Por Carlos Reis, jornalista português.
Esta calamidade ocorrida no Brasil era infelizmente uma tragédia anunciada. Os políticos brasileiros têm uma relação distorcida com a História e a Cultura do seu país: mais do que elo de identidade e de unidade da nação brasileira é o terreno da disputa ideológica e do combate pelo Poder. Acresce que no Brasil os museus e o património não dão votos. Os políticos brasileiros simplesmente não querem saber disso para nada.
No Brasil tudo é o agora, o amanhã logo se vê, e o ontem só serve para justificar as asneiras de hoje.
Quando da implantação da República e da expulsão da família real brasileira os políticos republicanos não souberam muito bem como lidar com a herança esclarecida e europeia de D. Pedro II e da sua mãe D. Leopoldina e depois de terem instalado a Assembleia Nacional no velho Palácio Imperial de São Cristóvão (que hoje foi destruído) encaixaram lá o Museu Nacional, herdeiro do Museu Real fundado por D. João VI em 1818, e constituído no seu maior acervo pelas coleções reunidas por D. Pedro II.
Já no Século XX a República Velha terraplanou a maior parte do Rio de Janeiro, destruindo o Morro do Castelo, núcleo histórico primordial da fundação da Cidade e do poder colonial português, arrasado em 1922, em nome da modernidade, da “Ordem e Progresso”, num esforço “progressista” que pretendia virar a página dos tempos obscuros dos portugueses. Esta grande reforma urbanística do Rio de Janeiro, tal como a reforma de Pereira Passos na primeira década do Século XX, que destruiu os cortiços e empurrou os pobres para os altos onde surgiram depois as favelas, limitou-se a deitar abaixo, a destruir o passado, para erguer um Futuro prometido e virgem.
O próprio esforço de construção de uma nova Capital (Brasília) no Planalto Central durante o Século XX foi a resposta das elites brasileiras, complexadas e sedentas por legitimação, a um anseio de superação da história do Brasil.
O agora destruído Museu Nacional no Rio de Janeiro nunca teve o carinho das elites nem das anti-elites. O último Presidente brasileiro a visitar o Palácio de São Cristóvão foi Juscelino Kubitschek, há quase 60 anos.
Num país que tem uma esquerda para quem a Cultura é apenas performance e espetáculo, a expressão dos modismos e das tendências dos tempos que correm, e que desgraçadamente tem uma das direitas mais estúpidas e egoístas do Mundo, esta era pois uma estratégia anunciada.
Isso e 13 anos de lulopetismo onde se torraram literalmente toneladas de dinheiro em eventos como o Mundial e as Olimpíadas e outros elefantes brancos de concreto acrescentados destes 2 anos de profunda recessão e diluição do regime fizeram o resto.
Foi a chama no palheiro.
Outros incêndios (reais e metafóricos) se seguirão.