CECGP

Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

OBEDIÊNCIA AO MODELO ACUSATÓRIO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO PENAL PARA A CONSTRUÇÃO DE PROVIMENTOS JURISDICIONAIS PENAIS LEGÍTIMOS

GRAZIELLE BARBOSA VIEIRA CRUZ

Graduada em Direito pela UNICEUMA e especialista em Ciências Criminais pela PUC Minas e Mestranda em Ciências Jurídico Políticas (Direito Público) pela Universidade Portucalense.

RESUMO

Todo o presente trabalho desenvolver-se-á sob o reconhecimento de três premissas fundamentais para a obtenção de um processo penal democrático: legitimidade adquirida a partir da obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal que implica na concessão plena dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial – co-dependentes, indissociáveis e conexos – que compõem a sua base principiológica uníssona durante todo o iter procedimental para a construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos; participação efetiva das partes, em que o contraditório não se limita ao dizer e contradizer – contraditório estático –, mas se baseia em um diálogo permanente desenvolvido entre os sujeitos processuais em posição de igualdade e em simétrica paridade de armas entre as partes em que figuram como co-construtoras, corresponsáveis, juntamente com o juiz, da construção dos provimentos jurisdicionais penais; conscientização, na medida em que, para que haja a construção da legitimidade dos provimentos jurisdicionais penais na construção do Estado Democrático de Direito e efetiva participação das partes no processo penal, se faz necessário, de antemão, que a “comunidade jurídica”, em particular, tenha rompido com quaisquer entendimentos pertencentes ao ciclo inquisitório e seus paradigmas autoritários-totalitários-absolutistas adotado pelo Código de Processo Penal, o qual vai de encontro às razões de ser democráticas, e exerça cada vez mais em suas práticas e cotidianos forenses a opção pela prevalência do ciclo acusatório adotado implicitamente pela Constituição Federal, o qual promulga pela proteção e garantia dos direitos fundamentais inerentes a todos sem distinção. Palavras-chave: Legitimidade; Participação; Conscientização; Provimentos Jurisdicionais; Processo Penal; Acusatório.

ABSTRACT

All this work develop will be under the recognition of three basic premises for obtaining a democratic criminal procedure: legitimacy gained from the obedience to the Model Constitutional Accusatory of Criminal Procedure which implies the full concession of constitutional principles of adversarial, of wide argument, the decisions reasons and impartial third party - co-dependent, indivisible and related - that make up its principled unison basis throughout the inner procedural to build legitimate criminal court provisionses; effective participation of the parties, where the adversarial not limited to say and contradict - static contradictory - but is based on an ongoing dialogue developed between procedural subjects on an equal footing and symmetric parity of arms between the parties in listed as co-builders, co-responsible, together with the judge, the construction of the criminal court provisionses; awareness, in that, so there is the construction of the legitimacy of the criminal court provisionses in building the democratic rule of law and effective participation of the parties in criminal procedure, it is necessary, beforehand, that the "legal community", in particular, has broken with any understandings pertaining to the inquisitorial cycle and its authoritarian-totalitarian-absolutist paradigms adopted by the Code of Criminal Procedure, which goes against the reasons to be democratic, and engaged increasingly in their forensic practices and everyday the choice of prevalence accusatory cycle implicitly adopted by the Federal Constitution, which promulgates the protection and guarantee of fundamental rights inherent to all without distinction. Keywords: Legitimacy; Participation; Awareness; Court Provisionses; Criminal Procedure; Accusatory.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa demonstrar que em tempos pós-constitucionalistas imbuídos de reflexões acerca da evolução jurídica rumo à humanização universal do Direito, em especial, do Direito Penal e Processual Penal, o Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal deve obrigatoriamente ser obedecido, pois é o único modelo compatível com os paradigmas democráticos que tem em sua essência, a proteção e garantia efetiva dos direitos fundamentais inerentes ao homem. Segundo Galuppo “Os Direitos Fundamentais são os direitos que os cidadãos precisam reciprocamente reconhecer uns aos outros, em dado momento histórico, se quiserem que o direito por eles produzidos seja legítimo, ou seja, democrático. Ao afirmarmos tratar-se dos direitos que os cidadãos precisam reconhecer uns aos outros, e não que o Estado precisa lhes atribuir, tocamos no próprio núcleo do Estado Democrático de Direito, que, ao contrário do Estado Liberal e do Estado Social, não possui uma regra pronta e acabada para a legitimidade de suas normas, mas reconhece que a democracia é não um estado, mas um processo que só ocorre pela interpretação entre a autonomia privada e a autonomia pública que se manifesta na sociedade civil, guardiã de sua legitimidade”. Para tanto, o Modelo Acusatório adotado implicitamente pela Constituição Federal, ao estabelecer uma base principiológica uníssona constituída pelos princípios do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial, determina um caminho legítimo de processo penal – devido processo penal constitucional – a ser percorrido, devendo ser respeitados e garantidos todos os referidos princípios constitucionais, uma vez que se constata a interdependência entre os mesmos e a necessidade de coexistirem para a construção de um processo penal democrático, entendido como instituição constitucionalizada, e, acima de tudo, para a geração de provimentos jurisdicionais penais legítimos contemplados pelo Estado Democrático de Direito.

Almeida afirma que “A observância do devido processo legal e o exercício, em simétrica paridade, do contraditório e da ampla defesa são assegurados como caminhos para atingir a verdade e a realização da justiça no caso concreto, sendo esta, inclusive, uma exigência do inciso I do art. 3º da Constituição Federal, que impõe a realização da justiça nas relações sociais”. Assim, na construção do Estado Democrático de Direito a obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal consiste na concessão plena dos princípios constitucionais – do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial – que compõem a sua base principiológica uníssona, sendo o processo penal acusatório, aquele compreendido a partir da participação efetiva das partes em simétrica paridade de armas na construção dos provimentos jurisdicionais penais através de um diálogo permanente entre os sujeitos processuais em igualdade de oportunidades, e, não, por meio de um monólogo protagonizado pelo julgador, mas permitindo-se um modelo comparticipativo e policêntrico, em que retira-se o juiz do centro do palco processual e recoloca-o na posição de colaborador da democracia na medida em que reconhece o seu papel de garantidor dos direitos fundamentais, não devendo, produzir provas de ofício (gestão da prova), mas se manter imparcial, fundamentando racionalmente as suas decisões com base nos argumentos trazidos pelas partes ao processo, respeitando as limitações legais e entendendo, no exercício do seu poder de julgar, que o titular do poder é o povo – princípio constitucional da soberania popular – para a efetiva construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos.

Oliveira salienta que “No quadro do exercício do Poder Jurisdicional, o Direito realiza sua pretensão de legitimidade e de certeza da decisão através, por um lado, da reconstrução argumentativa no processo da situação de aplicação, e, por outro, da determinação argumentativa de qual, entre as normas jurídicas válidas, é a que deve ser aplicada, em razão de sua adequação, ao caso concreto. Mas não só por isso. A argumentação jurídica através da qual se dá a reconstrução do caso concreto e a determinação da norma jurídica adequada está submetida à garantia processual de participação em contraditório dos destinatários do provimento jurisdicional. O contraditório é uma das garantias centrais do discurso de aplicação jurídica institucional e é condição de aceitabilidade racional do processo jurisdicional”. A não obediência a pelo menos um dos princípios constitucionais que constituem o esquema geral de processo, quais sejam: do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial comprometerá a legitimidade processual, acarretando em provimentos jurisdicionais penais ilegítimos, antidemocráticos, inconstitucionais, incompatíveis com um Estado Democrático de Direito. Flaviane Barros vem dizer que “Nesse modelo, cada princípio que constitui a base principiológica uníssona guarda singular dependência e conexão com os demais princípios. Logo, a violação ou inobservância de um desses princípios, significa o desrespeito aos demais”. É importante ressaltar que para a construção de um processo penal democrático devem ser observadas em sua plenitude não somente as garantias constitucionais do Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal que se fundamenta em uma base principiológica uníssona – contraditório, ampla argumentação, fundamentação das decisões e terceiro imparcial –, como devem ser assegurados, no ambiente processual, todo e qualquer princípio constitucional pertencente a um Estado Democrático de Direito, respeitando-se sempre o princípio constitucional da Presunção de Inocência que prima pela liberdade como direito fundamental perquirido por um Direito Penal Democrático.

