A eficácia dos princípios constitucionais nas relações privadas: breves considerações do direito civil constitucional
Priscila Fernanda Costa e Silva dos Reis, advogada, mestranda em Direito Público pela Universidade Portucalense e MBA em Direito Civil e Processo Civil pela FGV-RIO.
RESUMO
Com a Constituição da República de 1988, os Direitos Fundamentais passaram a ter uma possibilidade de aplicação e valoração, no qual antes não ocorria. Nesse contexto, a aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações entre privados tem gerando espaço e reconhecimento nas decisões do Judiciário e na Doutrina. Diante do exposto, este estudo objetivou analisar a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Após análise dos trabalhos pesquisados, das referências consultadas conclui–se que os institutos referentes ao tema, devido à ocupação dos espaços públicos por entes privados, surge a preocupação na busca de proteção dos direitos fundamentais. Isto porque, embora o constituinte de 1988 tenha provocado, teoricamente, proteção judicial dos direitos fundamentais, tais recursos tem se demonstrado ineficazes, logo o Estado tem oferecido, apenas, uma garantia de índole institucional, sendo insuficiente para mudança existe na eficácia de tal dispositivo.
Palavras–chave: Direito Fundamental. Direito Privado. Eficácia.
SUMÁRIO
1 |
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………………… 7 |
|
|
2 |
DIREITOS FUNDAMENTAIS………………………………………………………………….. 9 |
|
|
2.1 |
Dimensões do Direito Fundamental …………………………………………………………… 13 |
|
|
3 |
O DIREITO PRIVADO SOB A PERSPECTIVA DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO CIVIL ……………………………………………………………….. 15 |
|
|
4 |
TEORIAS RELATIVAS A APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS …………………………………… 18 |
|
|
4.1 |
A teoria da eficácia horizontal mediata ou indireta dos direitos fundamentais ……………………………………………………………………………………………. 18 |
|
|
4.2 |
Teoria da aplicação imediata …………………………………………………………………….. 18 |
|
|
4.3 |
As teorias alternativas ………………………………………………………………………………. 19 |
|
|
4.4 |
A posição doutrinária e jurisprudência brasileira ……………………………………… 19 |
|
|
5 |
AUTONOMIA PRIVADA E DIREITOS FUNDAMENTAIS: ponderação de interesses ………………………………………………………………………………………………. 24 |
|
|
5.1 |
Atuação dos direitos humanos nas relações privadas …………………………………. 26 |
|
|
6 |
CONCLUSÃO ………………………………………………………………………………………….. 29 |
|
|
|
REFERÊNCIAS ………………………………………………………………………………………. 31 |
|
1 INTRODUÇÃO
Os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal de 1988 estendem–se aos particulares, ainda em forma implícita. Sabe–se que o constitucionalismo clássico envolveria os direitos fundamentais como direitos subjetivos de defesa dos indivíduos exercidos contra o poder do Estado. Ressalta–se que a conjuntura no qual nasceu o constitucionalismo foi modificada ao longo da história. Diante das crises econômicas e sociais, surgiu na doutrina fértil discussão sobre a temática.
Cumpre lembrar que a evolução da sociedade e das novas regras de conduta, exige que o direito fundamental passe a ser o referencial dos denominados Estados de Direito, onde o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados mas também direitos públicos. Nesse sentido o Estado de Direito é compreendido como o Estado dos Cidadãos, no qual a Constituição configura–se como o principal marco delimitador dos direitos, das obrigações e das garantias fundamentais.
Entretanto, raramente a aplicabilidade tem se tornado efetiva nessa relação entre particulares. Diante disso, através de doutrinas e jurisprudência e princípios inerentes a essa relação é que se torna exatamente necessário o estudo da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Os direitos fundamentais não trouxeram uma previsão constitucional de um instrumento de garantia de efetivo exercício de direitos fundamentais nas relações privadas apesar do legislador constituinte originário não ter a intenção de afastar os direitos fundamentais das relações privadas, sobretudo Constituição Federal de 1988, traz no seu texto, de forma explícita ou não, vários dispositivo dirigidos à proteção dos direitos fundamentais, cuja efetividade está voltado ao correto comprimento por parte dos particulares.
