As incertezas de Bauman
João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados
Ao fazer profecias de fim de ano um babalaô cubano assinalou que o ano de 2017 seria mágico para o seu país, os orixás haviam se manifestado, mas com uma condição, que os seres humanos fossem flexíveis, apertassem as mãos, se entendessem. Anos de domínio do materialismo dialético oficial não foram suficientes para demolir as crenças religiosas sincréticas daquele povo, aliando elementos do catolicismo e de cultos africanos. Tal como no Brasil. Ano passado Cuba perdeu o principal líder de sua Revolução, Fidel Castro. Aqui, deu-se o impeachment da Presidente da República, assumiu o vice, enquanto a Operação Lava Jato prosseguiu sob a relatoria do ministro Teori Zavascki desaparecido no acidente aéreo em Paraty.
A condição humana rege-se pela incerteza, pela impermanência. No mundo só se tem uma certeza: tudo muda o tempo todo. Os acontecimentos são imprevisíveis. A cautela do líder religioso cubano é razoável em se tratando de previsões. No campo da política é evidente, as suas instituições não se estruturaram para conduzir as relações com base nesses pressupostos.
Ele também deixou claro: a interdependência de tudo e de todos, que os homens não enxergam, presos aos seus egoísmos e visões unilaterais. Nos Estados Unidos, empossou-se na Presidência da República o milionário Donald Trump. O que parecia impossível ocorreu. Um empresário, sem vida partidária e passagens efêmeras pelas duas agremiações, candidata-se, ataca os políticos de carreira, e elege-se. Os analistas, incapazes de prever o resultado, agora se dão ao trabalho de compreende-lo e interpretá-lo.
A maioria o rotula de populista, direitista, autoritário. O populismo, que se apresentava como fenômeno comum ao subdesenvolvimento latino-americano, frequentemente ligado a lideranças de esquerda, aparece agora nos Estados Unidos, tido como modelo de democracia desenvolvida. E agora?
O líder populista ´busca relação direta com a população, sem a intermediação de organizações partidárias. Desconsidera as instituições estabelecidas do Legislativo, do Judiciário, e a interlocução com a imprensa e os veículos de comunicação, a chamada mídia. Trump estaria no mesmo padrão dos ditadores da América Latina.
Escapando dos padrões tradicionais da ciência política, usados para decodificar o novo Presidente dos Estados Unidos, valho-me de Zygmunt Bauman, o sociólogo polonês radicado na Inglaterra, falecido na Inglaterra, dia 9 passado, conhecido como o “profeta da pós-modernidade”.
Segundo ele, as profundas mudanças nas tecnologias da produção, da comunicação, aprofundaram alterações na mobilidade social, na individualidade, modificando as relações econômicas, políticas, afetivas, profissionais, marcadas por uma crescente fluidez. Não há mais nada sólido, incluindo as instituições que sofrem da mesma liquidez.
Tudo é rapidamente descartado e esquecido. Os homens e as ideias passam pelo mesmo processo de liquidez. Os valores, antes aparentemente sólidos, desmancham no ar. O poder se globalizou, mas a a atuação política se comporta como antes, no plano estritamente local.
As pessoas descreem do sistema democrático porque ele não cumpre as suas promessas, o fenômeno é universal. A situação do pós-Segunda Guerra Mundial em que a democracia era o valor essencial, fundamentado nas Declaração dos Direitos Humanos, vem perdendo validade.
Os conflitos e antagonismos de hoje não são mais entre as classes sociais, e sim, de cada pessoa com a sociedade. Fracassaram os projetos coletivos. Há falta de liberdade e segurança. Vive-se sob a égide do medo, do desemprego, da falência da previdência social, dos migrantes, dos atentados terroristas, da explosão dos presídios. O quadro se repete nos Estados Unidos, na Europa, na América Latina, no mundo inteiro. Vivemos o tempo das dúvidas e das incertezas. O diagnóstico de Bauman é preciso, adiantando, ele não oferece receitas para esses males, prefere ensinar a pensar em caminhos para sair dos impasses.
No após Segunda Guerra Mundial formaram-se lideranças como a do português Mário Soares, falecido dia 10 passado. Lutou contra a ditadura em seu país, acreditou nas possibilidades da Socialdemocracia, quer dizer, no socialismo com liberdade. Embora não seja unanimidade. Não há quem a tenha nessa área. Dele é possível afirmar, assim como em relação a Fidel: pode-se deles divergir, mas não se pode deixar de reconhecer, eram homens de convicções.
Devemos concordar com Bauman, chegamos ao fim da era das convicções, iniciamos a de Donald Trump, de dúvidas e de incertezas.
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