“Precisamos identificar e tentar resolver nossos problemas comuns, apostando alto na regularização fundiária, tanto a rural quanto a urbana…”
Paulo Sérgio Velten Pereira é Desembargador Corregedor- Geral da Justiça do Maranhão, Presidente do Fórum Fundiário dos Corregedores-Gerais da Justiça do MATOPIBA
A região do MATOPIBA, acrônimo formado pelas siglas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, foi primeiramente reconhecida em decreto presidencial de 2015, compreendendo 337 municípios, distribuídos em 31 microrregiões, que juntas chegam a 73 milhões de hectares.
A produção dessa fronteira agrícola se destaca no cenário nacional pela grandiosa colheita de grãos, em especial soja, milho e algodão; uma safra que supera milhões de toneladas, algo em torno de 15 milhões de toneladas só de soja e milho, e se amplia a cada ano, equivalendo a cerca de 10% da produção brasileira, segundos dados do IBGE.
E ao lado dos grandes empreendimentos agropecuários também estão as comunidades tradicionais e os pequenos produtores rurais, mantendo sua dignidade e contribuindo com o desenvolvimento socioeconômico da região.
O que nos assemelha e nos aproxima é o nosso bioma, predominantemente cerrado; nosso clima, acentuadamente semiúmido; nossa topografia, essencialmente plana, e, também, os nossos graves problemas sociais, com destaque para os mais variegados conflitos de natureza fundiária, ainda mais agravados durante a atual pandemia.
E é nesse ponto, dos conflitos humanos, que avulta o papel do Poder Judiciário, materializado na atuação das corregedorias gerais da Justiça dos estados que integram a região, enquanto órgãos de controle encarregados de orientar, fiscalizar o funcionamento e disciplinar a atividade da magistratura de 1º grau, de seus servidores e delegatários do serviço extrajudicial.
Precisamos identificar e tentar resolver nossos problemas comuns, apostando alto na regularização fundiária, tanto a rural quanto a urbana. Para tanto, já dispomos de bons marcos legais, entre os quais a Lei 10.257/2001, que instituiu o Estatuto da Cidade, e a Lei 13.465/2017, a nossa lei fundiária.
A hora é de aplicarmos adequadamente essas normativas, seguirmos a tendência da desjudicialização de procedimentos, atuarmos preventivamente, de forma articulada com outros atores, como as agências internacionais, a exemplo da FAO, com os governos da união, estados e municípios, seus respectivos órgãos de regularização fundiária, além da sociedade civil organizada.
A partir dessas parcerias, e atuando mediante permanente cooperação, é que as nossas corregedorias farão da regularização fundiária na região do MATOPIBA uma realidade capaz de ir além das relevantes questões atinentes aos serviços cartorários, de torná- la um efetivo instrumento de atuação preventiva para promoção da cidadania, associando-a a outras políticas públicas garantidoras da prestação de serviços básicos e essenciais, acesso ao crédito e financiamento, redução da pobreza e da insegurança alimentar, combate à grilagem de terras e à violência de qualquer tipo – sobretudo a praticada contra comunidades tradicionais -, proteção
ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável, planejamento participativo, gestão democrática das cidades, redução do deficit habitacional, direito à moradia, melhoria do saneamento básico, infraestrutura e equipamentos urbanos etc.
Tudo isso poderá vir como consequência de um amplo e efetivo processo de regularização fundiária, destinado a sobrelevar a dignidade da pessoa humana, a função social da propriedade e das cidades, assim como a paz no campo, nos termos da lei e da Constituição.
Dispor sobre o plano de desenvolvimento agropecuário do MATOPIBA, a partir do reconhecimento da expansão agrícola da região, foi um passo importante dado pelo poder central. Mas sem que as instituições da Justiça operem de modo eficaz, o desenvolvimento almejado dificilmente virá para todos e de maneira sustentável. Necessitamos de mais Justiça para o MATOPIBA. Por isso, oportuna e louvável a iniciativa da criação e desenvolvimento desse fórum de debates.
Sobre a impossibilidade de desenvolvimento sem justiça, Daron Acemoglu e James Robinson, no best-seller “Por que as nações fracassam”, publicado no Brasil pela editora Elsevier, registram que, por mais que as instituições econômicas sejam fundamentais para determinar o grau de pobreza ou riqueza de determinado país, são suas instituições públicas, republicanas – entre as quais o Poder Judiciário -, que ditam quais instituições econômicas o país possuirá, sendo de vital importância nesse
aspecto a existência de instituições eficazes, capazes de assegurar direitos, como os de propriedade, segurança e desenvolvimento sustentável, tudo com justiça e paz social, tema da nossa Agenda Global 2030, incorporada ao Judiciário Nacional pelo CNJ.
Corregedores do MATOPIBA, não nos importemos com o tamanho e a complexidade da tarefa que temos pela frente, nem com a sensação de impotência que ela possa eventualmente gerar, máxime nesse momento de dificuldade adicional. Façamos simplesmente o nosso trabalho. Lideremos o esforço de regularização fundiária da melhor forma possível, com empenho e dedicação, no tempo que temos, sem esperar reconhecimento ou resultado imediato. O êxito e o valor do trabalho humanitário que hoje realizamos caberá às futuras gerações.
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