Publicado por Italo Gomes em JusBrasil
Assim que anunciou a vinda de 4.000 médicos cubanos para atuar nos grotões do Brasil, a presidente Dilma Rousseff sabia que ia comprar uma briga, que já vinha se acentuando, com uma das classes de profissionais mais tradicionais da sociedade. Se o problema não era a falta de médicos formados aqui no país, mas, sim, “apenas” uma infraestrutura deplorável nos hospitais e postos de saúde, foram abertas vagas, num verdadeiro despiste para os desavisados, para que os formados no Brasil se candidatassem a ir para os lugares mais remotos para “dar saúde” à população. Como poucos se candidataram, estaria aí a prova que o PT precisava de que faltavam, sim, médicos.
Ao transformar a Medicina – e não a Saúde Pública, que fique claro, pois o médico não trabalha sozinho, precisa de outros profissionais, como enfermeiros, e de estrutura para realizar exames e diagnosticar doenças – na prioridade nacional, em que a contratação de tais profissionais tomou um caráter urgente e emergencial, sem causa aparente, o governo simplesmente deixou de lado os direitos trabalhistas de quem se envolvesse no Programa. Envolto na crescente popularidade que o Programa prometia ter junto às classes menos abastadas, anunciou novamente a vinda de milhares de médicos cubanos (pois já havia desistido uma primeira vez, ou melhor, recuado estrategicamente) num convênio esdrúxulo com o governo de Cuba e a Organização Pan-Americana de Saúde – que, vale ressaltar, já havia sido acordado no início do corrente ano.
Os termos do acordo são de que o Brasil irá repassar o valor referente ao salário de R$ 10.000 por médico para o governo de Cuba, através da OPAS e os Castros se responsabilizarão a pagar seus médicos de acordo com o que sua solidariedade momentânea se dispuser. Para o jurista Ives Gandra Martins:
“o tratamento diferencial fere drasticamente o princípio da isonomia constitucional (artigo 5.º, caput e inciso I) e a legislação trabalhista, pois médicos exercendo a mesma função não poderão ter salários diversos. O inciso XXX do artigo 7.º da Constituição federal também proíbe a distinção de remuneração no exercício de função.”
O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, por sua vez, declarou que os médicos cubanos seguirão a legislação do país deles. Porém, a jurisprudência é pacífica quanto à lei brasileira ser aplicável a profissionais estrangeiros trabalhando em solo nacional. Segundo a Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho:
“A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviços e não por aquelas do local da contratação”
E aí reside o grande entrave jurídico da questão: tais médicos serão regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas ou pelo Estatuto do Servidor Público Federal? Justiça do Trabalho ou Justiça Federal? Há quem diga que, por ter ocorrido uma terceirização irregular – não comprovada -, eles seriam celetistas, ou seja, teriam todos os direitos trabalhistas de um empregado de empresa privada (ou de uma empresa pública ou sociedade de economia mista), porém, em analogia aos próprios médicos brasileiros, eles são servidores públicos contratados do Ministério da Saúde, órgão federal. Como então seriam CLTistas?
Esta é uma pergunta que só será respondida de fato com os primeiros julgamentos das reclamações que ocorrerem no desenrolar do Programa do governo. A princípio, tais profissionais se enquadram na categoria de Estatutários com Contrato Nulo, por não terem sido aprovados em concurso público, tendo somente alguns direitos abarcados pela Justiça do Trabalho, como a diferença salarial em relação ao piso da categoria para os médicos cubanos, que irão receber proventos menores que os outros contratados.
Inclusive, é como servidor federal que o governo trata os outros médicos do Programa em tela, pois se baseia no seu Estatuto para exigir a devolução da Ajuda de Custo no valor do triplo do salário, caso algum médico desista do Programa, prática que seria vedada caso fosse aplicasse a CLT.
Difícil é algum destes cubanos procurar algum direito na Justiça brasileira, pois além de se subjugarem à ditadura castrista, ao fazerem isso, estariam sujeitos a uma extradição – punição já anunciada pelo governo petista, mesmo sendo totalmente irregular caso realizada, pois tal instituto pressupõe suspeita de infração criminal. E aí fica a dúvida: se o acesso constitucional à Justiça fica ameaçado por uma extradição irregular, não estariam tais cubanos aprisionados juridicamente, em condição análoga à escravidão? Vale a pena atentar contra a dignidade da pessoa humana, ainda que estrangeiro, para satisfazer uma necessidade – não comprovada – da população brasileira? Ou seria o Programa Mais Médicos apenas uma necessidade política e eleitoreira?
Dr. Italo Gomes é Advogado em Bacabal-MA. Bacharel em Direito pela UNINOVAFAPI-PI e Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pelo Instituto Verbo Jurídico-RS.