Argumentos da maioria de 6 votos no STF são relevantes, mas decisão judicial não pode alterar texto da norma, dizem juristas…
Moro afirma que o STF decidiu que o Brasil não é "uma sociedade de castas". Para ele, esperar o trânsito em julgado beneficia apenas os poderosos, que têm advogados para recorrer.
Já para o jurista Lenio Streck, o STF fez política em vez de Direito. O diretor da Faculdade de Direito da USP e advogado José Rogério Cruz e Tucci afirma que a decisão foi tomada com base em argumentos relevantes, mas que apenas o Legislativo teria poder para mudar o que está escrito na Constituição. Outros foram mais longe: "Barbárie cometida com inspiração fascista", disse o advogado e professor Salah Hassan Khaled Júnior.
Lenio Streck, jurista, colunista do Conjur e um dos subscritores da ADC 44
A maioria de seis votos fez política jurídica. Não fez Direito. O STF agiu como poder constituinte. Foram pronunciamentos morais sobre como deve ser o direito penal. Mas isso não compete ao STF. Interessante foi a tese da interpretação conforme a Constituição do artigo 283. Só que foi proposta uma interpretação para colocar o artigo 283 contra e não conforme a Constituição. Uma jaboticaba. Criamos uma Auslegung gegen die Verfassung(interpretação contra a CF)? Agora o STF está numa sinuca: face aos efeitos cruzados de ADC e ADI (artigo 28 da Lei 9.828), o STF terá que dizer que o artigo 283 é inconstitucional. Mas nenhum dos Ministros disse que o artigo 283 era inconstitucional. Ademais, estão erradas as manchetes que dizem que a decisão vincula. Cautelar indeferida de ADC não vincula.
José Rogério Cruz e Tucci, advogado e diretor da Faculdade de Direito da USP
Sempre entendi, a respeito desta importante questão, que o excessivo número de recursos e a consequente demora para se atingir o trânsito em julgado, não é justificativa suficiente para a precoce segregação do réu. A liberdade física e jurídica do indivíduo não pode se sujeitar ao imperativo da duração razoável do processo. Ora, se a questão é atender à exigência ou clamor da sociedade, ou se altera a legislação processual, modificando o conceito de trânsito em julgado (por exemplo: o trânsito é alcançado com o julgamento do recurso extraordinário ou do recurso especial, dependendo da matéria invocada), ou se altera a própria Constituição Federal, estabelecendo-se que a presunção de inocência perdura até haver duas decisões conformes (é o princípio da "dupla conforme", existente em alguns países). A decisão por maioria proferida pelo pleno do STF desponta arbitrária, porque, embora lastreada em argumentos relevantes, ofendem o princípio da presunção de inocência, tal como desenhado na Constituição Federal.
Marcelo Semer, juiz de 2º grau da 10ª Câmara de Direito Público
O ministro Barroso costumava dizer que o julgamento do mensalão foi um "ponto fora da curva" no STF. Na verdade, foi o início da curva. O julgamento de ontem foi o final. A submissão à opinião pública e ao falso "combate à impunidade", pervertem a função primordial do STF que é a de ser guardião da Constituição e fulmina o papel contramajoritário. A bem da verdade, nenhuma novidade, no momento em que "medidas excepcionais", que vulneram direitos, estão sendo justificadas, pela "excepcionalidade" das circunstâncias. O STF sempre teve como função garantir os princípios e, no caso, a regra constitucional. Está optando pela exceção.
Extraído do texto de Fernando Martines (Conjur).