A VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO BRASIL
Reflexões sobre o tema a partir do pensamento de Ives Gandra Martins, Lênio Streck e Salah H. Khaled Jr.
Por Sergio Tamer*
Li recentemente um artigo do professor emérito da Mackenzie, o jurista Ives Gandra Martins, onde ele se dizia, aos 82 anos de idade e 60 na condição de operador do Direito, um cidadão politicamente incorreto…
E explicava então que não conseguia adaptar-se a uma realidade em que “o descumprimento da Constituição e da lei pode ser praticado com aplausos de parte da mídia e de autoridades respeitadas no país”…
Ele não conseguia, dessa forma, habituar-se “ao atual protagonismo do Supremo Tribunal Federal, cujos ministros, reconhecidamente eminentes juristas, em vez de “guardiões da Constituição” (artigo 102), não poucas vezes a alteram, criando novas normas…”
Lembrava ele que “a invasão de competências legislativas é proibida pelo artigo 103, § 2.º, ao prever que nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, declarada a omissão do Congresso, cabe ao Supremo apenas solicitar-lhe que produza a norma….”
Ora, se não pode o Supremo Tribunal “…legislar nessas ações, não o pode também em habeas corpus, mandados de injunção ou quaisquer outros veículos processuais não vocacionados a interferência na função legislativa…”
E para reconhecer que o mal exemplo vem de cima, o emérito jurista relacionou algumas dessas invasões de competência que claramente violam garantias constitucionais. Dentre elas:
1. O STF legislou no caso de prisões de parlamentares por crimes no exercício do mandato, sem autorização da Câmara (artigo 53, § 3.º, da Constituição);
2. Desconsiderou a presunção de inocência, o devido processo legal e o instituto da coisa julgada para permitir a prisão em segunda instância (artigo 5.º, inciso LVII).
3. Criou o STF a obrigação de um projeto de iniciativa popular, assinado por 2 milhões de brasileiros, ser compulsoriamente “homologado” pelo Congresso eleito por 140 milhões de brasileiros, sem alterações!
(Basta lembrar a determinação para anular a votação de projeto de iniciativa popular elaborada pelo Ministério Público contra a corrupção, nos termos em que foi por ele modificado.)
(Por sua vez, o Congresso Nacional, acuado pelas denúncias da "lava jato", não tem coragem de se opor a essa invasão de competências, razão pela qual não tem desobedecido às ordens emanadas daquele Poder, apesar de o permitir o artigo 49 inciso XI da Lei Suprema.)
4. Já o Ministério Público, em que atuam bons juristas, incluídos os do Paraná, em certas atuações cinematográficas tem procuradodesconstituir o instituto universal in dubio pro reo, como se uma investigação bem fundamentada pudesse justificar a pena, mesmo que haja dúvidas. Segundo essa nova interpretação, a dúvida, beneficiaria a acusação, não o réu. Inventou-se algo como in dubio pro sociatatis…
5. Inventou-se também condenações com base em artifícios como “além da dúvida razoável” ou em “convicções pessoais”…
6. Por outro lado, o Ministério Público não deve presidir os inquéritos policiais, função que a Constituição, no artigo 144, § 4º, outorga exclusivamente a delegados de polícia.
O professor Gandra, que nunca quis ser senão advogado e professor, sente-se dessa forma, aos 82 anos, um cidadão politicamente incorreto, pois defende a democracia do voto; da independência e autonomia dos Poderes (e não do desrespeito ao limite de competências); entende também que aAdvocacia e a Promotoria são funções essenciais à administração da justiça, como determina a Constituição (artigos 127 a 135), não sendo o Ministério Público um superpoder sem possibilidade de ser responsabilizado…
No tocante à relativização da presunção de inocência:
“Encontra-se, no momento, em julgamento, perante o Supremo Tribunal Federal, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, na relatoria do ministro Marco Aurélio, uma das quais de proposição do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Nelas, solicita-se que seja declaradoconstitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, por estar rigorosamente de acordo com o artigo 5º, inciso LVII, da Lei Suprema, cláusula pétrea no direito constitucional brasileiro.”
Rezam ambos os artigos o seguinte:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente,em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)…
E o Art. 5º…..
LVII (57)- da Constituição: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (….)”.