Diante do exposto, chegou a seguinte problemática: existe aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas?
No decorrer da história dos direitos fundamentais surgem teorias que buscam explicar a possibilidade de aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas. No atual texto constitucional não existe previsão expressa de um instrumento de garantia de efetivo exercício de direitos fundamentais nas relações privadas. Há ainda um agravante que é o aumento de inúmeros relatos de abusos na relação entre particulares, o que torna–se imperioso buscar soluções nessa falta de aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
A motivação para a realização desta pesquisa ocorre em razão de perceber que raramente se aplica a efetividade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. É com essa concepção que propõe–se a fazer análise da normatividade constitucional do direito fundamental e da sua efetividade na relação privada, tendo por base o avanço extraordinário da legislação vigente que, além de conferir posição privilegiada a esse direito.
Portanto, este trabalho objetivou realizar uma analisar a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
A metodologia empregada no estudo foi do tipo exploratório, através de análise literária, crítica e descritiva, com o intuito de maior entendimento do tema em estudo, com leitura de vasta e importante bibliografia, sendo examinados os dispositivos legais da Constituição Federal, Código Civil, relacionados à matéria. Análise de Legislação Previdenciária vigente, assim como uma avaliação da postura adotada pela doutrina e jurisprudência brasileira, a fim de construir bases jurídicas, sociais, psicológicas de conscientização humana, sólidas para a conclusão satisfatória da pesquisa.
A partir dessa abordagem, o trabalho foi desenvolvido em cinco capítulos distintos, porém interligados entre si. No segundo capítulo que trata sobre o direito fundamental e direito privado, foi devidamente apresentada a sua evolução, o conceito, dentre tais elementos ainda verificou–se essencial tratar sobre os princípios e as dimensões. Coube ao terceiro capítulo expor sobre os fatores de transversalidade entre o direito fundamental e privado. Após essa compreensão, o quarto capítulo se concentra no estudo na atuação dos direitos fundamentais nas relações privadas, demonstrando sua importância no meio jurídico brasileiro. No quinto capítulo serão abordadas as considerações finais do estudo.
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
As análises históricas objetivas ou materiais, em relação às declarações do séc. XIII manifestaram–se na contradição entre o regime da monarquia absoluta, estagnado e degenerado, e uma sociedade nova tendente à expansão comercial e cultural, que se desenvolvia. Sobre esse momento Del Vecchio (apud BONAVIDES, 2007, p. 525) acrescenta: “Mas as suas exigências vitais eram arrebatadas de fazer–se valer diante da legislação e administração; suas atividades eram expostas a arbitrariedades e à opressão jurídica e econômica das classes privilegiadas”.
Foi à doutrina do direito natural de concepção racionalista fundada na natureza racional do homem que fez nascer o fundamento do poder político e do Direito Positivo. Era uma doutrina puramente instrumental e lógica que dava nova concepção ao mundo, ao Estado e à sociedade. Surge, a partir de então, o jusnaturalismo que passou a conduzir a sociedade em função de valores e faculdades inerentes por natureza a todo gênero humano, posteriormente fortalecidas pelo pensamento iluminista.
No século XIX, esses valores foram superados pelo processo histórico–diáletico das condições econômicas que deram origem ao desenvolvimento industrial e ao aparecimento do proletariado, dominado pela burguesia capitalista. Foram essas condições materiais da sociedade burguesa que originaram outros direitos fundamentais, os direitos econômicos e sociais.
Vale ressaltar que na Constituição Federal, compõe os direitos sociais, juntamente com os demais dispostos no artigo 6º assim expressos: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, 1988).
Assim, as políticas fundamentais que são apoiadas em direitos sociais tornam obrigatórias e exigem imediatas medidas do Estado para elevar a condição humana dos titulares desses direitos.
