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O STF deve ter mais zelo pela Constituição: o caso do inquérito 4.781 – Por Alexandre José Trovão Brito

“O controle das decisões judiciais, certamente, servirá para o combate do ativismo e da discricionariedade judicial, reforçando, desse modo a autonomia que o Direito tem que ter e como via de consequência, as próprias bases da democracia constitucional.”

Por Alexandre José Trovão Brito

Um episódio que me fez escrever esse artigo faz parte da polêmica que ocorreu recentemente no STF. Em face da notícia de eventuais fake news e ataques a Suprema Corte, o ministro Dias Tofolli determinou a instauração da investigação para apurar possíveis crimes por meio da Portaria 69 de 14.03.2019. Designou o ministro Alexandre de Moraes como autoridade investigadora do inquérito 4.781. O ministro de ofício inicia a investigação sem a provocação de autoridade policial ou do órgão ministerial.[1]

Depois das diligências (busca e apreensão, ordens contra sites etc), Raquel Dodge, procuradora-geral da República se manifesta no sentido de arquivar o inquérito 4.781 por desrespeito ao princípio acusatório, juiz natural, dente outros. O relator indeferiu o pedido da PGR argumentando que foi genérico e que o STF congrega competência para tal.[2]

Cabe destacar que nosso atual modelo de processo penal adotado no Brasil é o acusatório e com base nisso, nossos juízes não podem realizar investigações. Cabe destacar que o STF já havia deixado bem claro na ADI 1.570 que o juiz não pode investigar crimes, ao declarar a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 9.094/95 (antiga lei do crime organizado). Em síntese, na ADI o Supremo retirou o poder investigatório dos juízes.[3]

É preciso controlar a caneta dos juízes e suas razões de decidir, pois elas nem sempre estão em conformidade com o Direito. O controle das decisões judiciais, certamente, servirá para o combate do ativismo e da discricionariedade judicial, reforçando, desse modo a autonomia que o Direito tem que ter e como via de consequência, as próprias bases da democracia constitucional.[4]

Voltando ao sistema acusatório, vale lembrar que cada ator da persecução criminal tem suas funções constitucionalmente delimitadas. Ao MP cabe o dever de acusar, a autoridade policial tem o papel de investigar as infrações penais e ao Poder Judiciário compete julgar e ponto. Os fins não justificam os meios. Se o STF quer assumir uma investigação, que não o faça, pois o Direito vale contra tudo e contra todos, inclusive contra o próprio STF.

As leis e a Constituição devem ser tidas como veículos indispensáveis para o mundo jurídico. Devem nortear o atuar e o pensar dos operadores do direito. Mas acima de tudo, devem ser seguidas integralmente pela comunidade de juristas, pois os mesmos não podem esquecer que são elas as suas principais ferramentas de trabalho. Alguém já viu um médico esquecer o bisturi na hora de uma cirurgia ou um marceneiro esquecer o serrote no momento de fabricar um móvel?

De há muito a legalidade foi eclipsada no Brasil.  A partir do momento em que vemos diariamente nos jornais que prisões preventivas se prolongam no tempo, editais (que representam a lei interna das licitações) são fabricados por comissões de licitações e magistrados vendem sentenças, esse estado de coisas é sinal que a crise jurídica já se instalou com toda força em terrae brasilis.

O Brasil é um país de modernidade tardia. As promessas de igualdade e liberdade elaboradas no século das luzes (Iluminismo) não se realizaram e por causa disso temos um déficit de Constituição material. É aí que entra em cena o papel do Estado em ser o guardião dessas promessas e operar no sentido de fazer valer as disposições contidas em nossa lei maior.

Contudo, para que se possa fazer valer as normas legais e a Constituição, além do Estado, outro (s) importante (s) agente (s) deve (m) invadir o palco e assumir a posição de garantes da Carta Magna: nossos juízes, desembargadores, ministros, promotores, procuradores de justiça, delegados, advogados, ou seja, a comum-unidade de juristas responsáveis pela materialização das normas infraconstitucionais e constitucionais.

Eis o que eu chamo de rigidez constitucional, isto é, ser rígido no cumprimento dos comandos emanados da Carta Política de 88. Se fizemos um pacto no final dos anos 80, que ele seja cumprido e seja respeitado, pois os pactos valem, o Direito vale. A democracia vale. O que não podemos cair é no vale-tudo que se instaurou.

Isso não sou só eu quem diz, não sou voz solitária nem estou pregando no deserto. Há toda uma construção doutrinária acerca do tema, há decisões judiciais, há hermeneutas que pensam assim e eu como advogado também sou filiado a essa linha legalista, pois nossa salvação começa e termina no cumprimento da lei e da Constituição, nossas ferramentas de trabalho enquanto juristas.

Alexandre José Trovão Brito é Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão. Advogado em São Luís (MA).

 

[1] LOPES JR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Entenda a semana do Supremo e sua investigação de ofício. Conjur, abr. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-19/entenda-semana-supremo-investigacao-oficio>. Acesso em: 20 abr. 2019.

[2] LOPES JR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Entenda a semana do Supremo e sua investigação de ofício. Conjur, abr. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-19/entenda-semana-supremo-investigacao-oficio>. Acesso em: 20 abr. 2019.

[3] STRECK, Lenio Luiz. O caso do STF e as fake news: por que temos de ser ortodoxos! Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-18/senso-incomum-stf-fake-news-temos-ortodoxos>. Acesso em: 20 abr. 2019.

[4] TRINDADE, André Karam. Hermenêutica e jurisprudência: o controle das decisões judiciais e a revolução copernicana no Direito processual brasileiro. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), 7 (3), p. 243-252. set./dez. 2015.