Explica o professor Gandra como segue: “Os pedidos de declaração da constitucionalidade dessas normas infra legais (art. 283 do CPP) decorrem da decisão não vinculativa do STF no HC 126.292, admitindo que execução provisória da pena não transitada em julgado após condenação em grau de apelação não ofende o princípio da presunção de inocência e da não culpabilidade. Essa decisão foi tomada por maioria, com quatro eminentes ministros e professores de Direito Constitucional entendendo que tal sinalização feriria um dos princípios fundamentais da Carta Maior brasileira…”
Acresce-se o fato de que decisão anterior do Supremo Tribunal Federal, no HC 83.028 de 2010, só admitira a execução de pena após o trânsito em julgado da decisão.
Não sem razão, o constituinte tornou cláusula pétrea a presunção de inocência, não se justificando que possa o Supremo Tribunal Federal arvorar-se em poder Constituinte originário — já que derivado não poderia ser, diante da cláusula pétrea do inciso LVII do artigo 5º — e declarar que, onde escrito está “será considerado culpado após o trânsito em julgado” deve-se ler “será considerado culpado após decisão de segunda instância”, devendo sua pena ser aplicada desde então…
O seu amigo Ives Gandra, professor João Batista Ericeira, tem todos os méritos e reputação – acadêmica e advocatícia – para demonstrar sua estupefação diante das violações às garantias fundamentais…E o mau exemplo vem de cima…
Veja que “nos últimos anos, um protagonismo tomou conta dos membros das instituições, ao ponto de magistrado de elevada reputação ter afirmado que a Advocacia, no exercício do direito de defesa, atrapalhava….
Segue, assim, o raciocínio de Ives Gandra:
“Não se discute que vivemos em um país extremamente burocratizado e com uma inflação de leis que sufoca o cidadão…
O descumprimento de normas, muitas vezes por mero desconhecimento, passou a ser constante e, a par da corrupção — quanto mais burocratizado um país, mais corrupto ele é —, o abuso do poder coercitivo passou a conviver, simultaneamente, com as normas criadas por poderes sem competência para produzi-las…
O país está, dessa maneira, mergulhado numa insegurança tal, que empresários, tendo confessado serem os mais corruptos da história brasileira — 1.823 políticos teriam sido por eles corrompidos, na sua versão —, foram perdoados e postos a salvo de qualquer punição penal.
Este é, de fato, o momento para promovermos uma reflexão nacional e pugnar para que o STF volte a ser o guardião da Constituição Federal (artigo 102); que o Poder Legislativo não permita invasões em sua competência legislativa pelo Judiciário (artigo 49, inciso XI); que o Ministério Público seja função essencial à administração da Justiça, como o é a Advocacia (artigos 127 a 135), e que cada poder deixe de usar a imprensa tendo por objetivo subjacente a manipulação da pressão social uns sobre os outros…
Em passado recente, o Poder Judiciário e o Ministério Público exerciam com competência e discrição suas funções, não buscando as luzes da televisão e da admiração popular, com o que sempre foram extremamente respeitados.”
Não há Poder Judiciário sem o Ministério Público e a Advocacia.
Nas ditaduras – lembrou aqui na abertura deste magno Congresso o professor Ericeira – há Poder Judiciário e Ministério Público, mas não há direito de defesa contra os governantes…
Dê-se o nome que se queira dar às mais criativas e estapafúrdias teorias, o Poder Judiciário não pode passar de um legislador negativo….
O princípio da harmonia e separação dos poderes, outra conquista do constitucionalismo moderno, está sendo vilipendiado no Brasil tanto por incursões indevidas do Judiciário nas funções legislativas, como do Ministério Público, sobre os representantes da sociedade….
A segurança jurídica é outro princípio essencial (e inerente) ao Estado de Direito.
Sua relação com o princípio da legalidade é constante. Em termos históricos, lembremos da ideia central para o Estado de Direito: um governo de leis e não de homens.
A construção constitucional histórica teve também por fundamento a certeza do Direito. Que é essa capacidade de controlar a insegurança, de dar previsibilidade e estabilidade temporal às regras jurídicas, de busca de unidade do ordenamento e preocupação com sua eficácia.
Os fins não podem justificar os meios…por mais lídimos que sejam os propósitos persecutórios não se pode atropelar o sistema de garantias sob pena de tornarmos ilegítima a aplicação da pena…
Apregoa-se que “interpretar é um ato de vontade”…mas vontade de quem? Do intérprete ou da lei?…
A ex-ministra Eliana Calmon, disse em entrevista:
“Hoje, o Judiciário mudou inteiramente. Todo mundo quer acompanhar o sucesso de Sergio Moro. Os ventos começam a soprar do outro lado. Antigamente, o juiz que fosse austero, que quisesse punir, fazer valer a legislação era considerado um radical, um justiceiro, como se diz. Agora, não. Quem não age dessa forma está fora da moda. Está na moda juiz aplicar a lei com severidade”.