Toda essa amplitude e transformações que sofreram os direitos fundamentais do homem dificultaram a definição de conceitos sintéticos e precisos de direito. As dificuldades aumentaram, segundo os doutrinadores, em função das circunstâncias do emprego de várias expressões para designá–los, tais como: direitos materiais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades públicas, garantias fundamentais e outras.
A primeira referência à direito fundamental, na Carta Constitucional de 1988, está em um artigo específico, que a designa como direito social1. Aliás, a positivação dos direitos sociais foi significativa2 e para se ter a exata medida dessa regulamentação, basta analisar o conteúdo do que seja direito social.
A afirmação dos direitos fundamentais do homem no Direito Constitucional reveste–se de transcendental importância, mas não basta que seja reconhecido ou declarado. É necessário garanti–lo, porque virão ocasiões em que serão discutidos e violados. Rui Barbosa (apud SILVA, 2008) já dizia que uma coisa são os direitos, outra as garantias, por isso devem ser separados no texto constitucional fundamental. As disposições meramente declaratórias são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias são as que agem em defesa dos direitos e limitação do poder.
A Constituição não estabelece essa regra de divisão, nem sequer adota terminologia precisa sobre as garantias. No título II enuncia: “Dos direitos e garantias fundamentais”, deixando para a doutrina pesquisar onde se encontram os direitos e as garantias. O capítulo I desse título traz a rubrica “Dos direitos e deveres individuais e coletivos, não mencionando as garantias, mas a doutrina considera boa parte desses direitos constituir–se garantias”. (BRASIL, 1988).
Hesse (apud SILVA, 2008, p. 20) relata direitos fundamentais visa reconhecer “[…] para garantias, que não contém, em primeiro lugar, direitos individuais, ou, que em absoluto, garantem direitos individuais, não obstante estão, porém, incorporados nos catálogo de direitos fundamentais”.
Iurconvite (2007, p. 02) conceitua:
Os direitos fundamentais são também conhecidos como direitos humanos, direitos subjetivos públicos, direitos do homem, direitos individuais, liberdades fundamentais ou liberdades públicas. A própria Constituição da República de 1988 apresenta diversidade terminológica na abordagem dos direitos fundamentais, utilizando expressões como direitos humanos (artigo 4º, inciso II), direitos e garantias fundamentais (Título II e artigo 5º, parágrafo 1º), direitos e liberdades constitucionais (artigo 5º, inciso LXXI) e direitos e garantias individuais (artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV).
1 Art. 6° – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o la zer, a segurança, a previdência, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
2 Conforme esclarece Duarte (2003, p.31), o artigo 6° (bem como o 5° e o 7°) da Constituição Federal teve forte influência do Pacto Internacional de Proteção dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional de Proteção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1996, bem como de outras constituições como a Alemã, de 1949, a Portuguesa, de 1976, e a Espanhola, de 1978.
Os pressupostos dos direitos fundamentais objetivam criar e manter uma vida na liberdade e na dignidade humana. Porém, Paulo Bonavides (2007) entende que é uma concepção bem ampla, pois existem outras mais restritas, mais especifica e mais normativa como: direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.
Karl Schmitt (apud SILVA, 2008) estabeleceu dois critérios formais de caracterização dos direitos fundamentais. No primeiro, são designados direitos fundamentais todos os direitos ou garantias, nomeados e especificados no instrumento constitucional. O segundo afirma que os direitos fundamentais são aqueles que recebem da Constituição um grau mais elevado de garantias ou de segurança, imutáveis ou de mudança dificultada, alteráveis unicamente mediante lei complementar à Constituição.
Já Marchinhacki (2012, p.170) ressalta que os direitos fundamentais de terceira geração:
[…] trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem–indivíduo como seu titular, destinando–se à proteção de grupos humanos. A atribuição da denominação de direitos de solidariedade ou fraternidade aos direitos da terceira geração, é consequência da sua implicação universal “por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação. Entretanto, há quem veja a efetivação desses direitos com certo ceticismo.
