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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Ser e parecer ser: a “Mulher do César”, por João Batista Ericeira

 Ser e parecer ser: a “Mulher do César”

 

João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

 

 

À mulher do César não basta ser honesta, precisa também parecer ser. O adágio aplica-se às autoridades públicas de um modo geral, de quem se exige conduta eticamente exemplar. Ocorreu-me a lembrança no meio de polêmicas travadas acerca do comportamento de juízes impedidos ou suspeitos de atuarem em determinados processos. As respostas podem parecer fáceis, contidas que estão nos códigos de processo. Mas não são suficientes. Não implicam em razões unicamente legais, possuem inafastáveis dimensões éticas.

As relações entre o Direito e a Ética são estreitas, a começar pelos círculos concêntricos do filósofo alemão Immanuel Kant, que dava a esta última abrangência maior, estando o Direito nela contido. Estabelecia distinções para efeito desse reconhecimento, por exemplo: a ética é autônoma, unilateral, aplica sanções íntimas. O Direito é heterônomo, bilateral, aplica sanções externas, coercitivas.  Além de reflexões teóricas problemas de ordem prática se impõem.

A sociedade brasileira está eticamente indignada. Percebe que paga um Estado caro, de elevada carga tributária. O dinheiro dos impostos não é devolvido em forma serviços de infraestrutura, de saúde, educação, segurança, transportes. É comunicada diariamente dos esquemas de desvio dos recursos do erário para grupos de privilegiados. Sabe dos elevados salários pagos às carreiras de Estado nas esferas do Legislativo, do Executivo, do Judiciário.

O combate à corrupção é prioritário. A chamada classe política não tem se revelado capaz de responder aos reclamos da população. O clima é de desilusão, de desesperança, ao lado da enorme credibilidade desfrutada pelos atores da Operação Lava Jato.

Nenhuma operação judicial será capaz de redimir o Estado brasileiro em sua inteireza, mas também não é menos verdadeiro, a sociedade não pode perder a confiança e a crença no Judiciário. Este vê-se representado pelos juízes.

Desde o juiz de primeira instância da Justiça estadual até o ministro do Supremo Tribunal Federal, todos são ancoras, representam o sistema judiciário, a merecer o apreço e respeito dos jurisdicionados. A República instituída em definitivo pela Constituição de 1891, tem o Poder Judiciário como a pedra angular de funcionamento das suas instituições.

Contribuir para a descrença no Judiciário e nos juízes é concorrer para o crescimento da violência, da criminalidade, da anarquia, em que a primeira sacrificada será a própria democracia.

A transgressão de um juiz em qualquer instância e circunstância não deve conduzir a generalização do erro a todo o Judiciário, semelhante equívoco deve ser evitado em relação aos membros da advocacia e do ministério público, os órgãos que movimentam o aparelho judicial.

Para tanto, torna-se imprescindível superar ao legalismo tecnicista que na interpretação e aplicação das normas aos casos concretos desconsidera as implicações éticas inafastáveis.

O Direito, como conceito e prática não se desvincula dos valores da ética. Não há como sustenta-lo sem os valores desta última. Nos casos de impedimento e suspeição dos juízes, além da tipicidade prevista nos códigos de processo, se impõe aos magistrados a adoção de conduta que os faça respeitados e com autoridade moral aos olhos da população.   

O poder atribuído aos juízes pela Constituição de 1988, os tornou conhecidos e referenciados pela sociedade, sobretudo os membros do Supremo Tribunal Federal, para quem se encaminhou casos do interesse da cidadania, na esfera pública e na privada, aumentando a responsabilidade institucional e pessoal dos seus julgadores.

De todos os homens públicos se deve exigir comportamento consentâneo com os padrões da decência e da dignidade, evitando posições em que o interesse pessoal possa parecer predominar. Exemplo disso é a Corte Suprema dos Estados Unidos em que as decisões são tomadas após o consenso do colegiado, evitando-se o protagonismo por vezes comprometedor da respeitabilidade da instituição.

A exigência torna-se maior em relação aos juízes, em que os critérios da imparcialidade e da moralidade devem se fazer presentes em todos os atos processuais.  A eles se aplica o maior rigor da reputação requerida a mulher do César, como queriam os romanos.