Inaugurou-se, assim, no Brasil, segundo Lenio Streck, a era em queestar na moda é aceitar a tese de que “os fins justificam os meios”.
Em contraponto a esse modismo, digamos assim, jurídico, outro juiz Federal, este desembargador no TRF da 1ª Região, ao dizer que estamos vivendo “tempos histéricos”, teceu a seguinte crítica a seus pares:
“Antes, radical era o juiz que mandava prender. Hoje, o corajoso é o juiz que manda soltar…”
Todos aqui sabem que o garantismo de Ferrajoli sistematiza grande parte dos postulados do Direito Penal de forma consistente, podendo até hoje ser considerado como o produto mais acabado da tradição moderna do conhecimento jurídico-penal.
Outros autores nacionais de grande importância no cenário jurídico-penal vieram se juntar a ele na construção dessa teoria.
Mas, como disse Salah H. Khaled Jr., Doutor e mestre em Ciências Criminais (PUCRS),
O “império contra-atacou”…
“Uma campanha massiva foi deflagrada contra o garantismo pelos punitivistas de plantão. O processo de estigmatização foi tão intenso e bem sucedido que a expressão rapidamente adquiriu conotação pejorativa: a etiqueta "garantista" foi distribuída em grande escala e "garantistas" e "não-garantistas" simpatizantes da teoria e comprometidos com a contenção do poder punitivo foram implacavelmente rotulados e desclassificados. Garantismo e impunidade rapidamente tornaram-se equivalentes para muitos adeptos do senso comum jurídico…frases como "esse é mais um daqueles garantistas", indica um discurso a ser evitado e repudiado. O processo de satanização foi tão bem sucedido que a simples utilização da nomenclatura "juiz de garantias" no projeto do novo CPP bastou para praticamente sepultar a ideia, mostrando o quanto o garantismo havia se tornado objeto de desprezo em terra brasilis: referir o garantismo passou a ser um equívoco estratégico, ou seja, era garantia – perdoe o trocadilho – de derrota em várias instâncias do campo jurídico…”
Isso foi um passo para que muitos autores nacionais abandonassem a postura de contenção ao poder punitivo e se tornassem em uma espécie de “garantistas envergonhados”…
Por outro lado, diz Salah H. Khaled Jr, “se os acadêmicos comprometidos com a contenção do poder punitivo foram progressivamente se afastando do garantismo e/ou pensando para além dele, nos últimos anos um processo absolutamente inesperado ganhou cada vez mais impulso: antigos adversários do garantismo o (re)descobriram e passaram a defender uma interpretação muito peculiar da teoria, que chamam de garantismo integral. Sob essa leitura, ela assume outra conotação: supostamente deixa de estar restrita ao aspecto negativo, ou seja, de contenção, e é chamada a autorizar argumentativamente funções positivas de proteção de direitos fundamentais; é comum que a argumentação conecte garantismo com a leitura da proporcionalidade de acordo com o par: proibição de excesso/proibição de insuficiência, segundo concepção alemã recepcionada no Brasil por número significativo de autores.”
(Com certeza é um fenômeno impensável no início do milênio: os adeptos do garantismo "integral" sustentam que os defensores do que chamam de garantismo penal são responsáveis por uma recepção parcial e inadequada da teoria de Ferrajoli e, curiosamente, reivindicam para si mesmos a condição de intérpretes privilegiados do garantismo.)
O que se constata é que as garantias fundamentais do réu, especialmente no processo penal, estão sendo desprezadas e substituídas por “teorias” de ocasião…
De Lenio Streck:
“O agente do MPF deve ser imparcial. Não pode dizer o que quer. Há uma estrutura externa que deve constranger a sua subjetividade. Essa estrutura é formada pela Constituição, as leis, as teorias da prova, as teorias sobre a verdade, enfim, há uma tradição acerca do que são garantias processuais. E do(s) agentes(s) estatais podemos questionar o uso de “teorias” sobre a prova que o próprio CNMP poderia — se indagadas em concurso público — chumbá-las, porque exóticas. Comparando com a medicina, é como se alguém defendesse a tese de que é possível fazer operação a partir da força da mente. Ou algo exótico desse jaez.”