Para Barros, “portanto, o processo penal como microssistema que é, além de se adequar aos princípios constitucionais de uma base principiológica uníssona, deve levar em conta a presunção de inocência e a garantia das liberdades constitucionais do cidadão, previstas no art. 5º da Constituição da República de 1988. Logo, deve-se pensar o processo penal não só o conformando aos princípios do contraditório, ampla argumentação, fundamentação das decisões e terceiro imparcial, de uma forma geral, mas o especializando através da presunção de inocência e as garantias de liberdades individuais do cidadão. Isto porque, como o processo é garantia constitutiva dos direitos fundamentais, no processo penal, ele se coloca como garantia do direito fundamental de liberdade do cidadão”. Concluir-se-á o presente trabalho destacando a necessidade urgente da quebra do ciclo inquisitório e de seus paradigmas autoritários-totalitários-absolutistas, alheios ao interesse democrático, e que isso somente será possível, através da conscientização jurídica e social acerca da necessária democratização do processo, procedimento e provimentos jurisdicionais penais proveniente da obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal e consequente concessão plena dos princípios constitucionais que fundamentam a sua base principiológica uníssona – do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial –, apta a proporcionar essenciais mudanças de comportamento que deverão ser exercitadas nas práticas e cotidianos forenses da “Comunidade Jurídica Constitucionalizada”, condizentes com o neoconstitucionalismo e neoprocessualismo contemporâneos para a construção da legitimidade processual, a qual ensejará na construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos a partir da garantia constitutiva dos direitos fundamentais os quais deverão encontrar no pronunciamento do juiz, a sua âncora.

2. MELHOR DEFINIÇÃO DE PROCESSO

O exercício constante de releitura da legislação infraconstitucional à luz dos princípios constitucionais que regem a Constituição Federal assim como a revisitação crítica e reflexiva da teoria do processo como relação jurídica em que o processo se resume a uma perspectiva centralizadora do juiz em relação às partes, e em que os provimentos jurisdicionais penais se encontram exclusivamente nas mãos do juiz, para passar a ser entendido como garantia efetiva de direitos fundamentais, em que a construção dos provimentos jurisdicionais penais dar-se-á a partir do diálogo desenvolvido ao longo do processo em igualdade entre os sujeitos processuais, oriundos da lógica do fenômeno de constitucionalização do Direito Penal e Processual Penal em que vivencia os “tempos pós-constitucionalistas”, mostram-se imprescindíveis para a necessária democratização do processo, do procedimento – devido processo penal constitucional – e dos provimentos jurisdicionais penais, fundamentais em um Estado Democrático de Direito, que busca na construção do processo penal democrático, a legitimidade dos provimentos jurisdicionais penais a partir da obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal e, consequentemente, a concessão da plenitude dos princípios que o compõem. Pensando e agindo assim, chegaremos à melhor definição de processo, isto é, àquela que se adequa às exigências dos paradigmas democráticos, que tem na Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório de Elio Fazzalari, na Teoria Constitucionalista e na Teoria Neo-Institucionalista do processo de Rosemiro Pereira Leal, a sua razão de ser.

Logo, ter-se-á que processo é uma “instituição constitucionalizada em que o processo só pode existir em um Estado Democrático de Direito, através de sua institucionalização no texto constitucional, protetora dos princípios do contraditório, ampla defesa, isonomia, direito ao advogado e livre acesso à jurisdicionalidade”; uma “metodologia de garantia dos direitos fundamentais” (BARACHO, 1997, p. 105-123) que permite um modelo comparticipativo e policêntrico com o objetivo de legitimação da jurisdição por meio da soberania popular democrática em prol da construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos, garantidos através da obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal a qual consiste na concessão plena dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial, caracterizados como indissociáveis e co-dependentes que constituem a sua base principiológica uníssona, para a efetividade de um devido processo penal constitucional condizente com o neoconstitucionalismo e neoprocessualismo contemporâneos.

Baracho“[...] o processo, como garantia constitucional, consolida-se nas constituições do século XX, através da consagração de princípios de direito processual, com o reconhecimento e a enumeração de direitos da pessoa humana, sendo que esses se consolidam pelas garantias que os torna efetivos e exequíveis”. (BARACHO, 1999, p. 90) Permitir-se entender o processo dessa forma, é romper com a Teoria do Processo como Relação Jurídica entre o juiz e as partes ou Teoria Instrumentalista do Processo e com o modelo inquisitório de processo penal proposto pelo Código de Processo Penal, incompatíveis com os paradigmas de um Estado Democrático de Direito, em que “tal teoria sustenta-se na noção de direito subjetivo, como poder de alguém sobre a conduta de outrem, que portanto somente pode se caracterizar pela posição do juiz de “poder-dever” e das partes como sujeição. Logo, o vínculo subjetivo entre os sujeitos do processo, que justifica o processo desde Bülow(1868), se faz por meio da subordinação das partes ao juiz, que se coloca como super-parte da relação jurídica”. Assim, “O papel do juiz como “super-parte” e a relação jurídica entre o sujeito ativo e o sujeito passivo no processo foram importados ao instrumentalismo processual de Dinamarco em que o processo era definido como um instrumento da jurisdição que tinha como objetivo realizar os escopos metajurídicos e a pacificação social”.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho aponta que a marca característica do sistema inquisitório remete à extrema concentração de poder nas mãos do juiz, que, no sistema inquisitório, em primeiro lugar, recolhe a prova e/ou determina sua produção, sendo o acusado mero objeto de investigação cuja prisão figura como regra. “Dessa forma, o principio inquisitório concentra nas mãos do juiz todo o conhecimento adquirido na investigação, sendo que o julgador acumula as funções de acusar, defender e de julgar. O procedimento inquisitório acaba por excluir as partes, proporcionando que o juiz, de modo solitário, construa todo o saber que será, ao final, anunciado como a verdade real”. Nessa perspectiva antidemocrática e inconstitucional, o processo penal e a consequente geração dos provimentos jurisdicionais penais dar-se-ão sob o olhar exclusivo do juiz – solipsismo judicial –, excluindo a participação das partes na construção das decisões judiciais penais. Tal entendimento não se faz possível na busca por um processo penal democrático que encontra na Constituição Federal o seu amparo.

Portanto, pensar o processo enquanto concentração política e como elemento de violação de direitos fundamentais pertencentes à visão do processo como relação jurídica e ao modelo inquisitório de processo penal proposto pelo Código de Processo Penal é ir de encontro à visão de processo como instituição constitucionalizada e legitimadora dos direitos fundamentais inerentes ao homem pertencentes ao modelo acusatório de processo penal proposto implicitamente pela Constituição Federal. “ [...] falam que o processo é instrumento da jurisdição, sem observarem que a jurisdição hoje é função fundamental do Estado e este só se legitima, em sua atividade jurisdicional, pelo processo. É, portanto, o processo validador e disciplinador da jurisdição e não instrumento desta”.

