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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

O CONGRESSO-GENI E OS EQUÍVOCOS DO STF, por Sergio Tamer…

  

  O CONGRESSO-GENI E OS EQUÍVOCOS DO STF 

 

Sergio Tamer

 

Nossa democracia está mesmo em apuros. Temos uma espécie de “Congresso-Geni”, desses que "são feitos para apanhar e para cuspir" mas que quando vota o orçamento de um dos poderes ou concede vantagens pecuniárias a determinados segmentos sociais momentaneamente vira “bendita-Geni”…Nessa estranha senda institucional, entre apupos e aplausos, mais do que seria habitual e previsível em casos semelhantes, nosso parlamento vai revelando os perigos institucionais de uma baixa legitimidade. Essa intolerável situação se deve em grande parte ao fato de que muitos dos seus membros mais salientes (sem duplo sentido) ou foram presos ou estão sendo acossados pela polícia. 

Como nossa permissiva democracia admite um tal de “presidencialismo de coalização” (uma espécie de “parlamentarismo à brasileira”), passou-se a fazer, nas últimas décadas, mediante conchavos de todas as cores partidárias e de todos os tamanhos, uma espécie de “loteamento” de cargos públicos entre os grupos da chamada “base aliada”. O resultado é que temos um Executivo promíscuo com o Legislativo e ambos passaram a absorver, por igual, o desgaste político imposto pelos fatos e pela opinião pública: um autêntico enlace de náufragos…

Nesse cenário avulta a figura do Judiciário que passou, de forma preponderante, a intrometer-se em matéria eminentemente política, própria, por isso mesmo e por sua natureza, da competência exclusiva do Congresso. Não é de admirar-se que o STF, nesse panorama de escassa legitimidade tenha passado a falar “em nome do povo brasileiro”, ora impedindo, por decisão liminar, uma simples nomeação de ministro de Estado – como fez o ministro Gilmar Mendes no caso do ex-presidente Lula – ora determinando, também por liminar, o afastamento do presidente do senado, como no caso em que o ministro Marco Aurélio Mello exigia a saída do senador Renan Calheiros do cargo, ou quando o ministro Fux suspendeu a tramitação do projeto de iniciativa popular, com o apoio do Ministério Público Federal, denominado de “as dez medidas contra a corrupção”. Ele anulou todas as fases percorridas pelo projeto na Câmara, inclusive as diversas alterações às medidas inicialmente propostas pelo MPF, como a necessária inclusão de punição a juízes e a integrantes do órgão por abuso de autoridade. O projeto foi enviado para os senadores aprovarem, mas, antes de chegar ao Senado, Fux concedeu uma liminar a pedido de um deputado para devolver o texto aos deputados federais. O presidente da Câmara, em fina ironia, disse que “iria aguardar o plenário do STF se pronunciar sobre a matéria”, insinuando que iria deixar o debate, próprio do parlamento, à mercê do Judiciário…Percebendo o equívoco, FUX decidiu arquivar o processo! …

Observa-se, por outro lado, com muita clareza, que terá sido essa “ampliação de funções” aliada à forte pressão de setores mais conservadores da sociedade que levou o STF a quebrar o texto constitucional relacionado à presunção de inocência (uma prerrogativa do Congresso) e a estabelecer a prisão a todos os condenados em 2ª instância ainda que os processos estejam pendentes de recurso nas instâncias superiores. Os exemplos são muitos e se repetem com frequência preocupante. O ministro Barroso, por exemplo, embarcando nessa onda ativista temerária para o equilíbrio institucional, determinou que a Lei Geral de Telecomunicações, aprovada no Senado, não fosse enviada à sanção presidencial até que todos os recursos apresentados fossem apreciados. Dois dias depois o Senado enviou o texto à sanção presidencial ignorando aquela decisão.

 O jurista Ivez Gandra em artigo recente fez a seguinte censura ao STF: “Como operador do Direito há quase 60 anos, não me habituo ao atual protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF), cujos ministros, reconhecidamente eminentes juristas, em vez de "guardiões da Constituição" (artigo 102), não poucas vezes a alteram, criando novas normas"…

Sob a égide da primeira Constituição republicana, Rui Barbosa dizia que “a Justiça não pode conhecer de casos que forem exclusiva e absolutamente políticos, mas a autoridade competente para definir quais os casos políticos e os não políticos é justamente essa Justiça suprema”. O constitucionalismo evoluiu e hoje todos os atos jurídico-políticos sujeitam-se à Constituição e, por consequência, ao exame do Poder Judiciário, o qual tem o poder-dever de velar pela constitucionalidade. Dessa forma, tem-se como premissa que nenhum ato do Poder Público deixará de ser examinado pela Justiça, quando arguido de inconstitucional ou de lesivo a direito subjetivo de alguém. A questão, porém, ilustrada acima e enfaticamente criticada por diversos setores do universo político e jurídico diz respeito a uma espécie de ativismo “às avessas”, consistente em uma interpretação enviesada da Constituição, isso sem falar nos casos em que o STF adentra no conteúdo do ato e valora seus motivos, sob o vago argumento de “interesse público” …

Ao STF compete examinar a legitimidade do ato no seu assento constitucional ou legal, ou seja, quando contraria princípios fundamentais e preceitos constitucionais. Não é o que vem ocorrendo a exemplo das bombásticas, midiáticas e discutidas decisões recentemente tomadas. Isso vale, também, para os demais tribunais de cúpula que seguem parâmetros semelhantes. Os poderes estão em crise e a contenção entre eles tem sido feita na base da “desobediência heroica”. Mas os ministros do STF não podem continuar a agir e a decidir pelo “clamor das ruas” ou pela maciça campanha midiática contra ou a favor de determinado tema. São manifestações legítimas e democraticamente desejáveis, desde que não tenham o condão de autorizar o STF a promover mudanças no texto constitucional. Convicções pessoais não podem emprestar à interpretação da nossa carta política a força que elas não têm diante da norma. A supremacia constitucional é que deverá prevalecer ou estaremos condenados a assistir, por muito tempo, nesse vácuo de legitimidade legislativa e em ambiente de máxima instabilidade jurídica, o Judiciário a invocar as "vozes das ruas" para decidir as questões controversas e a imprimir a direção política do Estado brasileiro! Em outras palavras: com tantas balbúrdias político-jurídicas estamos quase ressuscitando, com inegável ritmo carnavalesco, o famoso samba do imortal Stanislaw Ponte Preta…

 

Sergio Tamer é advogado, presidente do CECGP, doutor em direito constitucional pela Universidade de Salamanca e autor dos livros “Atos políticos e Direitos Sociais nas Democracias” e “Fundamentos do Estado Democrático e a Hipertrofia do Executivo no Brasil” (Fabris Editora, RS, 2002 e 2005)