“O Estado de exceção ocorre quando determinadas leis ou dispositivos legais são suspensos (no sentido de não serem aplicados). Ou seja, alguém com poder põe o direito que acha adequado para aquele — e cada — caso. Quando se suspende uma lei que trata de direitos e essa suspensão não tem correção porque quem tem de corrigir não o faz ou convalida a suspensão, é porque o horizonte aponta para a exceção.”
O professor Lenio Streck elenca alguns tópicos que compõem uma espécie de check list para saber se estamos ou não perigosamente na tênue linha do Estado de exceção. Assim, para o ilustre jurista e professor, pode-se dizer que estamos em Estado de exceção quando:
1. a advocacia se torna um exercício de humilhação cotidiana;
2. indício e presunções viram prova, prova é transformada em uma mera crença e juiz condena réu a longa sentença (reformada) baseado em meros relatos de delatores;
3. faz-se condução coercitiva ATÉ de advogado, em flagrante violação do CPP e da CF;
4. advogado é processado por obstrução de justiça porque aconselha seu cliente a não fazer colaboração premiada;
5. ocorre divulgação (seletiva ou não) de gravações resultantes de intercepções não autorizadas; isto é, quando a GloboNews e o Jornal Nacional sabem antes do próprio réu;
6. arquiva-se, com argumentos de política e não de princípio, representação contra quem procedeu — confessadamente — a divulgação da prova ilícita;
7. ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça confessa que foi conivente com vazamento, sob o argumento de que a ilegalidade era para o bem;
8. o MP faz denúncia criminal considerada por Tribunal Regional Federal como coação ilegal (assim, literalmente) e isso não acarreta repercussão nos órgãos de fiscalização do MP;
9. membros do Ministério Publico e do Judiciário se manifestam em redes sociais (tomam lado) confessando parcialidade e incitando a população contra o Tribunal Superior Eleitoral, face a julgamento com o qual não concordam;
10. agentes políticos do Estado vendem, por intermédio de agenciamento comercial, palestras por altos valores, autopromovendo-se a partir de processos judiciais das quais são protagonistas;
11. ocorre a institucionalização da ausência de prazo para prisões preventivas (há casos de prisões que ultrapassam a dois anos, usadas para forçar delações premiadas e acusados (ou indiciados) “aconselhados” a trocarem de advogado, para contratarem causídicos “especialistas” em delação;
12. juiz constrói um Código de Processo Penal próprio, a ponto de, no bojo de uma sentença de um réu, dar incentivo condicionado à delação de um outro réu, tudo à revelia da lei e do CPP;
13. se institucionaliza a dispensa dos requisitos do artigo 312 do CPP para decretação de prisão preventiva; lei vale menos que o clamor popular;
14. um agente político do Estado troca de lado no combate ao crime: em linguagem ludopédica, é um craque — sai do ataque e vai para a defesa;
15. delações concluídas e homologadas à revelia da legislação, inclusive com cumprimento de penas que-não-são-penas porque não houve julgamento; ou seja, o prêmio da delação premiada é recebido antes do processo;
16. “normalização” do lema “se delinquir, delate” (conforme bem denuncia o jornalista Vinicius Mota): “está aberta a via para um ciclo de delações interminável e potencialmente infernal, porque composto de informações de difícil comprovação”; lambuzamo-nos com o melado recém-descoberto, diz Mota;
17. perigo de se institucionalizar uma espécie de “lavagem de prova ilícita”, isto é, a legitimação de delações sem denúncia e “constitucionalização” da possibilidade de uso de prova ilícita (por exemplo: o sujeito, via prova ilícita de raiz, chega ao MP e faz acordo; com esse acordo, recebe imunidade; depois essa prova estará “lavada” e o judiciário não mais poderá anulá-la);
18. naturalização de decisões que decretam prisões baseadas em argumentos morais e políticos;
19. naturalização de denúncias criminais baseadas em construções ficcionais; enfim, decisões (atenção: o ato de denunciar alguém[1] já é uma decisão) que deveriam ser baseadas no Direito não passam de escolhas baseadas em opiniões morais e políticas;
20. como se fosse candidato a senador ou presidente da república, candidato a PGR diz que precisamos de uma reforma política…, mostrando, assim, que alguma coisa está fora de ordem nas funções estatais;
21. por último, estamos em Estado de exceção Regional (EER) quando todos os itens acima não causam indignação na comunidade jurídica e parcela majoritária dela os justifica/naturaliza pelo argumento de que “os fins justificam os meios”.