3. MODELO ACUSATÓRIO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO PENAL

A percepção de que a teoria do processo como relação jurídica e seus escopos metajurídicos não seriam compatíveis com a Democracia, são primeiramente apresentados no Brasil por Gonçalves (1992), utilizando-se da teoria do processo como procedimento realizado em contraditório, formulada por Fazzalari (1992) (BARROS, 2008, p. 131-148). O autor italiano distinguiu o processo do procedimento em que este é o gênero daquele que é espécie os quais se entrelaçam para a concretude do mesmo interesse democrático, ou seja, ambos se reconhecem em virtude do cumprimento ao princípio do contraditório como gestor de uma decisão judicial bem fundamentada. Assim, o contraditório será a possibilidade de desenvolver um debate endoprocessual em simétrica paridade de armas entre as partes e em igualdade de oportunidades entre os sujeitos processuais para a construção comparticipada dos provimentos jurisdicionais penais. Segundo Barros “Além de permitir a compreensão do processo para além do processo jurisdicional, pois não mais se liga à existência de um vínculo subjetivo entre o juiz e as partes, mas da existência do procedimento em contraditório”, se faz necessário, ainda, ao se analisar o processo no contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito, compreendê-lo a partir do fenômeno pós-constitucionalista de constitucionalização do Direito Penal e Processual Penal em que o processo é definido como garantia constitutiva de direitos fundamentais, demonstrando como os princípios constitucionais formadores da base principiológica uníssona do Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal se inter-relacionam.

A partir do modelo constitucional de processo, proposto inicialmente por Andolina e Vignera e, no Brasil, consagrado por José Alfredo de Oliveira Baracho por meio da elaboração da Teoria Constitucionalista do Processo em que o processo foi aprimorado no sentido da necessidade de se reafirmar a imprescindibilidade de obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal adotado implicitamente pela Constituição Federal, formulou-se uma Teoria Geral do Processo, baseada neste modelo democrático que se funda em uma base principiológica uníssona (contraditório, ampla argumentação, fundamentação das decisões e do terceiro imparcial) indissociáveis e co-dependentes, ou seja, o Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal seria um esquema geral de princípios presentes em qualquer processo. A violação de um princípio significaria o desrespeito aos demais. “Processo é cláusula inderrogável de resistência jurídica com raízes na soberania popular (única fonte legítima de poder) na construção da Constituição, porque não seguida a principiologia do processo constituinte, não se pode falar em legitimidade legislativa na geração da norma constitucional. O legislador, nas Sociedades Políticas Democráticas de Direito, uma vez eleito submete-se aos princípios do processo, como instituição jurídica balizadora da soberania popular e da cidadania, cujos fundamentos, se não assentados juridicamente, de forma legal, preexistente e básica, como única fonte do poder constituinte, assumem significações conjunturais antagônicas ao Estado democrático de Direito”.

Assim, a obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal consiste na concessão plena dos princípios constitucionais que compõem a sua base principiológica uníssona quais sejam: do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial que têm como característica intrínseca a interdependência entre eles para a construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos a partir da construção da legitimidade processual pelo devido processo penal constitucional. Da relação Constituição e Processo, verifica-se a conexão, a co-dependência entre os princípios constitucionais do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial que compõem a base principiológica uníssona do Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal. Del Negri vem dizer que “A ligação necessária entre Processo e Constituição resultou em um dos movimentos mais significativos, com repercussão em teses constitucionalistas, que levaram o Processo a ocupar o centro das garantias constitucionais. [...] Dentro dessa experiência, resultante do movimento constitucionalista, o professor mineiro José Alfredo de Oliveira Baracho se destaca em estudo pioneiro no Brasil, e no mundo, ao se dedicar a importante pesquisa que demonstrou como o Processo passou a se consolidar.como garantia constitucional para que não houvesse nenhum prejuízo aos Direitos Fundamentais [...], confirmando, de vez, os princípios de direito processual e a expressão Direito Processual Constitucional”. A presença significante da relação de conexão entre os princípios constitucionais que constituem a base principiológica uníssona do Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal, alicerce para a construção de um processo penal democrático, se estende à compreensão do processo a partir da conexão entre a Teoria Constitucionalista do Processo e a Teoria Neo-institucionalista do Processo de Rosemiro Pereira Leal em que o processo é elevado ao patamar constitucional, digno de um Estado Democrático de Direito, pois o processo é a própria garantia efetiva dos direitos fundamentais a partir da necessária obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal e concessão plena dos princípios constitucionais formadores de sua base principiológica uníssona, adotado implicitamente pela Constituição Federal.

“A contribuição da Teoria Constitucionalista, fez com que o processo passasse a ser garantia constitucional assim como os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões, por isso, a Constituição Federal de 1988 é um marco, que constitui o Estado Democrático de Direito”. Apesar da Constituição Federal não fazer menção expressa à adoção do modelo acusatório de processo penal, em razão da lógica-democrática de proteção e garantia constitutiva dos direitos fundamentais, podemos indubitavelmente assegurar que o Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal é o único modelo compatível com os valores traçados no texto fundamental. Nesse sentido, Geraldo Prado afirma que se aceitarmos que a norma constitucional que assegura ao Ministério Público a privatividade do exercício da ação penal pública, na forma da lei, a que garante a todos os acusados o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, além de lhes deferir, até o trânsito em julgado da sentença condenatória a presunção da inocência, e a que, aderindo a tudo, assegura o julgamento por juiz competente e imparcial, pois que se excluem as jurisdições de exceção, com a plenitude do que isso significa, são elementares do princípio acusatório, chegaremos à conclusão que, embora não o diga expressamente, a Constituição da República o adotou.

Soma-se à concessão plena dos princípios constitucionais formadores da base principiológica uníssona que fundamentam o Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal a necessidade urgente de quebra do ciclo inquisitório, reinante no processo penal brasileiro e em que pertence o modelo inquisitório de processo penal proposto pelo Código de Processo Penal, através do efetivo exercício do ciclo acusatório em que pertence o Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal nas práticas e cotidianos forenses da “comunidade jurídica” a qual, através da conscientização acerca da necessária democratização e humanização do processo, procedimento e provimentos jurisdicionais penais para a construção da legitimidade processual e consequente construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos, a partir do entendimento do processo como elemento legitimador da jurisdição no Estado Democrático de Direito, reafirmar-se-á a sua essência de garantia constitutiva dos direitos fundamentais. Assim, a "Comunidade Jurídica Constitucionalizada”, em que pertencem o Estado e o povo, conscientes acerca da proteção e garantia dos direitos fundamentais inerentes a todos amparados pela Constituição Federal, passarão a atuar como “colaboradores da democracia” na medida em que ambos deverão empreender esforços na construção do Estado Democrático de Direito. “O Estado deverá esforçar-se para, no exercício de suas funções, respeitar as limitações legais e entender que o poder é popular; o povo deverá esforçar-se para envolver-se de forma consciente na defesa de seus direitos, como principal partícipe da atividade jurisdicional”.

Segundo os ensinamentos de Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 154-155; 2010a, p. 60-61), o sistema acusatório é marcado por configurar-se em um processo de partes, no qual há a completa dissociação entre a atividade de acusar e a tarefa de julgar, assim a iniciativa probatória compete exclusivamente às partes, mantendo-se o juiz como um terceiro imparcial e proporcionando tratamento isonômico às partes que atuam em contraditório, sendo o acusado sujeito de direitos e não mero objeto do processo. O processo acusatório, em regra é oral e público e não há nenhuma tarifação da prova, primando a sentença pelo livre convencimento fundamentado do julgador. Já ainda o duplo grau de jurisdição, pela possibilidade das decisões serem impugnadas por meio dos recursos e a coisa julgada que visa atribuir segurança à decisão. José de Assis Santiago Neto afirma que, ao juiz compete a tarefa de julgar e garantir os direitos fundamentais dos sujeitos processuais, principalmente o direito de participação da construção do provimento jurisdicional. O Ministério Público, parte artificialmente criada pela Constituição para possibilitar a adoção do processo acusatório, compete exclusivamente a tarefa de acusar, que não pode ser substituída, suplementada ou complementada pelo julgador. Já à defesa (exercida pelo próprio acusado e pelo defensor técnico) deve competir a tarefa de atuar ativamente da construção do provimento, porém, sem descuidar da presunção de não culpabilidade que favorece ao acusado.

