O diagnóstico do Dr. Deltan e a terapia do Dr.Richam
POR FERNANDO BRITO · 05/02/2017
O Estadão de hoje dá amplos espaços para que, montado num diploma de Harvard, o procurador Deltan Dallagnol expanda suas teses sobre a relativização do Direito Criminal, aquela que, para simplificar, faz a convicção superar a prova.
No ótimo texto de Luiz Maklouf Carvalho, Dallagnol diz que não é preciso “um juízo de certeza”, produzido pelas provas, para condenar, bastando ter uma convicção para “além da dúvida razoável”.
Como a “dúvida razoável” é de um completo subjetivismo, a condenação de um cidadão passa a depender, afinal, da natureza do pensamento do juiz.
Esta é, claro, sempre componente da formação de seu convencimento. Mas a materialidade da prova, no Direito Penal mais que em qualquer outro, é a limitação que se faz a amplitude deste arbítrio e, por isso, garante, ao lado da presunção da inocência, não permite a transformação da Justiça em puro arbítrio.
Ou a implantação de uma Justiça Penal regida por valores morais ou político-ideológicos, de quem transposta seus próprios conceitos à ideia de “defender a sociedade”
O que o Dr. Deltan propõe, com a sofisticação teórica harvardiana, nada tem de novo. É praticado há séculos pelo sistema repressivo, do qual a Justiça é o topo.
Um policial que, numa esquina deserta, altas horas da noite, aborda um negro e ele tem, digamos, 300 reais na carteira, um relógio e um bom celular, só terá uma questão “para além dúvida dúvida razoável”: de quem ele roubou aquilo?
Evidente que na esfera judicial isso se reproduz de forma mais sofisticada, mas parte da mesma cadeia de raciocínio, onde o indício é formado a partir de definição de quem detém o poder repressivo de que aquele indivíduo, por ser quem é, tem uma imensa probabilidade de ser autor ou cúmplice de um ilícito.
Alguém aí se lembrou da fábula e do cordeiro?
Vejam o caso do “powerpoint” do próprio Dallagnol.
Como – será que alguém duvida – o objetivo é encontrar uma forma de “pegar o Lula”, toca a juntar indícios.
D. Marisa Leticia, há muitos anos atrás, comprou um apartamento na planta, num condomínio do Guarujá. Não importa se isso possa ser algo normal, perfeitamente dentro das posses do casal presidencial, porque o presidente da República ganha só um pouco menos que o Dr. Dallagnol (que, aliás, investe em imóveis) , este é o indício n°1.
O indício n° 2 é que a obra do condomínio é da OAS, uma das empreiteiras envolvidas nos desvios na Petrobras. Não importa que a OAS tenha este e “zilhares” de outros empreendimentos.
Agora, o mais grave: Marisa e o próprio Lula visitaram um apartamento de cobertura onde se fazia obras, entre elas a colocação de um elevador interno, natural num “triplex”, até porque o valor deste equipamento não vai além de 5% do provável valor de venda de um imóvel do tipo (aqui, no Zap Imóveis, para quem tiver curiosidade, a preços de 2014). Indício n°3.
Como isso é o bastante para formar a convicção dos procuradores, dispensa-se a prova objetiva, que seria qualquer documento ligando o casal Marisa-Lula à propriedade do apartamento, porque, claro, é deles, “para além de qualquer dúvida razoável”
Porque, claro, como Lula foi presidente da república e o país vive, segundo a convicção do Dr. Dallagnol, uma “propinocracia”, o apartamento não só era do casal Lula como, também, obtido como “propina”.
Mas cadê a prova do pagamento de propina?
Não precisa, também, ser objetiva. Basta o fato de terem passado por ele as nomeações de diretores da Petrobras que é o bastante para que não se tenha qualquer “dúvida razoável”.
É a aplicação da ciência jurídica de acordo com a opinião que se tem do investigado, exatamente como aplicou, nas suas mensagens, o tal Dr. Richam, a quem não falta capacidade técnica, mas simplesmente a humanidade a ética que se deveria ter na Medicina ou no Direito Penal, porque vida e liberdade são valores muito próximos.
Mas não se tem: “manda pro Moro, daí já abre a pupila”