Nesse contexto, os direitos sociais depois de terem atravessado a fase de jurisdicidade, passaram a tornar–se tão justificáveis quanto os de primeira geração, com a aplicabilidade imediata inerentes aos direitos fundamentais. Referidos direitos fizeram nascer à consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo era proteger as instituições que garantem a realidade social, muito mais rica, aberta à participação e à valorização da personalidade do cidadão.
Ressalta–se que para Mendes e Branco (2012), os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando–se, devido a isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi–los (art. 60, § 4º). E os direitos sociais são as liberdades públicas que tutelam (protegem) os menos favorecidos, proporcionando–lhes condições de vida mais decentes e dignas compatíveis com a igualdade real.
Funcionam como legítimas prestações positivas, de segunda geração, vertidas em normas de cunho constitucional, cuja observância é obrigatória pelos Poderes Públicos. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não podem se separar, porque fazê–lo equivaleria a desmembrá–los da razão de ser que os ampara e estimula (BONAVIDES, 2007).
Tais prestações se configuram como positivas porque revelam um fazer por parte dos sociais. Exemplos: serviços escolares, médico–hospitalares, assistenciais, previdenciários, desportivos etc. São normas declaratórias de princípios programáticos, que veiculam programas a serem implementados pelo Estado.
A definição dos direitos sociais acarreta consequências como: ter aplicação imediata (art. 5º, § 1º) e o ajuizamento do mandado de injunção ou a ADO (ação direta de inconstitucionalidade por omissão), sempre que houver a omissão do poder público na regulamentação de alguma norma que preveja um direito social, e inviabilize seu exercício (LENZA, 2012).
A partir de então, descobria–se um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias institucionais. Foi graças às garantias constitucionais que determinadas instituições receberam a proteção para se resguardar de possíveis intervenções do legislador ordinário.
O nascimento desse novo conceito de direito fundamental, vinculado a uma liberdade objetiva, atada a vínculos normativos e institucionais e valores sociais, demanda realização concreta, cujos pressupostos fazem do Estado seu principal artífice. Sobre estes direitos os indivíduos não têm poder propriamente. Os direitos de terceira e quarta geração já consolidados no constitucionalismo contemporâneo não se constituem objeto desta pesquisa, portanto não serão aqui analisados.
No Brasil, a Ordem Constitucional protege a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade de todos que a ela estejam subordinados. Nesta Ordem Constitucional, se incluem os direitos fundamentais.
Os direitos e garantias fundamentais constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU), em assembleia reunida em Paris em dezembro de 1948, da qual o Brasil é signatário.
Em certo sentido, é na comunidade internacional, por intermédio da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que o Brasil se inspirou para elaboração da Constituição Federal de 1988, somando–se a isso as exigências da sociedade brasileira nos direitos fundamentais.
Em relação a esses direitos, o Brasil submete–se a diversos pactos internacionais. Para exemplificar, só na década de 90, tivemos: a Conferência Internacional de Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 1990; a Declaração de Nova Delhi, Índia, 1993; a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo, Egito, 1994; a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, Copenhague, Dinamarca, 1995; a 4ª Conferência sobre a Mulher, Beijing, China, 1995; a Afirmação de Aman, Jordânia, 1996; a 45ª Conferência Internacional da UNESCO, Genebra, Suíça, 1996 e a Declaração de Hamburgo, Alemanha, 1997.
Logo, o direito público brasileiro, expressa–se na faculdade de o individuo exigir da administração pública o cumprimento da prestação dos direitos fundamentais assegurados por norma jurídica.
2.1 Dimensões do Direito Fundamental
Os direitos fundamentais nasceram com a finalidade de assegurar as liberdades individuais das pessoas, exigindo uma ação negativa do Estado, logo é um direito subjetivo. Porém, apesar das origens históricas e seus fins dos direitos fundamentais estarem diretamente relacionadas a uma dimensão subjetiva, questiona–se se esses direitos possuem também uma dimensão objetiva (MARCHINHACKI, 2012).
