“Como podemos destruir nossos códigos ao ver uma decisão do STJ permitindo que o livre convencimento do magistrado seja reestabelecido no mundo jurídico?”
Alexandre José Trovão Brito é Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão. Advogado em São Luís (MA).
Há muito tempo que nessas terras brasileiras iniciamos um processo de fragilização do Direito. O mesmo se encontra em erosão epistemológica e o cenário que se avizinha não parece ser um dos mais promissores. Apostamos muito no realismo jurídico e deixamos de lado a doutrina, aquela fonte do direito que emana da opinião dos estudiosos.
Os juízes decidem como querem e contra querem. Onde está a accountability? Cadê a prestação de contas dos nossos operadores do Direito? Em uma democracia plena cada pessoa responde pelos seus atos ou por suas omissões. Por que no Brasil não assistimos isso acontecer?
A nossa derrocada começou quando o voluntarismo ganhou adeptos e mais adeptos e conquistou parte do público que, sem nenhum tipo de reflexão ou questionamento, foi levado a acreditar que esse movimento seria a grande solução para casos jurídicos concretos.
Há dias em que o texto é tudo, há dias em que ele é nada. Construímos uma espécie de interpretação ad hoc. Mas isso é não é uma armadilha? Como fazer e aplicar o Direito se não formos aplica-lo com coerência e integridade, elementos esses que se encontram positivados no artigo 926 do CPC/2015?
Outra marca da fragilização do Direito que é possível apontar é a standirzação do ensino jurídico no Brasil, o qual foi relegado a concursos públicos. Partimos do pressuposto que o Direito deve ser ensinado aos alunos a partir de uma perspectiva concurseira e não acadêmica. Esquecemos os clássicos. Esquecemos Cesare Beccaria, Rudolf Von Ihering e quetais.
Estamos implodindo nosso instrumental de trabalho. Como podemos destruir nossos códigos ao ver uma decisão do STJ permitindo que o livre convencimento do magistrado seja reestabelecido no mundo jurídico?[1] E qual o resultado disso? Uma ofensa alarmante ao Artigo 489 do CPC/2015, qual seja, o dever de fundamentar as decisões judiciais.
A comunidade jurídica tem conhecimento e não se manifesta sobre isso. Alguns assistem atônitos, outros assumem uma postura inerte e há os que ecoam seus gritos de insatisfação como o escriba que vos fala. Devemos agir, devemos ter a coragem para denunciar que o rei está nu, mesmo que isso afete ou desagrade certos setores da racionalidade jurídica.
O establishment jurídico tem parcela de culpa nesse processo de fragilização do Direito, nesses tempos de verdades transitórias e de Fake News. O que foi feito? Alguém denunciou a nudez do rei? Devemos prezar pelo cumprimento das leis e da constituição, pois temos um norte com elas, temos uma direção e esse é um princípio para se chegar ao lugar almejado.
Devemos resgatar os clássicos, crias leis com mais técnica legislativa, levar mais a sério as decisões judiciais, abandonarmos o ativismo judicial e apostar mais na doutrina, essa fonte responsável por iluminar os rumos do Direito. Esses são os caminhos a serem percorridos.
Ainda há tempo de superar esse estado de coisas ou estamos tratando de algo incontornável e imutável? Devemos ter mais zelo com o Direito, pois este é condição de possibilidade da Democracia. Devemos ter mais lhaneza com o ensino jurídico, pois este é condição de possibilidade para a formação e humanização de nossos futuros juristas e operadores do Direito.
[1] STRECK, Lenio Luiz. Contra claro texto do CPC, STJ reafirma o livre convencimento. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-set-26/senso-incomum-claro-texto-cpc-stj-reafirma-livre-convencimento>. Acesso em: 22 out. 2019.