CECGP
Por Cezar Roberto Bitencourt
Fomos surpreendidos pelo afastamento do presidente do Poder Legislativo, com uma simples liminar, nos seguintes termos:
"Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do mandato de Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de Presidente do Senado o senador Renan Calheiros. Com a urgência que o caso requer, deem cumprimento, por mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão"
O mesmo prurido que teve o eminente relator em não afastá-lo do exercício do mandato de Senador poderia tê-lo também para não afastá-lo do exercício da Presidência do Senado, o qual lhe foi outorgado pelos seus pares em eleição igualmente legítima, até prova em contrário.
Por que, afinal, o senador não poderia estar na linha sucessória? Onde está escrito esse impedimento? Não se está diante de uma excessiva ampliação desse impedimento? Já está sendo considerado condenado? Não haveria, apenas para refletir, o impedimento de assumir a Presidência da República na ausência do atual, acompanhada da ausência do presidente da Câmara, seu sucessor imediato?
Na realidade, estamos querendo dizer que uma coisa é “estar na linha de sucessão da Presidência da República”, e outra coisa completamente diferente, é “assumir efetivamente a Presidência da República”! Ora, esse imbróglio é tão fácil de ser resolvido! Simples: encontrando-se ausentes, o atual presidente e o presidente da Câmara, assumirá o presidente do Supremo Tribunal Federal, em razão de o presidente do Senado encontrar-se impedido, por fato de todos conhecidos: foi recebida, pelo próprio STF, uma denúncia, por maioria, e com sérias ressalvas sobre a ausência de indícios consistentes contra o senador Renan Calheiros!
Sintetizando, em outras palavras, diante da recente decisão do STF — recebendo denúncia criminal contra o Presidente do Senado — referida autoridade está impedida de assumir a Presidência da República como sucessor provisório automático, passando a sucessão presidencial, temporária, diretamente do presidente da Câmara ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Mas, para isso se concretizar, não é necessário afastar o presidente do Senado do mandato legitimo que lhe foi delegado pelos seus pares para comandar o Congresso Nacional, pelo período de dois anos, aliás, os quais acabarão já no início do ano.
Façamos um pequeno exercício de reflexão: quem pode afastar o presidente do Senado? Ora, somente o próprio Senado através de seus mecanismos de controle. Quem tem poder para eleger ou colocá-lo na Presidência é quem pode tomar decisão em sentido contrário, e nenhum dos outros dois poderes da república pode fazê-lo em circunstâncias de normalidade democrática. Essa deve ser, institucionalmente, a relação dignamente respeitosa da separação dos poderes em qualquer Estado Democrático de Direito que se prese. Aliás, pelas mesmas razões institucionais, nenhum dos membros dos Poderes da República pode “tirar” o presidente dos outros poderes.
Na verdade, não há previsão constitucional para o afastamento do presidente do Congresso Nacional (vejam, não se trata simplesmente do presidente do Senado Federal), portanto, o presidente de um dos Três Poderes da República.
Inegavelmente, a democracia brasileira está gravemente enferma, cambaleante, fragilizada, enfraquecida, vilipendiada, a ponto de afastar-se o Presidente do Congresso Nacional, com uma decisão liminar, sob o frágil argumento de que não poderia ocupar a linha sucessória da Presidência por que o STF recebeu uma denúncia contra referido presidente.
Destacamos aqui, embora não fosse necessário, que não nutrimos nenhuma simpatia pelo cidadão Renan Calheiros e tampouco aplaudimos sua postura institucional, enquanto senador, mas como já foi dito, afinal, ele foi democraticamente eleito pelo povo alagoano, e conduzido à presidência da casa pelos seus pares.
Lembramos nesse turbilhão de acontecimentos desencontrados, ilegais, inconstitucionais e contraditórios uma afirmação do ministro Marco Aurélio, para o qual, os poderes da República são Legislativo, Executivo e Judiciário e não o inverso.
Nessa mesma linha de pensamento, destacamos a sempre lúcida manifestação do ministro Marco Aurélio questionando os efeitos da decisão no Habeas Corpus 126.292, que repercutiria diretamente nas garantias constitucionais, pontificou: "Reconheço que a época é de crise maior, mas justamente nessa quadra de crise maior é que devem ser guardados parâmetros, princípios, devem ser guardados valores, não se gerando instabilidade porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida. Ontem, o Supremo disse que não poderia haver execução provisória, em jogo, a liberdade de ir e vir. Considerado o mesmo texto constitucional, hoje ele conclui de forma diametralmente oposta”."
Pois é exatamente essa serenidade reflexiva que o Estado democrático de Direito espera dos membros do STF. A presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios basilares do Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, sendo previsto, pelo artigo 5º, LVII, da Constituição de 1988, que destaca: “Ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória”. Tendo em vista que a Constituição Federal é nossa lei suprema, toda a legislação infraconstitucional, portanto, deverá absorver e obedecer tal princípio. Ou seja, o texto constitucional brasileiro foi eloquentemente incisivo: exige como marco da presunção de inocência o “transito em julgado de sentença penal condenatória”, indo além, portanto, da maior parte da legislação internacional similar.
Não se ignora, diga-se de passagem, que o Estado brasileiro tem direito e interesse em punir indivíduos que tenham condutas que contrariam a ordem jurídica, podendo aplicar sanção àqueles que cometem ilícitos. No entanto, esse direito-dever de punir do Estado deve conviver e respeitar a liberdade pessoal, um bem jurídico do qual o cidadão não pode ser privado, senão dentro dos limites legais.
Ora, os princípios e garantias consagradas no texto constitucional não podem ser ignorados ou desrespeitados e a Suprema Corte está aí para reafirmá-los, defendê-los e impedir decisões que os contrariem, reformando-as ou caçando-as, exatamente o contrário do que fez neste julgamento.