Couto (2010) afirma que a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais procede da primeira vertente dos direitos modernos, no qual se conclamava a renuncia do Estado em interferir no exercício da liberdade e da igualdade públicas impostos ao indivíduo. Cumpre lembrar, a dimensão subjetiva, sobretudo do modelo de Estado liberal, compete uma função: de proibir as intervenções do Estado na esfera jurídica individual. O mesmo autor relata ainda que:
Registrando que o tratamento das dimensões ou efeitos dos direitos fundamentais não é tão simples quando parece, convém esclarecer que a referência a direito subjetivo, conforme acima referido e tentado deixar claro (em simetria ao status negativo, segundo a teoria dos status de Jellinek), não se confunde com direito a prestação (que se aproxima do status positivo, do referido autor), vez que esse último está exatamente em posição contrária ao direito subjetivo clássico. O direito a prestação busca uma ação positiva do Estado de modo a implementar algo em prol do cidadão. Feita essa rápida referência à dimensão negativa do Estado, no que mais interessa ao presente escrito é exatamente a dimensão op osta à exigência de abstenção do Estado frente ao indivíduo. (COUTO, 2010, p.20)
Nesse contexto, a dimensão objetiva exacerba o dever de proteção aos direitos fundamentais, no qual incide a máxima da proporcionalidade a considerar o grau do dever de tutela estatal suficiente para cada direito fundamental. Marchinhacki (2012, p. 175) ressalta que:
Sabe–se que o direito objetivo é o conjunto de normas de conduta que devem ser observadas por todos, caracteriza–se como o poder de fazer algo. Já o direito subjetivo possibilita que o indivíduo invoque a norma ao seu favor, envolvendo por isso, pelo menos duas pessoas, onde uma poderá exigir o seu direito e a outra terá a obrigação de fazer cumprir o direito. Em razão das origens históricas dos direitos fundamentais, que exigia a não intervenção do Estado nas liberdades individuais, predominou durante muito tempo o entendimento de que o direito fundamental era apenas um direito subjetivo. Entretanto, com o surgimento das novas gerações de direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais e coletivos, percebeu –se que os direitos fundamentais possuem também uma dimensão objetiva.
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais está associada ao Estado Democrático de Direito de acordo com as constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. No Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais servem de norte para a ação dos poderes constituídos impondo limites e servindo de diretrizes para os poderes constituídos.
Segundo Fernandes (2014) o Constitucionalismo Social possui caraterística da dimensão objetiva, pois os mesmo complementa a dimensão subjetiva, além de colocar os direitos fundamentais em um papel importante no ordenamento jurídico. A mesma tem uma função autônoma, que vai além da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, logo seu reconhecimento reforça a juridicidade dos direitos fundamentais, que “[…] como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2013, p. 308).
Entretanto, Paulo Bonavides (2000 apud MARTINS, 2014, p. 03) alega um vasto rol de consequências da atribuição da dimensão objetiva aos direitos fundamentais, tais como:
a) a irradiação e a propagação dos direitos fundamentais a toda a esfera do Direito Privado; b) a elevação de tais direitos à categoria de princípios, de tal sorte que se convertem no mais importante pólo de eficácia normativa da Constituição; c) a eficácia vinculante, cada vez mais enérgica e extensa, com respeito aos três Poderes, nomeadamente o Legislativo; d) a aplicabilidade direta e a eficácia imediata dos direitos fundamentais com perda do caráter de normas programáticas; e) a dimensão axiológica, mediante a qual os direitos fundamentais aparecem como postulados sociais; f) o desenvolvimento da eficácia inter privatos, ou seja, em relação a terceiros (Drittwirkung), com atuação no campo dos poderes sociais; g) a aquisição de um “duplo caráter” (Doppelcharakter; Doppelgestalt ou Doppelqualifizierung); h) a elaboração do conceito de concretização, de grau constitucional; i) o emprego do princípio da proporcionalidade vinculado à hermenêutica concretizante, emprego não raro abusivo; e j) a introdução do conceito de pré–compreensão (Vorverständnis),sem o qual não há concretização.