Mas Lenio Streck afiança que essa lista pode ser estendida. São sintomas, diz. “Cada um pode fazer a sua. O que aqui foi exposto é simbólico. Tudo começou com o ativismo e a judicialização da política… para chegar ao ápice: a politização da justiça.”
O mínimo que se espera, de fato, de quem aplica o Direito é a imparcialidade e a impessoalidade, elementos que já desapareceram do processo penal.
Mas retornando ao tema central desta fala: o princípio da segurança jurídica pode ser considerado um dos pilares do Estado democrático de direito pois é a forma que a cultura jurídica encontrou, através dos anos, para garantir estabilidade e paz nas relações jurídicas.
Portanto, atingir os alicerces da segurança jurídica e do sistema constitucional de garantias fundamentais é reduzir em muitos valores a escala de nossa democracia. É apequenar a nossa cidadania. E por sua vez, tornar humilhante o exercício da advocacia…
Sintoma maior dessa realidade é a necessidade que todos nós advogados tivemos de formar uma ampla mobilização para que fosse gestada mais uma lei no Brasil – desta feita para criminalizar condutas que atentem contra as prerrogativas da advocacia.
Para os garantistas, que querem conter o furor punitivista do Estado, esse é mais um paradoxo: prisão para os que querem tolher o livre exercício da profissão dos advogados…
Por isso essa será, sobretudo, uma lei reveladora: a de que a nossa cultura democrática está mesmo em apuros…
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Sergio Victor Tamer é Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. O texto acima foi apresentado durante a VII CONFERÊNCIA ESTADUAL DA OAB-MA em 25.8.2017.
As "teorias" mais comentadas no âmbito do processo penal, algumas sem qualquer amparo científico:
In dubio pro societate
“In dubio pro societate”. Com esse jargão em latim, tribunais de todo o país negam recursos de defesa e se recusam a refutar acusações frágeis e absolver réus, muitas vezes produzindo condenações injustas, acusações sem base e prisões em massa no curso do processo. Em suma, pela lógica jurídica dos corredores forenses, afirmar esse “princípio” seria dizer que havendo dúvida de autoria ou de materialidade sobre inocência ou condenação do acusado ou da acusada em algum crime, ela deverá pender “em favor da sociedade”, como se ela estivesse interessada em processar pessoas com provas frágeis.
Curiosamente, como explica o Juiz de Direito em São Paulo e Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie Guilherme Madeira Dezem, o in dubio pro societate é uma afirmação dos tribunais brasileiros, mas que não encontra respaldo na doutrina – isto é, livros teóricos de direito respeitados academicamente – brasileira ou internacional, as quais reafirmam o in dubio pro reo (na dúvida, absolve-se o réu) – “Autores como Mauricio Zanoide de Moraes negam a existência deste princípio in dubio pro societate, sustentando ser o in dubio pro reo a regra até mesmo em casos envolvendo revisão criminal
Teoria da graxa
A teoria da graxa defende a possibilidade de corrupções boas, que são aquelas que de alguma forma beneficia a população. É o clássico político brasileiro que justifica as suas falcatruas com as suas execuções positivas em prol da sociedade, a exemplo de captação de investimentos estrangeiros, obras que empregam muitas pessoas etc.
Portanto, de fato, conforme o gabarito, a assertiva estava correta. Quem ia imaginar, né?
Ademais, conforme extraído do site Justificando:
“A teoria, segundo o teólogo Wagner Francesco, que possui pesquisas em áreas de Direito Penal e Processual Penal, diz que existem corrupções boas, “que são aquelas que ajudam o sistema a se movimentar – pense, por exemplo, em obras públicas que são feitas por mero interesse político. Assim, todo aquele político que ‘rouba, mas faz’, é adepto dela”. http://justificando.cartacapital.com.br/2017/04/03/q
Teoria das janelas quebradas
Por que o vidro quebrado na viatura abandonada num bairro supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo delituoso? Evidentemente, não foi devido à pobreza. Trata-se de algo que tem a ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
Um vidro quebrado numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, faz supor que a lei encontra-se ausente, que naquele lugar não existem normas ou regras. Um vidro quebrado induz ao "vale-tudo". Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores torna-se incontrolável, desembocando numa violência irracional.
2. Teoria das janelas quebradas (broken windows theory)
Começa a ser construída em 1969, na universidade de Stanford, por Phillip Zimbardo. Segundo ele, é uma teoria mais da criminologia do que propriamente do DP. Aquela é uma ciência auxiliar ao DP, que estuda as causas da criminalidade, quais as razões que levam à prática do crime.
