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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

O Endurecimento Europeu

O ENDURECIMENTO EUROPEU

*por Sérgio Tamer

A onda crescente de rejeição – e repressão – nos aeroportos da Europa (a exemplo do que já ocorria nos EUA) atingindo em cheio aos brasileiros, põe abaixo a nossa auto-estima e nos obriga a algumas reflexões. Afinal, porque os brasileiros são os passageiros preferencialmente barrados pela guarda de imigração européia? Os casos se multiplicam diariamente e a imprensa relata prisões, maus tratos, humilhações e toda sorte de constrangimentos. Até um padre ficou detido e, quando viram que tinha na sua bagagem uma estola e uma túnica, perguntaram se aquilo não era uma "fantasia de carnaval", já que estava chegando do Brasil…

Ninguém escapa desse quadro: turistas, estudantes de intercâmbio, alunos de pós-graduação, professores convidados por instituições congêneres, empresários, todos são igualmente molestados nos aeroportos da Europa, em gradações diversas, desde que sejam, é claro, brasileiros. Mas o que está no fundo dessa estória, que coloca a todos no mesmo nível de suspeita e de não admissão?

A sua parte mais visível é o acentuado aumento da imigração ilegal, a chamada "invasão brasileira", um movimento social que teve início nos anos 80, no período lodacento da denominada "década perdida", quando tivemos estratosféricos índices de inflação combinados com estagnação econômica. Mas e agora que o país cresce e a economia mostra força e estabilidade, o que motiva o aumento desse "êxodo migratório"? A resposta mais simples talvez seja a que esteja mais próxima da realidade: para os trabalhos de baixa qualificação profissional a Europa paga, via de regra, mais do que o Brasil paga para os seus técnicos de nível superior, sobretudo se considerarmos a conversão da moeda. Da mesma forma que o capital se movimenta pelo mundo em busca de oportunidades de lucro, a mão-de-obra também faz a sua movimentação na direção do capital mais rentável. E para o fomento dessa relação entre capital e trabalho inúmeras outras variáveis econômicas têm exercido um papel facilitador, como o acesso, hoje, aos meios de transporte aéreo e de comunicação por um contingente populacional cada vez mais amplo. E isso vale para todas as profissões, até mesmo para a mais antiga delas…Mas como tudo tem um limite, até mesmo nas economias abertas, e uma vez atingido o ponto de saturação, o controle começa a apertar em direção ao país que mais exporta mão-de-obra barata e desqualificada, o Brasil. Por isso a ordem, no momento, pelos fatos presenciados, parece ser: "brasileiros, fora!".

Os números não são precisos por razões óbvias mas as estimativas apontam para um incremento de 166% na presença de brasileiros na Espanha, apenas para tomar como exemplo aquele país. Segundo cálculos do Itamaraty, ali vivem quase 115 mil brasileiros. Desse total, conforme dados do Ministério do Interior espanhol, o número de brasileiros legalizados chega a 30 mil. Assim, feitas as contas, são quase 85 mil brasileiros na ilegalidade. Não é difícil imaginar os problemas que neste momento precisam enfrentar que vão desde o subemprego, dificuldades para alugar imóveis, integração social precária, até outras condições subumanas não menos gravosas, como a ausência de um atendimento médico adequado e de assistência jurídica eficaz, afora o drama da clandestinidade, receio de prisão e deportação iminente, etc. Em 2007, de cada 5 barrados na Espanha 2 eram brasileiros.

O que ocorre hoje na Espanha já se passou em Portugal, Grã-Bretanha e Itália, que nos últimos três anos aumentaram o controle em suas fronteiras fazendo com que os brasileiros desviassem a rota de imigração. Ainda assim, na Grã-Bretanha, os brasileiros são a nacionalidade mais barrada nas fronteiras, há três anos consecutivos. Somente em 2006, 5 mil brasileiros foram impedidos de ali entrar. Contudo, 182 mil conseguiram, naquele mesmo ano, por os pés no país.

Na Irlanda, três universitários brasileiros passaram 48 horas numa prisão comum, ao lado de delinqüentes perigosos. O motivo: não tinham os euros suficientes para os 7 dias pretendidos naquele país, embora cada qual levasse 350 euros em espécie e cartões de crédito com limite acima dos 3 mil (a exigência é de 57,06 euros por dia de permanência, por pessoa, sendo que o montante mínimo é de 513,54 euros. Mas isso tudo, a estas alturas, é apenas pretexto para o bota-fora). Notícias assim têm-se multiplicado às dezenas. A maneira como recusam a nossa entrada, com agressões verbais e injúrias diversas, além de detenções injustificáveis por vários dias, só nos leva a uma conclusão: nós não somos, ainda que por razões diversas, bem-vindos à Europa e, já há algum tempo, aos EUA, para ficar apenas nesses dois exemplos. O crescente fluxo migratório de brasileiros, que partem na ilusão de encontrar um emprego mais bem remunerado explica, apenas em parte, essa recusa ferrenha, mas o temor de que estejamos transferindo a eles a enorme dívida social que pesa sobre as nossas costas (leia-se: miséria e criminalidade), é uma questão subjacente à primeira. E aqui, talvez, resida o ponto principal pelo qual somos repelidos com tanta veemência. O certo, porém, é que esse tratamento hostil é freqüente e, em termos de Europa, já dura desde o ano em que foi criada a "zona euro", agora com a agravante de terem feito uma implementação mais rigorosa, especialmente contra os brasileiros, do "acordo Schengen" (mediante este acordo, os estados europeus suprimiram os controles das fronteiras comuns, potencializando suas fronteiras externas a fim de obstaculizar a imigração ilegal de nacionais de estados que não sejam membros da União Européia). 

O tema da imigração é complexo, atual e apaixonante. Chaplin já retratava, nos primeiros momentos do cinema mudo, todo o drama vivido pelas famílias européias que deixavam o Velho Continente em busca de uma vida melhor na então "terra das oportunidades", os Estados Unidos da América. O filme "Os Imigrantes" é do ano de 1917 mas a história se repete. Os personagens de hoje somos nós, os brasileiros, e a nossa saga se encaixa melhor no título do filme de Hector Babenco, pois agora, viajantes por este mundo, somos os atuais "passageiros da agonia", tal é o pânico, a apreensão e o medo que se apossaram dos que atravessam de avião o Atlântico, ainda que seja para turismo, estudos ou negócios, pois ninguém tem certeza se conseguirá entrar no país europeu ou se será preso e em seguida repatriado. É incrível, mas poderemos ficar presos pelo simples fato de sermos brasileiros. Para os europeus, estamos todos nivelados: somos todos ilegais – e perigosos! 

Sergio Tamer é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca.