CECGP

Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

AJUFE é contra a punição de magistrados que abusem dos poderes que a Constituição lhes confere…

 Associação de juízes reclama de projeto de lei que pune abuso de autoridade

 

A Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe) é contra a punição de magistrados que abusem dos poderes que aConstituição lhes confere. Em nota publicada nesta quinta-feira (7/7), a entidade acredita que a proposta “parece uma tentativa de intimidação de juízes, desembargadores e ministros na aplicação da lei penal em processos envolvendo criminosos poderosos”.

O projeto de lei para punir o abuso de poder é de 2009 e teve origem no terceiro Pacto Republicano, que reuniu membros do Executivo, do Judiciário e do Legislativo. O ministro Gilmar Mendes, hoje um grande defensor da ideia, era presidente do Supremo Tribunal Federal na época e participou da elaboração do projeto.

De acordo com o texto, comete o crime de abuso de autoridade quem, “no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe foi conferido”. Para a Ajufe, o texto “afeta diretamente a independência judicial”.

Entre os crimes definidos pelo projeto estão mandar prender “fora das hipóteses legais ou sem suas formalidades”; deixar de informar ao Judiciário a prisão em flagrante dentro do prazo de 24 horas; e constranger o preso a “exibir o corpo ou parte dele”, a “submeter-se a situação vexatória” ou a “produzir prova contra si mesmo”.

Ou ainda impedir que o preso fale com seu advogado sem justificativa, grampear ou interceptar telefones sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais.

“A Ajufe rechaça quaisquer medidas que enfraqueçam as garantias da magistratura, em especial aquelas que têm o objetivo de gerar, nos juízes, o receio da punição em desacordo com os trâmites constitucionais e legalmente previstos na Loman”, diz a Ajufe na nota. Ao final do texto, pede para ser chamada para dar sugestões ao projeto.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já enviou o projeto à Comissão Especial de Regulamentação da Lei Federal e da Constituição da Casa. E o presidente da comissão, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), avisou que o texto deve ser discutido na próxima semana.

Segundo o criminalista Marcelo Feller, o receio da Ajufe é exagerado. O projeto não pretende punir a interpretação da lei, apenas os desvios cometidos por autoridades que têm como principal função garantir o seu cumprimento. “Se um juiz diz que uma prova é legal, e o tribunal entende que não, é óbvio que esse juiz não será processado”, afirma.

A coleta de provas de maneira ilegal e o seu uso durante o processo ou inquérito também é definido como abuso de autoridade. O texto, porém, ressalva que a punição (prisão de 1 a 4 anos) só será aplicada aos que o fizerem “tendo conhecimento de sua origem ilícita”.

Na opinião de Feller, ainda que o projeto tenha gerado debates públicos, ele pune situações correntes cometidas pelos órgãos de persecução penal. Por exemplo, o delegado conversar com um suspeito e só depois avisá-lo de que ele tem o direito de ficar calado. O investigado, então, decide exercê-lo. E o delegado diz que, “informalmente, ele confessou o crime”. “Isso é diário. Se você for numa delegacia agora, isso está acontecendo”, diz o advogado.

Outra violação de direitos comum é o policial, durante uma batida, pedir para um dos detidos desbloquear o celular e ligar para os últimos números discados, ou ver as últimas mensagens. É outro crime descrito no novo projeto.

“Faltam mecanismos para punir arbitrariedades”, comenta Feller. “Hoje a responsabilização do agente público recai sobre o Estado. E a gente precisa começar a pensar em maneiras de responsabilizar o agente que comete abusos. Quando um policial inova na cena do crime para prejudicar alguém, é claro que a pena dele tem de ser maior que a do civil que faz a mesma coisa para beneficiar o amigo.”

Leia a nota da Ajufe:

Proposta defendida por Renan Calheiros contra abuso de autoridades ofende garantias da magistratura

O anteprojeto de lei que prevê punições a crimes de abuso de autoridades ofende garantias dos juízes previstas naConstituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura (Loman). A proposição, fruto do PL 6418/09, permite a penalização de magistrados pelo simples fato de interpretarem a lei – o que afeta diretamente a independência judicial.

A criação de Comissão Especial pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), para votar a matéria justamente neste momento de intenso enfrentamento à corrupção no Brasil parece uma tentativa de intimidação de juízes, desembargadores e ministros do Poder Judiciário na aplicação da lei penal em processos envolvendo criminosos poderosos.

A Ajufe rechaça quaisquer medidas que enfraqueçam as garantias da magistratura, em especial aquelas que têm o objetivo de gerar, nos juízes, o receio da punição em desacordo com os trâmites constitucionais e legalmente previstos na Loman.

A independência judicial existe para assegurar julgamentos imparciais, imunes a pressões de grupos sociais, econômicos, políticos ou religiosos. Ela garante que o Estado de Direito será respeitado e usado como defesa contra todo tipo de usurpação. Trata-se de uma conquista da cidadania, que é garantia do Estado Democrático de Direito e essencial à proteção dos direitos fundamentais do cidadão.

As prerrogativas da magistratura são invioláveis porque agem em benefício da sociedade como um todo. Não cabe à lei ordinária restringi-las, nem, mais gravemente, aboli-las.

A Ajufe e os magistrados federais esperam ser convidados para apresentar sugestões e debater publicamente matéria tão importante para o país.

Roberto Veloso Presidente da Ajufe".