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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Os fantasmas de Trump, por José Sarney

TRUMP SE DESFAZ NO VENTO…

José Sarney, 90, presidente da República no período de abril de 1985 a março de 1990 

A alternância de poder, que é uma das bases da democracia, é sempre um tempo de ajustes e transições. Nas democracias mais estáveis a estrutura do Estado não se confunde com o corpo de governo e é formada por um funcionalismo de qualidade que garante que a máquina pública continue rodando. Os governos se sucedem e definem diferentes políticas, que implicam em prioridades, enfoques, orientações. A margem da administração, do governar, está previamente definida.

Mas para tudo há exceções. Em 2017 Barack Obama terminou seus oito anos de governo com extraordinário sucesso, se o bem-estar da população, o estado da economia, o prestígio do país — sem falar no pessoal e familiar — são as medidas que ficarão para a História. Para mostrar como é errada a ideia tão comum de que a função do Executivo é legislar, Obama viveu quase todo o seu governo em minoria parlamentar, sob combate faccioso levado a cabo sobretudo pelo Senado, onde a maioria republicana era de arrasar quarteirão.

Trump, que o odiava, veio com uma visão inteiramente diferente. Ele acreditava, ou dizia acreditar, que havia uma conspiração comunista controlando a administração. Sua missão, portanto, era acabar com o Estado. Saiu atirando para toda parte. Educação? “Vamos colocar a iniciativa privada no lugar do Estado, ele quer doutrinar as crianças.” Saúde? “Vamos destruir o Obamacare — única realização legislativa relevante que Obama conseguira, que assegura planos de saúde para os pobres —, que é a socialização da medicina.” Meio ambiente? “Vamos acabar com os obstáculos aos negócios que são os controles da poluição e a necessidade de licenças.” Clima? “Abandono o Acordo de Paris.” Iran? “Eles estão fazendo escondido a bomba atômica para destruir Israel. Rasgo o acordo.” Interferência russa nas eleições americanas? “O Putin é meu amigo!” E foi por aí, destruindo por dentro a prodigiosa máquina administrativa americana.

O Biden não caiu nas cascas de banana do Trump. A crise maior era mundial, a pandemia. Os Estados Unidos estavam na liderança mundial de mortos, e o ceticismo do Trump tinha levado o país a cinco mil mortos por dia. Biden trouxe a ciência, a curva despencou, hoje são 700 mortes/dia. Aos poucos, com calma, habilidade, diálogo, está colocando a casa em ordem. Tenta liderar a luta pelo clima. Equaciona as questões do Oriente Médio. Leva a sério as disputas com a China. Revê as questões da imigração. Pune os russos. Jogo de gente grande.

Mais que qualquer outra lição, Biden está demonstrando que governar é um trabalho de equipe, que se faz com paciência, sem medo. Os fantasmas deixados por Trump vão morrendo de susto.

O único que resta é o Trump, que vai se desfazendo no vento.

Publicado originalmente no Jornal O Estado, de 18 de abril de 2021