Não há espaço, no paradigma do Estado Democrático de Direito, para um juiz que produza provas de ofício, que substitua o papel designado à acusação pela Constituição Federal – o exercício da atividade de acusar pertence exclusivamente ao membro do Ministério Público – e nem um juiz justiceiro. Deve se fazer presente um juiz imparcial que possibilite o diálogo, em igualdade, entre os sujeitos processuais se atendo aos argumentos trazidos ao debate, fundamentando de forma racional as suas decisões, reconhecendo o seu papel de garantidor dos direitos fundamentais e respeitando o exercício dos demais papéis de cada participante no processo – o acusado de defender-se e o Ministério Público de acusar – em que figuram, o juiz e as partes, como protagonistas na construção dos provimentos jurisdicionais penais em colaboração conjunta para a efetividade da democratização processual. Só assim, teremos a geração de provimentos jurisdicionais penais legítimos, ou seja, democráticos, que tem a legitimidade processual construída a partir do devido processo penal constitucional para a proteção da lógica-democrática que se perfaz no respeito às garantias processuais para o reconhecimento e fruição dos direitos fundamentais.

Em contrapartida, havendo a violação de pelo menos um princípio constitucional que compõe o esquema geral de processo restará comprometida a legitimidade processual e a consequente geração de provimentos jurisdicionais penais legítimos uma vez que os princípios constitucionais do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial, se apresentam como co-dependentes e indissociáveis, ocasionando na geração de provimentos jurisdicionais penais ilegítimos, ou seja, antidemocráticos, os quais terão a ilegitimidade adquirida a partir da não obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal e do não respeito à integralidade dos princípios constitucionais que fundamentam a sua base principiológica uníssona, sendo, portanto, considerados inconstitucionais, inaceitáveis e incompatíveis com um Estado Democrático de Direito. Dias “Essa conexão demonstra que se houver supressão do contraditório, haverá a violação dos demais princípios, pois a decisão será construída somente pelo juiz, fundamentada por argumentos desse único intérprete (solipsismo judicial) e às partes não será garantida a ampla argumentação, já que elas não precisarão preparar os argumentos para se defenderem de forma ampla uma vez que não construirão a decisão, logo, a fundamentação da decisão também será desrespeitada”. Segundo as lições de Cléber Lúcio de Almeida temos que, o diálogo entre os sujeitos do processo será fator de legitimação da decisão judicial quando e na medida em que permitir chegar à verdade e à justiça no caso concreto, segundo os ditames das regras e princípios constitutivos do direito vigente (o processo não pode significar construção participada da decisão judicial e desconstrução da ordem jurídica democraticamente instituída). “A decisão judicial perde legitimidade na medida em que se distancia do verdadeiro, do justo e das regras e princípios constitutivos do direito vigente, ainda que atenda ao requisito formal do respeito ao devido processo legal e de garantia do exercício, em simétrica paridade, do contraditório e da ampla defesa”.

3.1 Devido Processo Penal Constitucional e os Princípios Constitucionais do Contraditório, da Ampla Argumentação, da Fundamentação das Decisões e do Terceiro Imparcial

O Devido Processo Penal Constitucional significa que a Constituição Federal ao adotar implicitamente o Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal determinou um caminho legítimo de processo penal a ser percorrido, que levará à aquisição da legitimidade processual e, consequentemente, à construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos, através da obediência a esse “proceder”, pois somente dessa forma é que finalmente experimentaremos a plenitude do interesse democrático proveniente da Constituição Federal, ou seja, teremos, de fato, alcançado a democratização e a humanização primordiais ao processo, ao procedimento e aos provimentos jurisdicionais penais. “Logo, em termos de Estado Democrático de Direito em que o processo é garantia constitutiva de direitos fundamentais, o devido processo penal constitucional somente pode ser entendido como modelo constitucional de processo, entendido como base principiológica uníssona, consubstanciada pelos princípios do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial”. O princípio constitucional do contraditório que teve como precursor Elio Fazzalari ao defender a perspectiva do processo como procedimento realizado em contraditório abandona definitivamente a visão do “contraditório estático” ligado ao entendimento do contraditório como mero dizer e contradizer, elevando-o ao patamar de “contraditório dinâmico”, ou seja, aquele desenvolvido de forma permanente ao longo do diálogo processual promovido pelos sujeitos processuais em posição de igualdade, sem qualquer relação de submissão ao Estado-juiz, em simétrica paridade de armas entre as partes as quais participam de maneira ativa na construção dos provimentos jurisdicionais penais, figurando como corresponsáveis e co-construtoras das decisões judiciais penais.

O conceito de processo para Fazzalari é: espécie de procedimento em contraditório entre as partes, em simétrica paridade, na preparação do provimento jurisdicional. É “uma estrutura técnico-jurídica de atos lógico-temporais realizada em contraditório”. “Quando este processualista define o processo como o procedimento realizado em contraditório entre as partes, ou seja, aquele procedimento em que as partes participam, em igualdade de condições, da elaboração do provimento final, não concebendo, portanto, o juiz como único responsável pelo provimento final, vez que autor e réu intervêm em simétrica paridade na formação do convencimento, ele revela que as partes são também, em certo sentido tão autores da sentença quanto o juiz. Isto indica, por sua vez, que o sentido da norma jurídica e a definição de qual norma regula um determinado caso só se revelam plenamente quando os envolvidos participam desse discurso de aplicação. Portanto, não se pode legitimamente, em um processo constitucional, prescindir-se das partes envolvidas (ou seja, de todos aqueles sobre quem se aplicarão as conseqüências da decisão) na revelação do sentido da Constituição”. Para Fazzalari o processo deixa de ser um meio de exercício da jurisdição, para a emissão de sentenças, e passa a ser mais do que uma mera sequência de ritos, ordenados em prol da vontade e convencimento do juiz (LEAL, 2011, p. 69).

“Procedimento sem norma de comando estrutural é um amontoado de atos não jurídicos sem qualquer legitimidade, validade e eficácia”. O contraditório democrático abrange a participação efetiva das partes na construção da decisão como também no controle do exercício da atividade jurisdicional que se encontra limitada aos argumentos trazidos pelas partes ao conhecimento do julgador que deve se manter imparcial, participando das provas utilizadas no processo – afastando a ideia de um juiz inerte –, contudo, não lhe sendo permitida a iniciativa probatória a qual fica ao encargo exclusivo do órgão de acusação, devendo o juiz, nesta perspectiva democrática, sempre fundamentar as suas decisões de maneira racional, utilizando-se de argumentos jurídicos debatidos pelas partes para que o provimento jurisdicional penal seja legítimo.

“Se o juiz fundamenta sua decisão em argumentos não-jurídicos, ou em argumentos não utilizados pelas partes, ocorre a violação do princípio da fundamentação da decisão e, conseqüentemente do contraditório, visto que as partes não participaram na construção do processo; da ampla argumentação, já que o tempo processual foi insuficiente para que as partes construíssem de forma efetiva a argumentação a ser utilizada na preparação de sua ampla defesa; do terceiro imparcial, uma vez que ao decidir com base em argumentos pessoais, o juiz passa a ser o único intérprete do direito, reforçando o seu subjetivismo e atingindo a sua imparcialidade”. A essência do processo, para Fazzalari, é o contraditório, no qual devem se basear todas as decisões processuais, fundamentalmente democráticas. Se não há processo, ou seja, se não há procedimento em contraditório, não há democracia e a sociedade estaria fadada a viver uma ditadura estabelecida pelo exercício da jurisdição antidemocrática, exercida pelo Estado, sem levar em consideração o interesse do povo e seus direitos. O processo se legitima pela presença do princípio constitucional do contraditório. É essencial que o diálogo democrático exista entre os participantes do processo para que os provimentos jurisdicionais penais não sejam impostos, baseados na interpretação exclusiva do juiz, em argumentos metajurídicos ou em convicções pessoais, a fim de serem evitadas as decisões judiciais surpresas. “Fazzalari, ao distinguir Processo e procedimento pelo atributo do contraditório, conferindo, portanto, ao procedimento realizado pela oportunidade de contraditório a qualidade de Processo, não fê-lo originariamente pela reflexão constitucional de direito-garantia. Sabe-se que hoje, em face do discurso jurídico constitucional das democracias, o contraditório é instituto do Direito Constitucional e não mais uma qualidade que devesse ser incorporada por parâmetros doutrinais ou fenomênicos ao procedimento pela atividade jurisdicional”. (LEAL, 2009, p. 83)

As partes, essenciais na construção dos provimentos jurisdicionais penais, devem participar ativamente na elaboração dos provimentos jurisdicionais penais com o poder de influenciar as decisões. A percepção do juiz como uma figura superior, como preza a teoria da relação jurídica, ratifica o pensamento de imposição da jurisdição sem a legitimidade trazida pelo contraditório. A partir da valorização do contraditório, como elemento essencial para a existência do processo, Fazzalari consegue explicar a importância das partes para a elaboração do provimento final processual. Não há qualquer subordinação das partes em relação ao juízo, uma vez que, por meio do contraditório, elas são essenciais para a conclusão processual (BARROS, 2012, p. 215-245). “Nessa perspectiva, caso as partes consigam participar, de forma democrática e isonômica da jurisdição, tem-se “processo”, contudo, os provimentos jurisdicionais que violam o contraditório das partes, não seriam “processo”, mas somente, procedimentos sem contraditório”. “O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos”. O princípio constitucional da ampla argumentação é a afirmação do princípio constitucional do contraditório reafirmando a conexão existente entre tais princípios, ou seja, um princípio torna-se base de sustentação para o outro demonstrando a co-dependência entre os mesmos e a indissociabilidade marcante.

A ampla argumentação é a garantia do tempo necessário para a efetiva construção de argumentos a serem utilizados pelas partes, no processo. “A ampla argumentação garante às partes o direito à prova para demonstrar qualquer fato relevante para a reconstrução do caso concreto, ao direito à assistência técnica do advogado para garantir a possibilidade de argumentação técnica, ao tempo de reflexão da parte para a argumentação final das partes para que possa demonstrar qual norma adequada ao caso no espaço procedimentalizado do processo”. O princípio constitucional da fundamentação das decisões garante às partes o controle das decisões proferidas pelo juiz. Portanto, o juiz, no paradigma do Estado Democrático de Direito, deve estar vinculado à fundamentação das decisões com base em argumentos jurídicos, ou seja, utilizando-se dos argumentos trazidos pelas partes ao processo, limitando-se a eles. Os provimentos jurisdicionais penais devem ser produtos da construção da discussão democrática promovida entre os sujeitos processuais ao longo do processo penal democrático sob pena de restar comprometida a legitimidade processual, acarretando na consequente formação de provimentos jurisdicionais penais ilegítimos em que foram baseados na interpretação única e subjetiva do juiz. A norma do art. 93, IX da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 exige que o princípio da fundamentação das decisões seja observado pelos magistrados em toda e qualquer decisão, sob pena de nulidade.

“Art. 93, IX Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) “Inserto no conceito de direito democrático (em sua aplicação ou justificação), o processo assegura um espaço de participação política a seus sujeitos. Não se presta, tão-somente, ao exercício jurisdicional do Estado. Os cidadãos (no processo judicial) ou seus representantes (no processo legislativo) utilizam-no para fim diverso à jurisdição: nesse aspecto, o processo é meio de implementação da democracia, permitindo uma comunidade de intérpretes do direito”. Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias preleciona que, na atualidade, sempre enfatizado no âmbito do direito processual constitucional, referido princípio impõe aos órgãos jurisdicionais do Estado o dever jurídico da fundamentação de seus pronunciamentos decisórios, com o objetivo principal de afastar o arbítrio e as intromissões anômalas ou patológicas das ideologias, das subjetividades e das convicções pessoais dos agentes públicos julgadores (juízes) ao motivarem as decisões proferidas nos processos, quando decidem as questões neles discutidas, permitindo que as partes exerçam um controle de constitucionalidade da função jurisdicional e de qualidade sobre tais decisões, afastando-lhes os erros judiciários, por meio da interposição de recursos. Assim, verifica-se a imprescindibilidade dessa garantia constitucional para a consolidação do Estado Democrático de Direito O princípio constitucional do terceiro imparcial liga-se à ideia de que, na construção do processo penal democrático em que pertence um Estado Democrático de Direito, a presença de um juiz imparcial, ou seja, que formule as suas decisões baseadas na ampla discussão das questões trazidas pelas partes ao processo, é imprescindível, a fim de se evitar, por antecipação, qualquer tipo de decisão que se baseie no “primado da hipótese sobre os fatos” – que o juiz decida antes mesmo de conhecer. Logo, a exigência de um terceiro imparcial não significa a neutralidade do juiz, que deve participar das provas produzidas pelas partes no processo, contudo, sem se apropriar do papel da iniciativa probatória, a qual deverá ficar ao encargo exclusivo da acusação.

“A justificação se faz dentro de um conteúdo estrutural normativo que as normas processuais impõem à decisão (“devido processo legal”), em forma tal que o julgador lhe dê motivação racional com observância do ordenamento jurídico vigente e indique a legitimidade das escolhas adotadas, em decorrência da obrigatória análise dos argumentos desenvolvidos pelas partes, em contraditório, em torno das questões de fato e de direito sobre as quais estabeleceram discussão. Portanto, a fundamentação da decisão jurisdicional será o resultado lógico da atividade procedimental realizada mediante os argumentos produzidos em contraditório pelas partes, que suportarão seus efeitos. [...] No processo, as “razões de justificação (argumentos)” das partes, envolvendo as “razões de discussão (questões)”, produzidas em contraditório, constituirão “base” para as “razões da decisão”, e aí encontraremos a essência do dever de fundamentação, permitindo a geração de um pronunciamento decisório participado e democrático”.

3.2 Conexão entre os princípios constitucionais do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial

A conexão entre os princípios constitucionais formadores da base principiológica uníssona do Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal decorre da lógica-democrática de indissociabilidade entre eles, proposta pela Constituição Federal e por um Estado Democrático de Direito, assim definida: a fundamentação das decisões pressupõe a existência de um contraditório efetivo que pressupõe a existência de uma ampla argumentação que pressupõe a existência de um terceiro imparcial para que seja pressuposta a legitimidade processual e a efetiva construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos. “Deste modo, a fundamentação da decisão é indissociável do contraditório, visto que garantir a participação dos afetados na construção do provimento, base da compreensão do contraditório, só será plenamente garantida se a referida decisão apresentar em sua fundamentação a argumentação dos respectivos afetados, que podem, justamente pela fundamentação, fiscalizar o respeito ao contraditório e garantir a aceitabilidade racional da decisão. [...] Ao se exigir que a construção da decisão respeite o contraditório e a fundamentação, não mais se permite que o provimento seja um ato isolado de inteligência do terceiro imparcial, o juiz na perspectiva do processo jurisdicional. A relação entre estes princípios é vista, ao contrário, em sentido de garantir argumentativamente a aplicação das normas jurídicas para que a decisão seja produto de um esforço re-construtivo do caso concreto pelas partes afetadas”. O modelo inquisitório proposto pelo Código de Processo Penal, conforme verificaremos em manifestação da promotoria da Comarca de Belém/PA, serviu de base para o provimento jurisdicional penal proferido pelo juiz da 9ª Vara Penal da Comarca de Belém/PA em não obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal em que foram violados os princípios constitucionais do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial quando, em razão de decisão judicial que condenou o acusado para além do pedido formulado pelo Ministério Público em face do recurso de apelação interposto pela defesa, a promotoria apresentou contrarrazões pleiteando, em razão do único modelo de processo penal garantista e democrático – modelo acusatório –, a alteração da imputação típica, em que retirou-se a causa de aumento de pena – arbitrada pelo juiz-inquisidor –, adicionando a sua causa de diminuição.

