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Juízes estão com dificuldades para implementar a fase de conciliação: novo CPC.

 Juízes ignoram fase de conciliação e descumprem novo código

Novo Código de Processo Civil obriga juiz a marcar audiência de acordo. Magistrados alegam falta de estrutura e até morosidade para pular etapa.

 

 

Alguns juízes do país têm pulado a audiência prévia de conciliação nos processos. A etapa passou a ser obrigatória pelo novo Código de Processo Civil com o objetivo de desafogar o Judiciário, criando uma fase em que as próprias partes podem tentar um acordo antes que a demanda vire um processo.

Nas decisões, os juízes alegam que a conciliação obrigatória atrasa ainda mais o Judiciário e que não há conciliadores e mediadores suficientes para realizar as audiências. A reportagem teve acesso a despachos de vários estados, entre eles São Paulo, Paraná, Espírito Santo e Santa Catarina, e do Distrito Federal.

Em um deles, uma juíza afirma que a audiência pode ser dispensada, pois compete ao juiz “velar pela duração razoável do processo, o que certamente não ocorreria se os autos fossem encaminhados ao Cejusc para agendamento de audiência”.

Os Cejuscs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania) foram criados antes do CPC e passaram a ser uma incumbência dos tribunais estaduais, por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010. Com o novo código, que entrou em vigor em março, a conciliação passa a ser feita preferencialmente nesses locais e é obrigatória em todos os processos em que é possível.

Em outra decisão que dispensou a audiência, um juiz paulista argumenta que a aplicação do novo CPC pode trazer“resultados inconstitucionais”, por isso, “a audiência de conciliação ou mediação deve ser designada apenas nas hipóteses em que, segundo a legislação, não seja possível o julgamento do mérito [final]”. Não existe essa previsão no novo código.

Em outro processo, de Itaquaquecetuba, interior paulista, o juiz deixou de designar a audiência “diante da falta de estrutura do Cejusc”, argumentando que o autor da ação não manifestou vontade expressa de conciliar.

Pelo novo CPC, a audiência acontece mesmo se o autor não manifestar vontade. Ela não se realiza só se as duas partes disserem ser contra.

A reportagemtambém teve acesso a duas decisões de Curitiba, em que juízes alegaram “ausência de conciliador ou de mediador” na Vara e falta de estrutura do Cejusc e também não designaram a audiência de conciliação ou mediação.

Levantamento feito pela Associação de Advogados de São Paulo (AASP) traz relatos de advogados que incluíram nos pedidos a designação da audiência de conciliação, que acabou não realizada. Há também o caso em que o próprio juiz conduziu a audiência, que deveria ser feita sem intervenção do Judiciário.

“Essa é uma grande frustração da nova lei”, afirma o advogado Ricardo Aprigliano, conselheiro da AASP. “As audiências não estão sendo marcadas. O autor entra com ação, o juiz diz que, em virtude da falta de conciliadores, do excesso de processos, da falta de estrutura física, a audiência de conciliação não vai ser marcada. Está pulando uma etapa”, diz.

Mas a questão ainda gera polêmica entre especialistas. Para o advogado Luiz Antonio Ferrari Neto, ainda “é cedo para falar se essa alteração já vai trazer bons frutos”“Para todas as demandas, não sei se vai trazer resultados esperados. Veio a lei e não veio o aparato para dar suporte à lei e acredito que não virá tão cedo, ainda mais com a crise”, considera.

Ele defende que o juiz não marque a audiência caso o autor não tenha interesse e o réu não se manifestar. “A probabilidade de acordo nesse caso é pequena. Aquele tempo de demora da audiência beneficiou o réu. É complicado. Criar a obrigatoriedade não sei se vai mudar a cultura. Vai acabar custando mais caro esse processo”, conclui.

‘Facilitador’

Rubens Cusnir, diretor de uma clínica de diagnóstico por imagem, esperava a audiência de conciliação em um processo por responsabilidade civil, mas o juiz não designou a data.

No processo, a pessoa alegou ter uma doença que não apareceu em um exame feito pela clínica. Em um segundo exame, descobriu-se que se tratava de uma doença congênita (que ocorre no nascimento ou ao nascer).

Para ele, a conciliação “seria um facilitador”, já que o acordo podia evitar que o caso demorasse de dois até oito anos no Judiciário, que é o tempo médio de uma causa como essa. “A chance de fazer acordo é relativamente pequena, mas, dependendo da situação, existe a chance. Eu vejo uma vantagem nisso”, afirma. Segundo seu advogado, se houvesse a mediação diante de uma pessoa habilitada, a questão podia ter sido resolvida sem ir ao tribunal.

Acordo na hora

Uma audiência de conciliação baseada no novo código no Fórum João Mendes, no centro da capital paulista terminou em acordo. A audiência ocorreu na própria sala do juiz, que aguardou as partes conversarem, com ajuda dos conciliadores, sem intervir. Em três horas, os pais de uma criança de um ano e sete meses resolveram uma briga judicial que poderia se estender por anos e já durava pelo menos um sem que o pai pudesse ver a filha. Agora, as visitas estão agendadas.

