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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A Dívida Impagável, por João Batista Ericeira

 A Dívida Impagável

 

 

João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

 

A ninguém é dado ignorar o elevado endividamento do Estado brasileiro. A Constituição Federal dispõe sobre a auditoria da dívida externa, infelizmente até o presente não realizada, para que se possa saber as suas origens e estabelecer os parâmetros de legitimidade de suas cobranças. Mas não é apenas o Estado, a sociedade, as famílias, as pessoas, encontram-se sufocadas pela utilização de cartões, cheques especiais, modalidades diversas de empréstimos, incluindo os consignados. Azucrinados, os devedores batem às portas do Judiciário para discutirem esses contratos, muitos deles leoninos, de adimplemento impossível.

A maior parte do esforço produzido pela economia brasileira destina-se ao pagamento dos juros da dívida externa e interna. O setor público e o privado são reféns das instituições financeiras e bancos, credores de juros inadmissíveis de serem praticados em mercados inseridos em países regidos por regime democrático, submetidos aos valores de respeito à dignidade da pessoa humana. Os economistas de todas as correntes, monetaristas, estruturalistas, convergem para a uma unanime conclusão: o Brasil não voltará a crescer e a desenvolver-se com os juros atualmente vigentes, resultante de memórias de cálculos questionáveis.

No passado, a Igreja Católica condenava semelhante práticas, acoimando-as de usura, capitulando-as como pecado mortal. Recentemente o Papa Francisco manifestou-se sobre esse tipo de escravatura que aflige milhões de pessoas no mundo inteiro.

Como o pobre endividado não pode mais queixar-se aos bispos ou ao papa, resta-lhe bater às portas do Poder Judiciário.  Aumenta a legião dos inadimplentes por conta das escorchantes taxas de juros e encargos incidentes sobre as contas bancárias, após vantagens oferecidas aos correntistas.

Os efeitos sobre o Judiciário são inevitáveis, pela potencialização do número de demandas ajuizadas na primeira instancia, repercutindo na segunda, decorrente do acréscimo de recursos que não param de subir aos tribunais.

Recente informe do Banco de Portugal chamou a atenção para a crescente dívida do setor não financeiro do país, isto é, Estado, famílias, empresas fora da área financeira. Estas como não poderia deixar ser, exibem lucros estratosféricos. O Fundo Monetário Internacional-FMI, zeloso na aplicação das receitas dos banqueiros, temendo o calote, acendeu a luz vermelha para as dívidas das empresas brasileiras.

As fórmulas do FMI, a serviço da banca internacional, quando aplicadas geram efeitos conhecidos e replicados no mundo inteiro: aumento unilateral da taxa de juros e enriquecimento ilícito dos bancos pelo constante exercício da usura. Em termos macropoliticos os resultados são os mesmos: aumento do desemprego; crescimento do trabalho informal; deterioração do salário real; ampliação da fome, da pobreza, da exclusão social; sucateamento dos serviços essenciais de saúde, educação e moradia; incremento da mão-de-obra infantil no mercado de trabalho; elevação dos índices de evasão escolar, e como consequência maior, o desmonte do Estado nacional.

A completa submissão da agenda política dos estados aos interesses da banca financeira, a exemplo do que se vê na atual pauta brasileira, onde se discute apenas: ajuste fiscal, teto de gastos, reforma da previdência, terceirização da mão-de-obra, esta última a pretexto de modernização.

As sangrias provocadas pelo pagamento da dívida externa recebem o nome de novo colonialismo, a repugnar a consciência jurídica internacional, tanto que alguns países pretendem encaminhar o exame de suas dívidas a cortes internacionais como o Tribunal de Haia.

Nas ordens jurídicas internas verifica-se igual tendência para conduzir as dívidas exorbitantes, impagáveis, que ferem o princípio do equilíbrio das relações contratuais e a equidade no tratamento das partes, ao cotejo do Poder Judiciário. Aplicando-se na sua interpretação velhas cláusulas oriundas do Direito Romano, como a “rebus sic stantibus” e a “favor debitoris”.

Não há como se obstruir a via judicial, sob pena de cometimento de graves infrações a ética e a convivência social, tratando-se alguns como senhores e outros como escravos.

Os colegas da Associação Maranhense de Advogados-AMAd pediram-me manifestação acerca de reunião, em que se discutiu com a presença do advogado da Associação Brasileira de Bancos-ABBC, o acesso ao Judiciário dos devedores de contratos bancários.

Seria preferível que a poderosa associação dos banqueiros falasse nos autos dos processos, quando chamada a colação, mas já que prefere o debate público sobre o assunto, façamo-lo, com a condição de que sejam convidados a Ordem dos Advogados do Brasil e as entidades representativas do Direito do Consumidor.

O assunto aflige milhões de brasileiros, respeita a sobrevivência e a dignidade da sua condição humana.

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