SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS IBERO AMERICANOS EM DIREITO CONTITUCIONAL:
“A evolução dos direitos fundamentais e sua eficácia constitucional”.
Conferência proferida em 2013, na Universidade Portucalense, por Sergio Victor Tamer
Alguns trechos, em espanhol, foram extraídos do livro de autoria do conferencista: “Legimitidad Judicial en La Garantía de los Derechos Sociales” – Editora Ratio Legis, Salamanca.
I – A FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
Iniciamos com a seguinte proposição:
1. Podemos dizer que os direitos sociais são direitos fundamentais?
2. Podemos dizer que os direitos sociais são exigíveis judicialmente?
3. Podemos dizer que os direitos sociais são para todos ou somente para os mais necessitados?
Em relação à primeira questão,
1. Alguns autores falam de uma “fundamentalidade gradual”. O que é isso? – Uns direitos são mais fundamentais que outros em função de sua maior ou menor preservação normativa em favor de seu titular e frente ao legislador.
2. Para outros, direitos sociais são direitos sem ação. Isto é, não podem ser exigidos judicialmente.
3. E há ainda quem considere que os direitos sociais não podem ser considerados como autênticos direitos.
Nós partimos da hipótese de que são – os direitos sociais – direitos fundamentais, no mesmo patamar dos direitos de liberdade.
Esse tema nos transporta para a síntese histórica de duas grandes correntes do direito, os direitos de liberdade com os princípios de igualdade material, os direitos de igualdade.
As constituições dos países ocidentais foram moldadas em essa síntese (que aglutina fundamentos económicos, políticos e jurídicos), a partir das inter-relações entre os valores de liberdade e de igualdade.
A premissa básica nos Estados sociais e democráticos de direito reside em não haver liberdade efetiva onde não haja direitos sociais básicos. (Essa é a condição para a promoção kantiana da igualdade de oportunidades.)
Democracia, desenvolvimento e direitos humanos – ainda que não seja possível encontrar plenamente atendidos nos estados contemporâneos, passaram a ser indispensáveis para legitimá-lo.
O princípio da dignidade da pessoa humana ganha destaque, como valor supremo, e passa a ser a fonte por excelência dos direitos fundamentais.
En Brasil, la dignidad de la persona hace parte del Título I de la Constitución – “De los principios fundamentales”. El Título II que trata de los “Derechos y Garantías Fundamentales” se subdivide en dos capítulos. El Capítulo I trata de los “Derechos y Deberes Individuales y Colectivos” mientras que el Capítulo II trata de los “Derechos sociales”. Ambos los capítulos, por tanto, bajo el ámbito de los “Derechos y Garantías Fundamentales”.
La Constitución portuguesa de 1976, que tuvo un gran influencia sobre a brasileira, igualmente establece en su art. 1º que “Portugal es una República soberana, basada en la dignidad de la persona humana”. En la Constitución española de 1978 se lee en su artículo 10.1: “La dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz social”.[1] No podría ser diferente lo que se proclamó, en diciembre de 2000, en la Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea, en su artículo 1: “La dignidad del ser humano es inviolable. Debe ser respetada y protegida”.
Interpretando esa línea de pensamiento constitucional y europeo, o professor JORGE MIRANDA[2] afirma que “de modo directo y evidente los derechos económicos, sociales y culturales comunes tienen su fuente ética localizada en la dignidad de la persona, de todas las personas”.
ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, ex presidente de la Corte Internacional de Derechos Humanos, afirma que los Estados son responsables por la observancia de la totalidad de los derechos humanos, inclusive los económicos y sociales. No hay como disociar – afirma– “el económico del social y del político y del cultural”. [3]
Mas em linhas gerais, sua fonte de legitimação como direito fundamental, além dos princípios constitucionais, está consagrada em Tratados Internacionais.
(1) Para el Pacto Internacional de Derechos Económicos, sociales y culturales de la ONU (1966), hay el reconocimiento de que “estos derechos se desprenden de la dignidad inherente a la persona humana, Reconociendo que, con arreglo a la Declaración Universal de Derechos Humanos, no puede realizarse el ideal del ser humano libre, liberado del temor y de la miseria, a menos que se creen condiciones que permitan a cada persona gozar de sus derechos económicos, sociales y culturales, tanto como de sus derechos civiles y políticos”.
Estando assim situado no campo dos direitos fundamentais, o grande desafio para o constitucionalismo social, segundo FERRAJOLI, é reduzir a distância estrutural entre normatividade y efetividade. Ou seja, dar a máxima eficácia aos direitos fundamentais, em coerência com sua estipulação constitucional.
2. Podemos dizer que os direitos sociais são exigíveis judicialmente?
Ultrapassada a fase da fundamentalidade dos direitos sociais, devemos enfrentar a questão da sua exigibilidade.
Essa questão implica, inicialmente, em saber se o Poder Judicial é legítimo para decidir matéria de políticas públicas, que envolvem recursos financeiros, afetas ao Legislativo e ao Executivo.
