Ainda no seu voto, Fachin manteve a tipificação criminal das condutas relacionadas à produção e à comercialização de maconha, mas declarou a inconstitucionalidade progressiva da tipificação. Também manteve a criminalização do porte de outras drogas. E, no caso concreto, Fachin votou por absolver – por atipicidade da conduta – o preso que foi flagrado com maconha dentro da cadeia e que é o paciente do processo.
Barroso também votou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e foi além: estabeleceu a quantidade de drogas que distingue o usuário do traficante (25 gramas) e estendeu a declaração de inconstitucionalidade à produção de maconha para consumo pessoal, limitado a seis plantas fêmeas, repetindo o modelo do Uruguai.
“Nós devemos à população pobre brasileira o estabelecimento de um critério mínimo ente consumo e tráfico”, disse. “O direito nunca deve ser lotérico. Saber se o jovem preso é usuário ou traficante não deve caber ao policial ou ao juiz”, acrescentou.
Ponderação
Os votos divergentes fizeram o ministro Gilmar Mendes, relator do processo, a defender novamente sua posição. E a contestar pontos dos votos de Fachin e Barroso.
O ministro Gilmar Mendes afirmou que a posição dos colegas agravará o estigma dos usuários de outras drogas, e citou especialmente o exemplo da Cracolândia, em São Paulo.
“Esse distinguishing (entre maconha e outras drogas) leva a projetar ainda mais essa discriminação”, afirmou o ministro. “Me parece que este discurso (de criminalização de outras drogas) é muito grave. Nós estamos lidando com um tema delicado”, disse. “Essa diferenciação entre as drogas continua a penalizar os usuários. O usuário de cocaína continua sendo criminalizado”, afirmou.
Mendes lembrou que o crack atinge as “camadas mais pobres” e que São Paulo chegou a estabelecer uma política extrema de internação compulsória.
Barroso admitiu que a mesma argumentação jurídica poderia ser usada para as outras drogas, mas ressaltou não ter segurança, neste momento, sobre os impactos reais de uma decisão que descriminalizasse o crack, por exemplo: “Eu tenho dúvidas sinceras e profundas sobre isso. Por isso apenas estou me reservando à descriminalização da maconha”.
Ainda faltam os votos de oito ministros, alguns dos quais votarão em sentido oposto: pela manutenção da criminalização do porte de drogas.
Fonte: REDAÇÃO JOTA – Brasília