Walter Furlanete, de 69 anos, é um dos mediadores que atuam no fórum e diz ser "gratificante" o trabalho voluntário."Nosso objetivo é fazer as partes se pacificarem, para que elas cumpram o acordo por vontade própria, e não por imposição do magistrado", afirma. "Teve o caso de um casal que, em três horas, resolvemos 5 processos. Eles até voltaram a tomar café juntos, que era um hábito do casal", conta.

Segundo ele, ainda há preconceito por parte de alguns juízes, mas isso vem mudando a partir do conhecimento de como funciona uma audiência. "No primeiro momento, eles resistem. Já ouvi um: ‘Não quero saber desta porcaria’. Acham que vão perder o tempo deles, porque é uma cultura que se ensina desde a faculdade. Mas nós vamos com jeito e, quando eles veem as partes se conciliando, acabam concluindo que é uma ótima saída", diz.

Posição do CNJ

André Gomma de Azevedo, juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e membro do Comitê Gestor da Conciliação, afirma que ficou surpreso por decisões ocorrerem em São Paulo e no Paraná. “São os estados com mais Cejuscs”, diz. Segundo ele, o que ocorre é exatamente o contrário: muitos conciliadores e mediadores têm reclamado da falta de encaminhamento dos casos pelos magistrados.

Para o juiz, implementar o novo CPC depende de uma cultura de solução de conflitos diferente. “Existe um cadastro nacional que os magistrados podem buscar, tem centenas de mediadores. Inclusive, São Paulo é o que mais tem”, afirma.“Se o juiz está com dúvida, ele deve procurar o Nupemec, que é o núcleo de conciliação do tribunal do seu estado”, orienta.

Já sobre se os magistrados estão descumprindo o código, Azevedo afirma que essa é uma questão que deve ser enfrentada pelo CNJ nos próximos meses. “Na minha opinião, é possível [não marcar a audiência] excepcionalmente, mas só se não cabe o acordo no caso concreto. Quando nada impede, por que jogar fora essa primeira oportunidade de conciliar?”

Para Azevedo, “pode haver uma preocupação com o andamento correto do procedimento por parte do juiz”. “Como tem um terceiro que é um auxiliar da Justiça, alguns têm desconforto de quem vai ser o ‘rosto’ do Judiciário no seu processo. Mas acaba sendo um zelo um pouco mais que excessivo”, completa.

O que dizem os tribunais

Ricardo Pereira Júnior, juiz coordenador do Cejusc Central e membro do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconhece que alguns centros não dispõem de estrutura física para atendimento da demanda, mas diz que essa “não é a regra”. Segundo ele, atualmente há 173 centros no estado e mais 25 postos avançados. O central possui mais de 600 conciliadores e mediadores cadastrados. Em todo o estado, são quase 4 mil. Pereira diz também que foram cadastradas 20 câmaras privadas que podem atender os juízes e que muitos deles estão cedendo o próprio espaço na Vara para a realização das audiências prévias. Afirma ainda que o Fórum João Mendes, o maior da capital, deve destinar quase um andar para a atividade e que a instalação está em andamento.

Em Itaquaquecetuba, cidade onde uma das decisões foi publicada, Rosângela Garcia do Nascimento, responsável pelo Cejusc, afirma que desconhece o despacho, mas que o centro vem recebendo entre 45 a 50 processos por semana e atende totalmente a demanda. “Estamos atendendo, sim. Os juízes estão mandando. Temos 25 conciliadores há três anos e meio aqui. E podemos aumentar conforme a demanda”, afirma. Segundo ela, em breve o Cejusc será transferido, inclusive, para um prédio maior.

O Tribunal de Justiça do Paraná afirma, no que se refere às sentenças dos juízes, que não cabe ao tribunal influenciar as decisões. Diz, no entanto, que existe uma recomendação de se realizar uma tentativa de acordo pré-processual.

Segundo o juiz Fábio Ribeiro Brandão, auxiliar da 2ª Vice-Presidência do TJ-PR, as decisões "desde que devidamente fundamentadas, encontram-se na seara da independência funcional de cada juiz (princípio do livre convencimento motivado)". "Portanto, não há falar em correção ou incorreção, até o presente momento, na interpretação pela obrigatoriedade ou não da realização das citadas audiências, vez que quem sedimentará o entendimento será o próprio Poder Judiciário, no âmbito de sua jurisdição, por seus órgãos julgadores superiores."

Segundo o juiz, o Paraná conta com 33 Cejuscs instalados e mais 19 extensões em universidades/faculdades (total de 52 unidades de atendimento) e prevê instalar nas 45 comarcas de entrância intermediária e nas 87 de entrância inicial até o final de 2016.

Enquanto isso, o TJ lançou a campanha "Aqui tem Cejusc" e há recomendação aos magistrados que "utilizem força de trabalho de seus próprios gabinetes ou secretarias, que podem se submeter às capacitações ofertadas pelo TJ-PR (já foram capacitados mais de 500 servidores no estado) para a realização das audiências/sessões".

 

Fonte: G1