Vamos ver, então, de forma exemplificativa, como o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, tem enfrentado essa questão.
2.a. Os obstáculos para a efetivação dos direitos sociais e a posição do Supremo Tribunal Federal no Brasil
Diz o STF:
(a) “siendo el Poder Judicial un órgano que hace parte de la soberanía de un país, su función política y su legitimidad para garantizar los derechos sociales no hieren la esfera de la competencia de los demás poderes;
“la dimensión política de la jurisdicción constitucional” con relación a la cual no puede dejar de “hacer efectivos los derechos económicos, sociales y culturales los cuales se identifican, en cuanto derechos de segunda generación, con las libertades positivas, reales o concretas – a riego de que el Poder Público, por violación positiva o negativa de la Constitución, comprometa, de manera inaceptable, la integridad del propio orden constitucional.”
(b) En relación a la objeción de la reserva de lo posible, el Supremo Tribunal Federal de Brasil asume como válida esa objeción en carácter excepcional y desde que sea objetivamente verificable. Pero en ninguna situación es acepta tal objeción cuando se trata de omisión de políticas públicas que violen la dignidad de la persona humana, dentro de aquel concepto del “mínimo vital” o “estándar elemental”.
(c) Assim, o STF firmou o seguinte entendimento: “Não será legítimo que o Poder Público, mediante manipulação inapropriada de sua atividade financeira e/ou político-administrativa, crie um obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de tornar inviável o estabelecimento e a preservação, a favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – exceto em caso de justo motivo objetivamente verificável – não pode ser invocada pelo Estado com finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, especialmente quando dessa conduta governamental negativa possa resultar a nulidade ou, inclusive, a aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.”
(d) Para o STF, os condicionamentos da “reserva do possível” ao processo de concreção dos direitos sociais se converte em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em razão do Poder Público; e por outro, (2) a existência da disponibilidade financeira do Estado. O binômio “razoabilidade da pretensão” mais “disponibilidade financeira” devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência.
Em outro acórdão, esse da lavra do Ministro Celso de Mello, em “Ação de descumprimento de preceito fundamental” – ADPF, decidiu o STF que:
“É certo que não se inclui, normalmente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judicial – e nas desta Suprema Corte, em particular – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas pois, nesse campo, o encargo reside, primariamente, no Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, não obstante, ainda que em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprir os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, comprometam, com tal comportamento, a eficácia e a integridade dos direitos individuais e/ou coletivos, impregnados de estatura constitucional, ainda que que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.”
Também a afirmação do Ministro Celso de Mello:
“La Justicia necesita actuar cuando el gobierno deja de formular políticas públicas o deja de cumplirlas, especialmente cuando emanan de la Constitución.[4] Así añadió:
“El derecho a la salud representa un presupuesto de casi todos los demás derechos, y es esencial que se preserve ese estado de bienestar físico y psíquico a favor de la población, que es la titular de ese derecho público subjetivo de estatura constitucional, que es el derecho a la salud y a la prestación de servicios de salud.”
Mais recentemente, o STF decidiu restabelecer sentença de primeira instância que determinou a instalação de defensoria pública no Paraná para o atendimento da população que não tem condições financeiras de pagar advogado (AI 598212 –MP do Estado do Paraná). O caso tem origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Paraná. Segundo o ministro Celso de Mello,
“…mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental, tal como tem advertido o STF…”
Segundo o ministro, há entendimento no STF “no sentido de que é lícito, ao Poder Judiciário, em face do princípio da supremacia da Constituição, adotar, em sede jurisdicional, medidas destinadas a tornar efetiva a implementação de políticas públicas, se e quando se registrar, como sucede no caso, situação configuradora de inescusável omissão estatal”.
Los individuos tienen, así, en el campo de los derechos sociales, el derecho a la acción que los capacite para exigir una prestación o, como sanción, el derecho a obtener una indemnización. Corresponde, por lo tanto, al Poder Judicial, investirse de la misma legitimidad de los demás poderes para concretar los fines constitucionales, entre los cuales se insertan los derechos sociales aquí tratados.
O professor CANOTILHO foi muito enfático nesse ponto: “Qualquer norma constitucional deve ser considerada obrigatória ante qualquer órgão do poder político”.
ROBERT ALEXY disse algo semelhante: “De modo algum um Tribunal Constitucional é impotente diante de um legislador inoperante”.
No Brasil deve-se ler: “De modo algum um Tribunal Constitucional é impotente diante de um gestor inoperante ou de políticas públicas precárias ou omissas”.
III – A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
Para responder sucintamente a terceira pergunta em relação à titularidade dos direitos sociais, se são direitos para todos ou somente para os mais necessitados, tomemos como questionamento a posição adotada, entre outros, pelo constitucionalista español PECES-BARBA MARTÍNEZ, que foi professor catedrático da Universidade Carlos III de Madrid.