Diante do exposto, Martins (2014) ressalta que a identificação de normas– princípios é fundamental para promoção dos direitos fundamentais.
3 O DIREITO PRIVADO SOB A PERSPECTIVA DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO CIVIL
Conforme a literatura, o Direito Privado está voltado para regulamentação dos interesses individuais e coletivos, corresponde às seguintes áreas: Direito Civil, dividido nas disciplinas direito das obrigações, direito das coisas, direito de família e direito das sucessões; e o Direito Comercial, dividido em Direito das Sociedades ou Empresarial e Títulos de Crédito (ASCENSÃO, 2001).
De acordo com Ascensão (2001) na área comum entre as várias disciplinas do Direito Privado, tem–se a Teoria Geral do Direito Privado, em que se contém, fundamentalmente, o regime das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos, que por vezes chamada de Parte Geral do Direito Civil, representa o elemento basilar do Direito Privado Moderno, uma vez que constitui o repositório fundamental de conceitos e institutos comuns a seus mais tradicionais ramos, o Direito Civil e o Direito de Empresa, os quais, em uma perspectiva unitarista, encontram sua definitiva comunhão dogmática no direito das obrigações.
Segundo Soares (2008) os primeiros códigos trouxeram técnicas legislativas visando gerar regulamentação geral da matéria de Direito Privado, apesar de ainda ter aproximação com o direito anterior. O primeiro substituído em 1900 pelo Código Civil alemão e o segundo ainda em vigor com modificações inseridas já no limiar do séc. XX.
O mesmo autor ressalta ainda que:
O Código de Napoleão de 1804 sucedeu o Antigo Regime, construindo reforma legislativa por meio da reunião da matéria civilística em único corpo de leis munido das qualidades de clareza, precisão, praticidade dentre outras. Desta feita, influenciando na elaboração dos códigos nacionais do Século XIX na Europa e também nos países latino–americanos, consagrando o movimento da codificação. Nossa herança cultural do Direito Português reforça a adoção da legislação de Portugal na Brasil Colônia até a Independência em 1822, de sorte que as compilações legislativas de regência (Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) tiveram vigência no território que somente após a emancipação jurídica surgiu um movimento para a organização de um Código Civil pátrio. Nesse interregno, as Ordenações Filipinas continuaram em vigor por longo período com modificações pontuais, sendo que a urgência de modernização do nascente direito brasileiro, que demandava sistematização mais adequada à realidade social, contribuiu para incutir nos juristas brasileiros o consenso pela necessidade da codificação civil. (SOARES, 2008, p.15)
Porém, Jobim (2012) relata que a história do direito privado surgiu na Europa, com a redescoberta do Corpus Iuris justinianeu, sendo está uma ciência jurídica europeia que tem seus inícios na alta Idade Média. Segundo o mesmo autor, a influência do Corpus Iuris justinianeu foi um paradigma ao início de um pensamento que balizaria uma linha jurídica na Alemanha.
A ‘recepção’ do direito romano na Europa ocidental e central não constitui senão a expansão espacial deste fenómeno científico e social. Na Alemanha, a recepção foi muito favorecida, depois de certo atraso inicial, p ela dissolução do poder central real e pela crescente pulverização local e corporativa do direito e da jurisdição. Ao mesmo tempo, porém, o encontro com uma cultura jurídica espontânea pouco tocada pelas influências da antiguidade, provocou aqui uma crise de assimilação mais duradoura que na Europa central e meridional. O resultado foi, por fim, uma supremacia quase completa de uma jurisprudência comum e europeia sobre a realidade social da vida jurídica alemã (JOBIM, 2012, p. 2).
Nesse contexto, Leite (2014) afirma que o Código Civil é herdeiro do Direito Romano, disciplinava as relações jurídicas dos dois principais atores da vida civil: o proprietário e o contratante. Já no segundo momento, diante de alguns abusos devido o individualismo que a legislação civil infraconstitucional permitia, foi necessário a atuação do Estado, visando barrar esses abusos e possibilitando a equiparação das partes no trato negocial.