O órgão de acusação reconheceu que houve violação ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal e a necessidade de refletir o processo penal como garantia constitutiva dos diretos fundamentais, a fim de que, de posse da conscientização sobre tal entendimento, seja finalmente e definitivamente, quebrado o ciclo inquisitório majoritariamente presente nas práticas e cotidianos forenses da comunidade jurídica brasileira. “Agora, portanto, com a nova redação do art. 156, tudo resta expresso; e muito claro, sem sofisma. O juiz é o gestor da prova. Se as partes não provarem, cabe a ele fazê-lo; e isso é uma constante. Ou melhor: cabe a ele fazê-lo, coadjuvado pelas partes, como mostra Jorge de Figueiredo Dias com todas as letras (Direito processual penal. Coimbra: Coimbra, 1974, p. 191 e ss.). O in dubio pro reo vira um desafio psíquico: se o juiz não conseguir provar ser o réu inocente, condena-o. É o in dubio pro reo às avessas; mas nada anormal sendo o sistema inquisitorial, por sinal, como se sabe, programado para ser assim. Na antessala fica, porém, a CR, suas regras e princípios”.

PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DE BELÉM 9º PROMOTOR DE JUSTIÇA Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 9ª Vara Penal da Comarca de Belém, PA Contrarrazões em Apelação Recorrente: C. A. de S. Processo n. 0000121-81.2008-814.0401 O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, através da Promotora de Justiça, a final assinada, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, nos autos acima epigrafados, apresentar CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO interposto pela Defesa, da decisão que condenou o apelante pela prática do crime descrito na Exordial Acusatória, requerendo seja a presente peça encaminhada à instância superior, para apreciação. Deferimento. Belém, 12 de agosto de 2015. ANA CLAUDIA BASTOS DE PINHO PROMOTORA DE JUSTIÇA CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO Recorrente: C. A. de S. Recorrido: Justiça Pública Autos do Processo n. 0000121-81.2008-814.0401 9ª Vara Penal da Comarca de Belém-PA EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ COLENDA CÂMARA No dia 04 de julho de 2014, o réu C. A. de S., através de advogada habilitada, interpôs recurso de apelação contra sentença condenatória prolatada pelo juízo a quo, apresentando as respectivas razões, requerendo, em suma, a absolvição por insuficiência probatória ou a desclassificação da conduta para tentativa de furto. O Ministério Público, mesmo discordando da fundamentação das razões recursais, entende que a Sentença merece ser modificada, alterando-se a imputação típica, conforme consta dos memoriais apresentados peloParquet, às fls. 287/290. Vejamos. SÍNTESE DO PROCESSO O réu C. A. de S. foi condenado pela prática do crime de roubo majorado pelo concurso de agentes e emprego de arma (art. 157, §2º, I e II do CP), cuja pena em concreto aplicada foi de 05 (cinco) anos de reclusão, conforme fls. 298-308. O réu interpôs recurso de apelação contra a sentença condenatória, apresentando as respectivas razões, alegando os pontos acima já identificados. 2 – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 2.1. QUEBRA DO SISTEMA ACUSATÓRIO – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DISPOSITIVO – O JUIZ NÃO PODE CONDENAR PARA ALÉM DA IMPUTAÇÃO DEDUZIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO No caso vertente, o Ministério Público, por ocasião de seus memoriais apresentados às fls. 287/290, pediu a CONDENAÇÃO do recorrente pelo crime de ROUBO CIRCUNSTACIADO PELO CONCURSO DE PESSOAS, NA CONDIÇÃO DE PARTÍCIPE DE MENOR IMPORTÂNCIA. Isto é, em relação à denúncia, os memoriais da Promotoria retiraram a causa de aumento de pena relativa ao emprego de arma (CP, art. 157, parágrafo segundo, inciso I) e adicionaram a causa de diminuição genérica de pena relativa à participação de menor importância (CP, art. 29, parágrafo primeiro). Porém, o Magistrado, ao sentenciar, não se fixou na pretensão acusatória agora refinada pelos memoriais. Simplesmente condenou por imputação mais gravosa que aquela definida pelo Ministério Público, em suas alegações finais, depois de avaliar toda a instrução! Dito de outra forma: a sentença foi além daquilo que definiu o Parquet, como pretensão acusatória! O juiz, portanto, acusou o Apelante por circunstâncias mais gravosas, as quais o próprio órgão de acusação entendeu não estarem presentes. E isso, definitivamente, não cabe, em um processo de garantias!

Assim, garantias como o contraditório, a ampla defesa, a presunção do estado de inocência, o favor rei, a inadmissibilidade de provas obtidas por meio ilícito, a titularidade da ação penal pública pelo Ministério Público, dentre outras, estão a demonstrar exatamente essa preocupação de que a extremidade mais frágil da corda, nessa tensão acusação (Estado)x defesa (réu), fique sempre protegida. Isto faz parte do princípio da isonomia: reconhecer as diferenças, para evitar as desigualdades. Ou seja, reconhecer que o réu é, de fato, o pólo mais fraco e garantir a ele mecanismos de equiparação e de possibilidade real de defesa. E foi exatamente isso que o constituinte fez. O sistema acusatório – que delineia um modelo de processo penal garantista e democrático – é corolário desse sistema de valores acima exposto. Pelo princípio dispositivo (que funda o sistema acusatório), acusação, defesa e juiz possuem papéis definidos e inconfundíveis. Nesse jogo de equilíbrio, o Ministério Público é o titular exclusivo da pretensão acusatória (em casos de ação penal pública), a Defesa funciona dialeticamente como a antítese da acusação, sendo-lhe assegurados todos os mecanismos legítimos para fazer frente ao Ministério Público, e ao juiz é destinada a tarefa de decidir a causa, bem como as medidas cautelares, garantindo a regularidade do processo, respeitando sua maior característica, qual seja, a imparcialidade. Em oposição ao modelo acusatório está o modelo inquisitivo (ou inquisitório), no qual o juiz possui o controle sobre a produção da prova, podendo determinar diligências, funcionando como um verdadeiro órgão de acusação. Não há, no modelo inquisitivo, garantia de imparcialidade do julgador nem eqüidistância em relação às partes. Em seu livro denominado Correlação entre acusação e sentença (Revista dos Tribunais, 2009), o Doutor em Direito Gustavo Badaró, assim se posiciona: “A regra da correlação entre o fato imputado e o fato constante na sentença implica que o objeto do processo permaneça inalterado, durante todo o desenvolver do iter procedimental. Não pode haver alteração do objeto do processo, considerado em seus momentos extremos. Desde o momento inicial, com a acusação, até o seu término, com a sentença, o objeto do processo não pode, em regra, sofrer alterações”. “Em síntese, o juiz não pode condenar o acusado, mudando as circunstancias instrumentais, modais, temporais ou espaciais de execução do delito, sem dar-lhe a oportunidade de se defender da pratica de um delito diverso daquele imputado inicialmente, toda vez que tal mudança seja relevante em face da tese defensiva, causando surpresa ao imputado”. “Toda violação da regra da correlação entre a acusação e sentença implica em um desrespeito ao princípio do contraditório. O desrespeito ao contraditório poderá trazer a violação do direito de defesa, quando prejudique as posições processuais do acusado, ou estará ferindo a inércia da jurisdição, com a correlativa exclusividade da ação penal conferida ao Ministério Público, quando o juiz age de ofício. Em suma, sempre haverá violação ao contraditório, seja em suas implicações com a defesa ou com a acusação. O desrespeito a princípios tão fundamentais do direito processual, sem dúvida, implicará na ineficácia da sentença que violar a regra da correlação entre acusação e sentença”. Assim, eventual manutenção da decisão a quo seria uma violação clara ao sistema acusatório de processo, definido pela Constituição da república. O juiz, insistindo, não pode condenar por fato mais grave do que aquele definido pela única instituição que – constitucionalmente – tem o dever de acusar: o Ministério Público. 3 – PEDIDO Ante o exposto, o Ministério Público requer sejam acatadas, na íntegra, as presentes razões e, via de conseqüência, provido, PARCIALMENTE, o recurso de apelação interposto pela Defesa, para que seja fixada a imputação nos termos exatos descritos nos memoriais de fls. 287/290, isto é CONDENAÇÃO POR ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE PESSOAS, NA CONDIÇÃO DE PARTÍCIPE DE MENOR IMPORTÂNCIA. Com isso, necessariamente, haverá alteração na quantidade de pena fixada. Deferimento. Belém, PA, 12 de agosto de 2015. ANA CLAUDIA BASTOS DE PINHO Promotora de Justiça