Para ele os derechos sociales deben ser garantidos solo a los que no tienen condiciones de obtenerlos por sus propios medios. Son derechos que para él:
“intentan poner en manos de los desfavorecidos instrumentos para que, de hecho, en la realidad, puedan competir y convivir como personas con los que no tienen necesidad de esas ayudas. Consideran relevantes las diferencias y, por consiguiente, parten de la discriminación de hecho, económica, social o cultural, para proporcionar instrumentos en forma de derechos a quienes están en inferioridad de condiciones”.
Así, se pretende tratar de manera no equitativa a los desiguales, por lo que los titulares de los derechos sociales sólo deben ser aquellas personas que necesitan el apoyo, y no quienes no lo necesitan.
Creo, en mi opinión, que aquí hay un equívoco de ideas (com todo respeito à opinião de PECES-BARBA) entre titularidad para reivindicar esos derechos judicialmente, es decir, para tener derechos subjetivos à la tutela judicial – y titularidad para ser meramente destinatario como cualquier ciudadano dentro del principio de la universalidad de los derechos.
Ej.: “Si puedo suplir un derecho social con mis propios medios no puedo demandarlos en un juzgado en una acción en contra el Estado.” Pero nadie podrá dejar de tener acceso a los bienes sociales disponibles por el Estado. (Un banquero rico no pode tener su hijo impedido de acceder a una escuela pública o a un sistema público de salud (principio universalidad de los derechos), pero no podrá demandar en contra el Estado (derecho subjetivo) en caso de no tener plaza o escuela o hospital disponible.
6. Para GOMES CANOTILHO, por ejemplo, “todos tienen el derecho fundamental a un núcleo básico de derechos sociales (mínimum core of economic and social rights), en la ausencia de lo cual el estado portugués debe ser considerado infractor de las obligaciones jurídico-constitucionales e internacionalmente impuestas.”
IV – CONCLUSÕES
Vimos que os direitos de liberdade não se efetivam sem a concreção dos direitos sociais. E estes, por sua vez, tem a sua fonte ética na dignidade da pessoa humana.
A garantia dos direitos fundamentais sociais, em seu padrão elementar, a despeito do condicionamento económico que possa existir, torna-se uma exigência do princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e, em última análise, da própria democracia.
A prestação concreta dos serviços públicos essenciais deveria ser compelida, por parte dos tribunais, em face da necessária conjugação de democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Serviços precários ou insuficientes, também.
No Brasil, à luz do que vem decidindo o STF, há direito subjetivo-social, especialmente quanto ao padrão elementar de direitos (mínimo essencial).
Os instrumentos processuais de garantia – a exemplo da ação civil pública, no Brasil – tem sido extremamente importantes para dar consequência ao direito subjetivo de natureza social.
O Poder Judiciário dispõe da mesma legitimidade que os demais poderes para concretizar os fins constitucionais do estado democrático, dentro de sua função típica de poder.
Entendo que um dos grandes desafios que as democracias tem hoje, sobretudo nos estados sociais e democráticos de direito, está focado em garantir, promover e assegurar os direitos sociais, esse importante ramo dos direitos humanos.
Como isso requer um ação efetiva do Estado por meio de um elevado custeio, a gestão pública ganha uma preponderância especial. Há alguns anos Bobbio já dizia que tínhamos passado da fase de proclamar direitos para a ingente tarefa de garantir direitos. E nesse terreno, o Brasil costuma confundir políticas públicas de direitos sociais básicos com mero assistencialismo social.
No Brasil, a falta de efetividade dos direitos sociais decorre tanto da falta de políticas públicas quanto de políticas públicas ineficientes.
Uma última palabra, para lembrar o profesor PAULO LOPO SARAIVA:
“La democracia no se define, se la vive. Y se vive la democracia cuando los derechos fundamentales son garantidos y satisfechos. No hay, pues, democracia, en el sentido pleno de la palabra, cuando esa pauta de derechos no es respetada. La concreción de los derechos y garantías fundamentales explícitos y implícitos en el sistema constitucional solo será posible – ipso tempore – se funcionaren la Corte Constitucional y el proceso específico para interpretación y eficacia del Texto Mayor.” – in “Direitos Fundamentais e Democracia”, Anais da XVII Conferencia Nacional dos Advogados: Justiça: realidade e utopia. Brasília, OAB, Conselho Federal, 2000.
Sergio Victor Tamer, Porto, outubro de 2013.
[1] SSTC 214/1991, de 11 de noviembre (dignidad como límite a la libertad de expresión); 7/1983, de 14 de febrero, y 59/1993, de 15 de febrero (imprescriptibilidad de los derechos fundamentales), y 73/1986, de 3 de junio (interpretación del ordenamiento de la manera más favorable a los derechos fundamentales) – Leyes Políticas del Estado, 22ª ed. act. septiembre de 2004, pág.40, Civitas Ediciones, Madrid.
[2] MIRANDA, ob. cit., Direitos Fundamentais, Tomo IV, 3ª ed., pág. 181.
[3] CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil. Brasília, Editora UNB, 1988, pág. 145