O mesmo autor ressalta que nasce o denominado Estado Social, projetado no Direito Privado, sobretudo através do dirigismo contratual, que se expressava no momento em que o Estado passa a intervir nas relações privadas, através da edição de normas de ordem pública destinadas à proteção do lado mais fraco da relação jurídica.
Não se pode esquecer que o Estado Social tem um caráter complexo, ou seja, ao
mesmo tempo direitos individuais e coletivos. O processo de justiciabilidade é assimétrico e, por isso, não logra universalizar os direitos que devem ser prestados pelo Estado. O Supremo Tribunal Federal tem desempenhado, como órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, um importante papel no sentido de estabelecer critérios para a concretização do Estado Social por meio de demandas (MENDES; BRANCO, 2012). Logo, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a justiciabilidade desse estado, fundamentando suas decisões, basicamente, no postulado da Dignidade da Pessoa Humana.
Ressalta–se que os direitos humanos resultam de um movimento de constitucionalização que começou nos primórdios do século XVIII. Encontram–se incorporados ao patrimônio comum da humanidade e são reconhecidos internacionalmente a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas de 1948.
Contudo, foi na 2ª Grande Guerra Mundial, que os direitos humanos foram efetivamente divulgados e implantados de maneira explícita nas constituições. Neste período todos os povos compreenderam que a preocupação internacional deveria estar voltada tanto para a proteção aos direitos da pessoa humana, após as violências ocorridas no período da guerra, como também para o perigo de ameaça à tranquilidade universal decorrente da instabilidade das relações entre os diversos países.
Cabe enfatizar a explicação dada por Dallari (2004, p. 12–13), apontando que a expressão direitos humanos, pode ser analisada como “[…] uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana” enfatiza ainda que “[…] esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.”.
Diante desse prisma, os Direitos Humanos regulam, as relações entre o Estado e o particular. Portanto, os Direitos Humanos aplicam–se às relações privadas, por causa da Constitucionalização dos Direitos Privados, que asseveram ao Estado poder de administração em assuntos particulares. A literatura ressalta ainda que “[…] tal orientação justifica–se porque não podem os particulares, com amparo no Princípio da Autonomia de Vontade, afastar–se livremente do dever imposto a todos de respeitar os direitos e as garantias constitucionais” (SILVA; BONIFÁCIO, 2012, p. 110).
4 TEORIAS RELATIVAS A APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃOES PRIVADAS
4.1 A teoria da eficácia horizontal mediata ou indireta dos direitos fundamentais
Foi desenvolvida inicialmente na doutrina alemã e tornou–se a concepção dominante no direito germânico, sendo até hoje seguida pela maioria dos juristas e pela Corte Constitucional Alemã. (SARMENTO, 2006).
Tal teoria, ainda que apresente a mesma gênese teórica da vertente da eficácia imediata, onde os direitos fundamentais, além de estabelecerem direitos subjetivos públicos oponíveis ao Estado, também são uma ordem de valores que irradia efeitos em todas as esferas do direito é tida como uma construção intercessora entre a que meramente nega a conexão dos particulares e aquela que ampara a incidência direta e imediata destes direitos na esfera privada (SARMENTO 2006).
4.2 A teoria da aplicação imediata
Tal teoria descreve que a aplicabilidade dos direitos fundamentais ocorre de maneira imediata nas duas vertentes desta teoria, ou seja, que da mesma forma como são aplicados nas relações entre o Estado e os cidadãos, são aplicados também nas relações interparticulares, sem intermediação legislativa (SILVA, 2008).
O pensamento acerca da vinculação direta de particulares aos direitos fundamentais teve na obra de Hans Carl (apud SARMENTO, 2006) a sua gênese histórica, onde o autor apresenta a tese de que os direitos fundamentais têm resultados absolutos e, por isso, não necessitam de intercessão legislativa para serem aplicados às relações entre privados.