Ele abandona um carro no Bronx, em NY, e outro no Palo Alto, Califórnia. Aquele estava completamente destruído, e este intacto. Os pesquisadores estudavam a relação entre pobreza e DP, a pobreza é fator determinante na prática de crimes? Pobreza tem haver com DP? Parece que sim, só que ai veio a ideia, e os pesquisadores quebraram a janela do carro que estava intacto, e logo em seguida ele estava igual ao carro do Bronx. Então, não é a pobreza que leva à prática de crime, e sim a sensação de impunidade. No bairro pobre o Estado está ausente, mas se no bairro rico o Estado se mostra ausente, também haverá crime.
Em 1982, James Wilson e George Kelling, aperfeiçoam esta teoria, segundo eles a criminalidade é muito mais elevada nos lugares de descuido do Estado.
Crimes menos graves também têm que ser punidos, todos os crimes têm que ser punidos. Alguém quebrou a janela da casa, ele tem que ser punido, caso contrário ele vai quebrar a casa inteira. Se não punir crimes menos graves, o delinquente vai praticar crimes mais graves.
Exemplos dessa teoria no Brasil: lei Maria da Penha (11340/2006).
Em 1994, Rudolph Giuliani adota, em NY, a política de tolerância zero, um movimento de lei e de ordem no enfrentamento da criminalidade. Qualquer crime, por menor que seja, será punido.
Teoria dos testículos despedaçados
Teoria dos testículos despedaçados – criada nos EUA, segundo ela, o criminoso que está praticando crimes em determinada área, sai para praticar em outros locais. A polícia fica lhe cercando, perseguindo e aí ele sai para outro lugar.
Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa (fruits of the poisonous tree).
Por esta teoria, retirada da jurisprudência da Suprema Corte Americana [1], as provas processuais decorrentes (frutos) de uma primeira, de caráter ilícito (árvore) estão, do mesmo modo, contaminadas, mesmo que estejam formalmente perfeitas. Desse modo entende o STF.
Exemplo clássico da situação ora em análise é a confissão mediante tortura. Nesse sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues [2]:
“Assim, diante de uma confissão obtida mediante tortura, prova embrionariamente ilícita, cujas informações deram margem a uma busca e apreensão está contaminada, pois decorreu de uma prova ilícita. Existindo prova ilícita, as demais provas dela derivadas, mesmo que formalmente perfeitas, estarão maculadas no seu nascedouro.”
A Constituição Federal, comprovando a sua analiticidade, trata das provas ilícitas:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVI– são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
Até 2008, uma corrente minoritária entendia que o art. 5º, inciso LVI da CFsó vedou a admissibilidade das provas ilícitas no processo penal, não fazendo qualquer referência às provas derivadas desta primeira. Nesse raciocínio, o que a lei não veda, não cabe ao interprete fazê-lo.
O entendimento acima ilustrado entrou em verdadeiro desuso com o advento da Lei nº 11.690/08, que modificou o art. 157 do CPP. Vejamos:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Teoria da tinta diluída
A, mediante tortura, delata B que, posteriormente, é preso. A prisão de B é legal?
Não. Até então, ela seria ilegal por derivação.
Posteriormente, B, diante da autoridade policial competente, confessa a sua autoria delitiva. Nesse caso, a prisão de B passa a ser legal?
Conforme o entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos [3], a prisão de B seria, num primeiro momento, ilegal, verificando-se a clara aplicação da teoria dos frutos da árvore venenosa. Contudo, com a superveniente confissão do acusado, esta passaria a ser legal.
Assim se formou a chamada teoria da tinta diluída, também conhecida como teoria da mancha purgada, conexão atenuada, contaminação expurgada, ou purged taint exception. Para seus adeptos, não se aplica a teoria dos frutos da árvore envenenada se o nexo causal entre a prova ilícita originária e a derivada forem atenuados em virtude de causas supervenientes no curso do processo ou por decurso do tempo.
Como já fora mencionado, não se verifica, até o momento, a aplicação da teoria da tinta diluída na jurisprudência do STF e STJ. Todavia, para alguns doutrinadores, ela encontra amparo legal no art. 157, § 1º do CPP, quando este se refere a excepcionalização da teoria dos frutos da árvore envenenada nas ocasiões em que se não verifique o nexo causal entre a prova ilícita primária e a derivada, sob o argumento de que o nexo causal deixa de existir nas situações em que se aplica a purged taint exception.