Segundo o parecer da promotoria e em análise ao provimento jurisdicional penal que condenou o acusado para além do pedido formulado pelo Ministério Público, percebe-se que o juiz abandonou o papel definido pelo sistema acusatório constitucional, ou seja, o de garantidor dos princípios constitucionais, e assumiu o papel de um juiz-inquisidor, usurpando o papel exclusivo do órgão de acusação, Ministério Público, acumulando, concomitantemente, as tarefas de acusar e julgar. Para que a legitimidade processual embasada no devido processo penal constitucional formadora de provimentos jurisdicionais penais legítimos seja efetivamente garantida é necessária a obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal, em que os princípios constitucionais pertencentes a sua base principiológica uníssona devem ser concedidos em sua plenitude, em razão do pleno exercício do contraditório em igualdade de oportunidades entre os sujeitos processuais e em simétrica paridade de armas entre as partes, senão, do contrário, se as decisões judiciais encontrarem fundamento em argumentos do quadro mental paranoico das interpretações solipsistas dos juízes, fortaleceremos o modelo inquisitório e sua razão de ser antidemocrática, inconstitucional, formador de provimentos jurisdicionais penais ilegítimos. O provimento jurisdicional penal que condenou o acusado é incompatível com um processo penal democrático proveniente de um Estado Democrático de Direito, pois não foi gerado a partir do contraditório, uma vez que a condenação não se limitou aos argumentos trazidos pelas partes ao processo, não zelando pelo princípio da correlação entre acusação e sentença, onde as mesmas não participaram da construção da decisão e nem influenciaram no pronunciamento jurisdicional, tornando-se, a decisão judicial, uma surpresa aos afetados por ela, configurando, em consequência, flagrante atentado ao princípio constitucional da ampla argumentação.

Houve manifesto atentado ao princípio constitucional da fundamentação das decisões em que o juiz se fundamentou em argumentos metajurídicos, típicos do modelo inquisitório e seus paradigmas autoritários-totalitários-absolutistas; a decisão judicial violou o princípio constitucional do terceiro imparcial, pois a sentença proferida pelo juiz foi um “ato isolado de inteligência”, em que figurou como o único intérprete no processo. A decisão, objeto de estudo é, portanto, inconstitucional, uma vez que “desconsiderou, ao seu embasamento, os argumentos produzidos pelas partes no iter procedimental, [...] logo, não será sequer pronunciamento jurisdicional, tendo em vista que lhe faltaria a necessária legitimidade”. Conclui-se, pela ilegitimidade do provimento jurisdicional penal oriunda da não obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal, sendo o provimento jurisdicional penal considerado, segundo o entendimento do processo penal democrático, ilegítimo, antidemocrático, inconstitucional, inaceitável e incompatível com a essência de um Estado Democrático de Direito.

4. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NECESSÁRIA E URGENTE QUEBRA DO CICLO INQUISITÓRIO PROPOSTO PELO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Como vimos ao longo do presente trabalho, a Constituição Federal fez a clara opção pelo modelo acusatório constitucional de processo e, mais do que isso, assegurou que tal modelo é o único modelo que comporta os paradigmas democráticos. Portanto, o modelo inquisitorial em que a gestão da prova se encontra nas mãos do juiz, é completamente incompatível com a razão de ser democrática de garantia constitutiva dos direitos fundamentais. “Cumpre ressaltar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, de forma indubitável, o sistema acusatório, com explícita separação das funções de julgar e acusar, atribuindo ao órgão acusador o ônus da prova, com o consequente afastamento da gestão da prova das mãos do juiz”. Quando o juiz tem a iniciativa probatória acaba comprometendo gravemente o princípio constitucional do terceiro imparcial, ou seja, será desde sempre, influenciado psicologicamente bela busca incessante da verdade real e confirmação de seus pré-diagnósticos desde sempre antecipados, fomentando o “quadro mental paranoico” designado por Franco Cordero. Sobre esse “quadro”, preleciona Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “O mais importante, contudo, ao sistema acusatório – é bom que se diga desde logo –, é que da maneira como foi estruturado não deixa muito espaço para que o juiz desenvolva aquilo que Cordero, com razão, chamou de “quadro mental paranoico”, em face de não ser, por excelência, o gestor da prova pois, quando o é, tem, quase que por definição, a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a “sua” versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao qual toma como verdadeiro. (COUTINHO, 2003, p. 25)

Assim, segundo os ensinamentos de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho acerca do sistema inquisitório, temos que, a característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente, sendo que “a vantagem” (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos factos – de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na acusação –, dado o seu domínio único e onipotente do processo em qualquer de suas fases. [...] Afastado do contraditório e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que tem (ou faz) do fato. O Código de Processo Penal brasileiro de 1941 que propõe o modelo inquisitório foi elaborado a partir de um contexto histórico de repressão, fruto de uma ditadura militar, de base autoritária. Somente por esta única razão, de essência antidemocrática, em que há a supressão de direitos fundamentais, não deveria mais sequer existir nos tempos atuais de conquista democrática proveniente de um Estado Democrático de Direito, em que a tutela da liberdade deve ser preservada. Assim, a lógica democrática, ou seja, a de garantia dos princípios constitucionais, é que deve conduzir indistintamente todos os processos jurídicos, em particular, o Processo Penal. Essa conquista democrática nos permite refletir os valores humanos a partir de um “novo” e necessário patamar de consciência humana em que a garantia dos direitos fundamentais a todos os indivíduos, acusados ou não, é uma obrigação diária e indiscutível, pois garante um processo pautado na certeza do respeito à própria condição humana. Com base nesse entendimento, Paulo Rangel afirma que, o sistema inquisitivo, assim, não guarda compatibilidade com os direitos constitucionais que devem prevalecer em um Estado Democrático de Direito e, em vista disso, deve ser afastado das legislações contemporâneas que tem o escopo de assegurar ao cidadão as mínimas garantias em apreço à honra da pessoa humana. Portanto, não nos resta dúvida de que o ciclo inquisitório deve ser necessariamente e urgentemente rompido para a construção de um processo penal constitucional democrático, a partir da necessária obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal e consequente concessão plena dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial para a efetividade da formação de provimentos jurisdicionais penais legítimos.

