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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A CRIMINALIZAÇÃO DA POLÍTICA

 A CRIMINALIZAÇÃO DA POLÍTICA

 

 

 

João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

 

 

 

A espetacularização da prisão dos ex-governadores do Estado do Rio, políticos tradicionais, detentores de mais de um mandato como chefes do Executivo de unidade de referência da Federação brasileira, pois por anos abrigou a capital da República, e é centro da cultura nacional, leva a observações sobre a presente situação do país, mergulhado em persistente e generalizada crise política. A inteligência nacional pergunta-se: onde estarão as saídas? Os aprisionados, Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, eram pretendentes ao exercício da Presidência da República. O que os levou a condição de denunciados pela prática de delitos graves? O primeiro acusado de participar de rede de desvio de recursos públicos, incriminado na Operação Lava Jato, o segundo, por captação ilícita de sufrágio votos na eleição municipal de Campos.

As imagens da resistência de Garotinho e familiares reagindo à prisão, e de Sérgio Cabral, em trajes de presidiário, foram impactantes, constrangedoras, levando o cidadão comum a indagar-se sobre o estágio a que chegou a política tradicional brasileira, atividade criminalizada, povoada de foras da lei. Ao tempo em que contemplava aquelas imagens, recordava o que me dizia o cônego Antônio Bonfim, meu tio pelo lado materno. Tendo morado na França, e cursado sociologia na Universidade Sorbonne, mencionava o acato dos franceses aos seus homens públicos. O general Charles De Gaulle era venerado pelos compatriotas, mesmo pelos adversários políticos que lhe tinham enorme respeito.

Os primeiros homens públicos conhecidos no Brasil, antes da independência política, eram os funcionários da coroa portuguesa, havidos como corruptos, enganavam o rei de Portugal e os colonos, apropriando-se dos impostos arrecadados. Após a emancipação política, prosseguiram em torno de Pedro I. Adveio a República, apoderaram-se dela por sucessivas gerações. A formulação indica: o problema tem raízes históricas, mas nunca chegou ao atual nível, certamente determinado por causas mais recentes.

Duas são evidentes. A ditadura de 21 anos de duração, negando   a possibilidade da educação e da experiência democrática ás novas gerações, paradoxalmente, a pretexto de combater a corrupção. E o retorno ao Estado Democrático de Direito, com a “democracia de Procon”, transformando a política em balcão de compra e venda de votos.

A representação popular desfigurou-se. O Legislativo não exerce as suas atribuições, o Executivo não governa, sobrando ao Judiciário o espaço de poder restante. Na ciência política, como se sabe, o poder tem horror ao vazio, os seus espaços energéticos são sempre ocupados.

Fala-se, por exemplo, que vivemos tempos de ditadura, em especial do Judiciário. Não compreendo dessa forma. Entendo que o Judiciário ocupa espaços não exercidos pelo Legislativo e pelo Executivo. Sem emitir juízo de valor, é urgente que se façam as reformas do Estado, e as alterações devidas na Constituição Federal de 1988.

Após 28 anos de vigência, ela vem cumprindo seu papel. A mais longeva da história republicana, venceu e superou várias crises institucionais, incluindo a atual, inaugurada com as manifestações de rua desde 2013, com a população protestando nos principais centros urbanos do país. Passou pelo impeachment dos presidentes Collor e Dilma.

Contempla figuras inovadoras como a participação direta da população, pelo plebiscito, referendo, e iniciativa popular de leis, possui mecanismos de reforma, é flexível às alterações necessárias para a promoção das reformas do Estado brasileiro.

A reformulação do pacto federativo, do sistema tributário, da forma de governo, das normas eleitorais e partidárias é urgentíssima. Da forma como está não se fala em administração. Os olhos dos gestores voltam-se para a próxima eleição. A duração dos mandatos, a coincidência das eleições, integram a pauta de ampla reforma constitucional.

Nos anos vinte do século passado, Ruy Barbosa, redator da Constituição de 1891, sentindo que a sua obra não resistiria aos reclamos sociais.  E a verdade da representação política e dos direitos sociais, preconizou reforma constitucional, antes que o povo a fizesse com as próprias mãos. Não foi ouvido. Os tenentes lançaram-se em armas, em sucessivas revoltas, até chegar a Revolução de Trinta.

À época, Ruy, do alto de sua autoridade moral, desejava que tudo se fizesse dentro da Lei. Fez as advertências, mas não encontrou eco entre os políticos tradicionais preocupados com os seus mandatos e negócios. Por ignorância, a história corre o risco de repetir-se. Só que agora o cidadão brasileiro não abre mão do seu protagonismo. Quer o ponto final na criminalização da política.