Existe a Classe Política?
João Batista Ericeira*
“Os políticos devem representar as classes sociais, jamais se constituir em uma especifica”.
Quase a totalidade da “classe política” brasileira vê-se envolvida em esquemas de propinas e resíduos de caixas de campanhas eleitorais. Estava mais ou menos naturalizada a utilização desses expedientes responsáveis por fortunas advindas do enriquecimento ilícito. Os dados estatísticos são reveladores e contundentes. Envolvem o governo e a oposição. 155 dos 513 deputados da Câmara Federal estão implicados em procedimentos junto ao Supremo Tribunal Federal-STF. 19 dos 26 partidos com assento no Parlamento estão envolvidos em 323 inquéritos e ações penais. 34 senadores são acusados de crimes. 13 deputados acumulam 100 inquéritos e ações penais no STF. Cumpre assinalar que a expressão “ classe política” é herética. Não existe tal categoria na sociologia. Os políticos devem representar as classes sociais, jamais se constituir em uma especifica.
No caso brasileiro, alguns historiadores e cientistas sociais falam de estamentos criados pelo Estado patrimonialista transplantado de Portugal para cá no período colonial. A “classe política” se constituiria em um estamento que se apoderou dos aparelhos estatais, perpetuando seculares privilégios. Seria a forma mais razoável de explicação da categoria inexistente no jargão da sociologia geral. No Império tinham o apelido de “casacas”. Proclamada a República pela mocidade positivista, liderada por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que pôs Deodoro da Fonseca no cavalo, em 15 de novembro de 1889, aumentaram ainda mais as suas regalias e privilégios.
A juventude militar republicana irresignava-se com as “casacas”, sentia-se humilhada em seus brios cívicos. Depôs o imperador Pedro II sem saber que estava aumentando os poderes dos políticos, criando as oligarquias regionais, entre elas, a do café-com-leite, reunindo São Paulo e Minas que controlaria o governo central até 1930. Nos anos vinte do século passado, a jovem oficialidade do Exército rebelou-se nos movimentos contra o governo, chamados de tenentistas. Insurgentes contra os mesmos privilégios, as eleições falsas, feitas à bico de pena. A insensibilidade da “classe política” com a questão social. O ápice seria a derrubada do presidente Washington Luiz e do seu candidato Júlio Prestes, eleito para sucedê-lo pelos métodos da República Velha. À frente do movimento militar assume Getúlio Vargas, o candidato derrotado, apoiado pelos jovens tenentes. Governa 15 anos, e quando se dá o retorno da Democracia pela Constituição de 1946, com as eleições, a velha classe política, que permanecera hibernando nas intendências, retorna com toda a força. Entre 1946 e 1964, durante a Guerra Fria, da disputa entre capitalismo e comunismo, expande-se o populismo de direita e de esquerda, juntamente com ele, os seculares privilégios da “classe política”.
O golpe de Estado de 1964 propunha-se a acabar com eles, a corrupção e a subversão. Após vinte anos de ditadura, e de uma lenta e gradual transição, retorna-se ao Estado de Direito com a Constituição de 1988. Ao longo de quase trinta anos de vigência ampliaram-se os privilégios da “classe política” ao lado da corrupção.
Agora a “classe política” está sendo julgada pela população estarrecida com os propinodutos, e a proliferação de esquemas de corrupção nos órgãos da administração pública em parceria com empresas e bancos. O problema tem raízes históricas. Há algumas diferenças em relação ao passado. O Estado enriqueceu mais. Engordaram as tetas da Fazenda Pública. A internetização, a proliferação das redes sociais, dos canais de televisão, tornou a corrupção mais perceptível pela sociedade.
Outros países enfrentam problemas semelhantes. A França, por exemplo, como reação, elegeu o jovem banqueiro, Emmanuel Macron para a Presidência da República. Ele não integra tradicional a carreira dos políticos. Adotando o mesmo critério houve a renovação de todo o Parlamento. A legislação francesa, mais aberta, permitiu a mudança, ainda difícil para o Brasil, pela adoção de conjunto normativo protetivo dos profissionais. Mas há sinais importantes em nosso país. Para começar, a consciência da cidadania de que a classe política desvia e mantém privilégios com o dinheiro dos impostos pagos pela população. Em São Paulo, o jurista Modesto Carvalhosa lançou movimento unificado para acabar com os políticos profissionais. Algumas dessas renovações poderão ser falsas. De tudo se pode concluir: não há “classe política” do ponto de vista da sociologia. Os privilégios dos estamentos têm que ser revogados. A legislação eleitoral deve abrir-se e flexibilizar-se, permitindo o controle do Estado pela sociedade brasileira.
João Batista Ericeira é professor universitário, sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados e Coordenador do Núcleo de Ciência Política do CECGP