Se um destes princípios é violado, todos os demais serão, desconstituindo a legitimidade processual que obrigatoriamente deve estar presente em todos os processos oriundos de um Estado Democrático de Direito. Logo, o sistema inquisitório proposto pelo Código de Processo Penal e escolhido politicamente e ideologicamente como sistema processual penal brasileiro, “O sistema processual penal brasileiro é, na essência, inquisitório, porque regido pelo princípio inquisitivo, já que a gestão da prova está, primordialmente, nas mãos do juiz, o que é imprescindível para a compreensão do Direito Processual Penal vigente no Brasil” (COUTINHO, 2003, p. 25), não é apenas nitidamente contrário aos ideais democráticos – através do referido sistema cultivamos a manutenção do paradoxo existencial – a supremacia constitucional vencida pela teimosia da “lei infraconstitucional” –, como, se continuar reinando e embasando os provimentos jurisdicionais penais, seremos merecedores do título de “obstaculizadores da democracia”, desfavorável ao essencial bem-estar processual e ao respeito à integridade dos direitos fundamentais.

5 CONCLUSÃO

A busca por um processo penal democrático significa a adoção de mudanças de comportamento executadas nas práticas e cotidianos forenses provenientes da conscientização dos participantes diretos do processo e da sociedade como um todo, acerca da imperiosa proteção e garantia dos princípios constitucionais corolários de um Estado Democrático de Direito que encontra na supremacia constitucional a tranquilidade de um processo penal justo pautado no respeito à soberania popular – entender o processo dessa forma, é desconstruir a imagem do processo pautado sob o autoritarismo, a repressão que inclui a restrição ou a supressão de direitos fundamentais, a coercibilidade advinda do poder usado de forma arbitrária – percebida inúmeras vezes quando o poder estatal resolve abandonar o ciclo acusatório constitucional e aplicar o ciclo inquisitório proposto pelo Código de Processo Penal –, em que se privilegia a figura do juiz em detrimento da soberania popular e construir um processo penal constitucional a partir do diálogo jurídico em que todos os participantes do processo têm vez e voz. Portanto, se faz imprescindível na construção dos provimentos jurisdicionais penais, o entendimento de que devemos colaborar com a democracia formadora de provimentos jurisdicionais penais legítimos, e não, ir de encontro aos seus propósitos democráticos, sobretudo, o de concessão plena dos princípios constitucionais, base para todos os processos penais oriundos de um Estado Democrático de Direito.

Logo, o poder punitivo do Estado-juiz encontra limite na Constituição Federal. E, por esta razão lógica e necessária, somente através da obediência ao Modelo Acusatório Constitucional de Processo Penal, adotado implicitamente pela Constituição Federal, e, portanto, o único modelo de processo penal compatível com as razões de ser democráticas, que, ao estabelecer um caminho de processo penal a ser percorrido – devido processo penal constitucional –, o fez em prol de um processo penal substancial, isto é, de um processo penal que garanta efetivamente os direitos fundamentais inerentes a todos os indivíduos, sejam estes acusados ou não, começando pelo respeito a todos os princípios constitucionais que compõem a sua base principiológica uníssona, quais sejam: do contraditório, da ampla argumentação, da fundamentação das decisões e do terceiro imparcial, a fim de que alcancemos não apenas alguns provimentos jurisdicionais penais legítimos isolados, mas, obtenhamos, de fato, a construção de provimentos jurisdicionais penais legítimos em cadeia, que tenham a legitimidade adquirida através da democratização e da humanização do Direito Penal e Processual Penal, originárias do inexorável processo de conscientização do ser humano como humano, essência de um Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, Cleber Lúcio de. A legitimidade das decisões judiciais no Estado Democrático de Direito. Disponível em: <http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/professor/professores.asp>. Acessado em: 08/02/2010.

  • ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. ISBN 9788576040019

  • BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Revista Forense, jan./mar. 1997. vol. 337, p. 105-123.

  • BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do processo constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, 1999, vol. 2, n.º 3-4, p. 89-154.

  • BARROS, Flaviane de Magalhães. A fundamentação das decisões a partir do modelo constitucional de processo. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, 2008, vol. 1, n.º 6, p.131-148.

  • BARROS, Flaviane de Magalhães. O modelo constitucional de processo e o processo penal. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. (Org.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. vol.1, p. 331-345.

  • BARROS, Renata Furtado de. O Processo no Estado Democrático de Direito: elemento legitimador da jurisdição. DEROMA JR., Antônio Edson. (Org.). O 
  • ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: a quebra de paradigmas frente às necessidades sociais. Raleigh, Carolina do Norte, EUA: LULU PUBLISHING, 2012, vol. 1, p. 215-245. ISBN 9781105832482

  • COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Direito alternativo. In Seminário Nacional Sobre o Uso Alternativo do Direito. Rio de Janeiro: ADV, p. 33-45. 1994. Apud NETTO, José Laurindo de Souza. Processo Penal: Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2003, p. 25-26.

  • COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Um devido processo legal (constitucional) é incompatível com o sistema do CPP, de todo inquisitorial. In: 
  • PRADO, Geraldo, MALAN, Diogo (coord.). Processo penal e democracia: Estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

  • COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Reformas parciais do processo penal: breves apontamentos críticos. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/reformas-parciais-do-processo-penal-breves-apontamentos-criticos-por-jacinto-nelson-de-miranda-coutinho/>. Acessado em: 21/05/15.

  • DEL NEGRI, André. Controle de constitucionalidade no processo legislativo:
    teoria da legitimidade democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2003. ISBN 9788589148184.

  • DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. A garantia da fundamentação das decisões jurisdicionais no Estado Democrático de Direito. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, vol. 8, n.º 16, p. 121, p. 147-161, 2º sem. 2005.

  • DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fundamentos Constitucionais da Jurisdição no Estado Democrático de Direito. In: Marcelo Campos Galuppo. (Org.). Constituição e Democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2009, vol. 01, p. 277-309.

  • FARIA, André Luiz Chaves Gaspar de Morais. Os poderes instrutórios do juiz no processo penal: uma análise a partir do modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011. ISBN 9788562741357.

  • FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova, Cedam, 1992. ISBN 881317652X

  • GALUPPO, Marcelo Campos. O que são direitos fundamentais? In: SAMPAIO, 
  • José Adércio Leite. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 63.

  • GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992. ISBN 8532100716.

  • LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002. ISBN 858773167X

  • LEAL, Rosemiro Pereira. Modelos processuais e constituição democrática. 
  • MACHADO, Felipe Daniel Amorim, OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. (Coords.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. 
  • LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 4ª ed. rev. e ampl, Porto Alegre: Editora Síntese. 2001 e 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. ISBN 9788530933494.

  • LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2010a, vol. 1. ISBN 9788537509265.

  • LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao Processo Penal (fundamentos da instrumentalidade constitucional). 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2010c. ISBN 9788537507865

  • MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A exclusividade da função acusatória e a limitação da atividade do Juiz. Inteligência do princípio da separação de poderes e do princípio acusatório. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n.º 183, p. 141-153, julho/setembro 2009.

  • OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. O processo constitucional como o instrumento da jurisdição constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, vol. 3, n.° 5-6, p. 161-169, 1º e 2º sem. 2000.

  • PRADO, Geraldo. In Sistema Acusatório – A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999, p. 171. ISBN 857387029X

  • RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 47. ISBN 9788537502624.

  • SANTIAGO NETO, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 163-164. ISBN 9788584402700