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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

O INQUÉRITO SÓ TERMINA QUANDO ACABAR…por Sergio Tamer

Após 5 anos de existência, o inquérito aberto por Dias Toffolli para “blindar” os ministros do STF passou por várias fases e agora aceita tudo o que Moraes entender como  “ameaça à democracia”…

Por Sergio Tamer

 

      Estamos nos referindo ao inquérito das “fake news”, que em bom português são as chamadas “notícias falsas”. O que há de novo na utilização desse expediente na política brasileira, além do termo em inglês, são os meios hoje utilizados, de propagação quase instantânea e de abrangência nacional. No mais, tudo como dantes…, mas o que está a causar estupefação no meio jurídico é o inquérito instalado de ofício (sem solicitação do Ministério Público), há 5 anos pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, com o objetivo de investigar “a existência de ameaças e denunciações caluniosas, difamantes e injuriantes que atingem a honra e a segurança dos membros da corte e de seus familiares”. Naquele momento, os alvos do inquérito aberto, e talvez a sua motivação principal, foram os procuradores da força-tarefa da Laja Jato em Curitiba que, segundo o entendimento que havia, teriam “incentivado a população a ficar contra decisões do Supremo, como Deltan Dallagnol e Diogo Castor”. Argumentava-se, ainda, que “milícias digitais” estavam atacando virulentamente o STF e seus membros o que teria ensejado uma interpretação alargada do Regimento Interno da corte e, via de consequência, as suas inomináveis distorções. O escolhido diretamente por Toffoli para essa missão, dispensado o sorteio, foi o ministro Alexandre de Moraes.

      Muitos juristas se manifestaram na ocasião sob o prisma de que o Supremo não deveria fazer a própria investigação, mas sim requisitar que os órgãos encarregados desse procedimento, como a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, pudessem fazê-la. Afinal, investigar, acusar e julgar tudo dentro de um mesmo órgão não se coaduna com o Estado Democrático de Direito. A OAB, registre-se, presidida por Felipe Santa Cruz (2019-2022), emitiu nota em apoio à decisão do ministro Toffoli. O ano de 2019 – berço do inquérito das fake news pelo Supremo, foi mesmo um ano atípico até mesmo para os padrões da política brasileira: tivemos procurador-geral da República revelando que planejou matar um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); ex-presidente preso, ex-presidente solto e o então presidente, sempre muito arreliado, chegou em ritmo acelerado e aloprado – tendo comprado briga até com astros de cinema…

      O tom de confrontação, inicialmente entre lavajatistas e o STF, logo transmudou-

-se para bolsonaristas x STF. E conforme o andar da carruagem, tudo passou a cair na rede montada pelo STF, sempre sob os ditames plenipotenciários do ministro Alexandre de Moraes. Assim, a intentona de 8 de janeiro e tudo mais que passasse a ser, ainda que meramente de raspão, uma “ameaça à democracia”, logo entrava no inquérito aberto em 2019 pelo STF. Nessa rede de malha fina caiu até o X, do bilionário Elon Musk. E assim, em nome da “democracia” o inquérito comandado por Moraes vai colecionando, e justificando, as mais esdrúxulas situações.

      Mas, ao completar 5 anos de perturbadora existência, esse meta inquérito vai muito além de um tempo razoável, exatamente por ampliar em demasia o seu foco de ação, agora empunhando a bandeira genérica e vaga da democracia. Estudos recentes, inclusive apresentado em sessão do STJ pelo ministro Rogerio Schietti, nos dão conta de que, com suporte nas legislações portuguesa, italiana e chilena, “os códigos mais modernos costumam prever um prazo máximo de duração das investigações – em torno de 2 anos – ao cabo do qual deverá o Ministério Público oferecer a denúncia ou promover o arquivamento do inquérito”.[1]

      O PL do Senado 119, de 2017, inspirado em anteprojeto sugerido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, e que fora arquivado por inércia na tramitação, previa o prazo máximo de 720 (setecentos e vinte) dias para o decurso do inquérito, prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias, em razão da complexidade da investigação, e verificado empenho da autoridade policial. Não seria o momento de ser retomada essa proposta?

      Questionado sobre o tema, em entrevista à Folha em dezembro de 2023, Moraes se limitou a responder, com aquele seu ar elevado de demiurgo: “ele vai ser concluído quando terminar”…nessa toada, os fins passaram a justificar os meios e, por mais paradoxal que isso possa ser, tudo agora se justifica e se faz em “defesa da democracia brasileira” …

Sergio Tamer é professor e advogado, autor de obras jurídicas, e presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP.

[1] https://www.migalhas.com.br/depeso/338769/a-razoavel-duracao-do-inquerito-policial