Decisão no STF: pais e padrastos podem pagar a pensão alimentícia de filhos e enteados…
Fixada tese de julgamento que trata de responsabilidade de pais biológicos e socioafetivos
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 898060, julgado na sessão de quarta-feira (21), no qual ficou definido que a existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. A tese fixada servirá de parâmetro para futuros casos semelhantes e para 35 processos sobre o tema que estão sobrestados (suspensos) nos demais tribunais.
A tese fixada estabelece que: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios". Ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, que divergiram parcialmente do texto fixado.
Ao analisar o caso, o Supremo entendeu que a existência de paternidade socioafetiva (ou seja, não biológica) não exime de responsabilidade o pai biológico. Por maioria de votos, os ministros negaram provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 898060, no qual um pai biológico recorria contra decisão que estabeleceu sua paternidade, com efeitos patrimoniais, independentemente do vínculo do alimentando com o pai socioafetivo.
Inúmeros são os motivos que levam as pessoas a relacionar-se e constituir família. Não raras vezes ocorrem gestações não esperadas. Sendo a gravidez planejada ou não, a existência da prole gera a ambos os pais, igualmente, o dever de manutenção e educação da criança.
Em determinadas situações, a criança ou adolescente permanece na companhia de um dos genitores (na maioria das vezes, com a mãe), que pode vir relacionar-se com outra pessoa, a qual, mesmo sem o vínculo biológico, pode assumir a figura paterna/materna daquela criança. Neste papel, assume também a obrigação de manutenção da criança.
No direito brasileiro o dever prestar a obrigação de alimentos (popularmente conhecido como pensão alimentícia) possui previsão constitucional, sendo determinado pelo art. 227 da Carta Magna que é obrigação da família de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, a saúde, alimentação, cultura e lazer.
A matéria encontra seu regramento infraconstitucional na Lei 5.478/68, bem como nos artigos 1694 e seguintes do vigente Código Civil (Lei 10.406/02).
Ao contrário do que pode parecer, a pensão não destina-se somente à alimentação da criança ou jovem. Conforme determinado pelaConstituição, é dever da família proporcionar um desenvolvimento digno e cidadão, para muito além da estrita manutenção da vida do filho.
A Carta Magna usa a expressão “família” para se referir àqueles que possuem esta obrigação. Ao longo das décadas o conceito de família tornou-se mais abrangente e fluído, sendo reconhecidas pelo direito brasileiro diversas configurações de família, como a família monoparental (formada apenas pelo pai ou mãe e filho) ou homoafetiva (formada pela união civil e afetiva de duas pessoas do mesmo sexo), por exemplo.
De igual modo, a família pode ser formada por mãe, padrasto e filho, ou pai, madrasta e filho, e assim por diante. Conforme já dito anteriormente, ao ocupar o papel de padrasto ou madrasta, assume-se a obrigação de manutenção do enteado ou enteada.
Segundo o Relator do mencionado recurso, Ministro Luiz Fux, tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto aqueles originados da ascendência biológica, devem ser acolhidos pela legislação.
Ou seja, a figura do padrasto ou madrasta existe pois é possível constituir vínculos familiares pelo afeto, o que não retira do genitor biológico a obrigação de pagar pensão. Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no mencionado recurso:
O Código Civil de 2002 passou a preceituar, em seu art. 1.593, que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Desse modo, a própria lei passa a reconhecer que a consanguinidade concorre com outras formas de parentesco, dentre as quais certamente se inclui a afetividade.
Como bem exposto, acima de qualquer legislação ou conceito preestabelecido de família, todos têm o direito à felicidade, podendo, nesse contexto, surgir o vínculo entre pai ou mãe e filho ou filha com base no afeto.
Todavia, a existência de um não anula a de outro. Ou seja, ainda que a criança tenha sido criada por padrasto ou madrasta, não se exclui o vínculo biológico do seu genitor e, desta relação emerge a já mencionada obrigação de alimentar.
Portanto, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana e visando atender o melhor interesse da filha ou filho, o direito brasileiro admite a coexistência da paternidade socioafetiva e biológica, podendo recair, conforme o caso, sobre ambos o dever de prestar alimentos em favor do alimentante.
JONAS DE FREITAS – advogado