Cumpre ainda destacar que, o autor justifica o seu pensamento com base na escolha constitucional pelo Estado Social, onde implica no reconhecimento de que as violações aos direitos fundamentais não proveem apenas do Estado, mas também de terceiros em geral, pelo o que compete a incidência deles nas relações privadas no anseio da justiça social material.
Sarmento (2006) acrescenta ainda que, não é imprescindível nenhum instrumento para infiltrá–los, como as cláusulas gerais, porquanto possuem natureza de direitos subjetivos dos cidadãos, podendo ser oponíveis tanto aos poderes públicos como aos particulares.
4.3 As teorias alternativas
Sobre tal teoria, é de se simples e fácil reconhecimento saber que esta trata de uma variação das teorias acima expostas. De certa maneira podemos subdividir a teoria da eficácia mediata e imediata, em teoria dos deveres de proteção e na teoria da convergência estadista.
Assim, a teoria dos deveres de proteção consiste em afirmar que os sujeitos de Direito Privado não são destinatários de normas dos direitos fundamentais, enfatizando ainda, que o Estado além de obrigado a abster–se de violar os direitos fundamentais, também deve protegê–los diante de possíveis lesões provenientes de particulares (SARLET, 2006).
Portanto, os deveres de proteção estão consubstanciados na obrigação do legislador, tanto ao fazer as leis reguladoras das relações jurídico–privadas, quanto ao juiz, ao resolver o conflito entre particulares.
Há quem defenda a referida teoria, assumindo que está é preferível em relação às outras, pois, ao direcionar os direitos fundamentais apenas para o estado, impede uma interposição à autonomia privada e, como resultado, no tem–se o esvaziamento do Direito Privado, além de evitar a outorga exagerada de poder ao Judiciário.
Sarlet (2006) persiste ainda no argumento de que não se pode meramente eliminar os particulares como destinatários de direitos fundamentais nas relações estabelecidas entre si, o que configuraria óbvia contrariedade à disposição constitucional da eficácia imediata dos direitos fundamentais, além de que auferir ao Estado o dever de proteção acabaria por lhe conferir atribuições excessivas que, por vezes, não seriam desincumbidas.
Por sua vez, a teoria da convergência estadista imputa as violações aos direitos fundamentais diretamente ao Estado, ou seja, não há uma equiparação entre o ato praticado pelo privado ou pelo público, mas o entendimento de que a responsabilidade de qualquer ato violador de direitos fundamentais é estatal.
4.4 A posição doutrinária e a jurisprudência brasileira
Está disposto no ordenamento pátrio, a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares, no qual garante ao indivíduo o pleno exercício de seus direitos fundamentais, ressaltando que não se deve ser exercido com abuso de direito. Minholi (2012) cita o Recurso Extraordinário 201.819–8, que analisou à eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, no qual a União Brasileira de Compositores (UBC) inseriu recurso extraordinário com a finalidade de reforma do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, invalidando o ato de exclusão de associado, por não ter conferido a ele o principio constitucional da ampla defesa, como se pode observar abaixo:
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações
entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA
PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico –constitucional brasileira não
conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princíp ios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO–ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO.
As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não–estatal. Supremo Tribunal Federal Diário da Justiça de 27/10/2006 RE 201.819 / RJ A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no cas o concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (STF – RE: 201819 RJ, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 11/10/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 27–10–2006). (BRASIL, 2006).
Na época do recurso, a ex–ministra Ellen Gracie era relatora, deu provimento ao recurso, alegando que as associações privadas tem autonomia para desenvolver suas regras e os associados tem que seguir tais normas, contudo considerando o cumprimento do estatuto, o associado não poderia ter seu título anulado. Diante do exposto, Minholi (2012, p. 20) afirma que “no constitucionalismo clássico, incabível seria a evocação dos direitos fundamentais para a solução de um conflito entre particulares”.
Nesse contexto, existem na literatura outras jurisprudência acerca da incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Como podemos observar na jurisprudência o Recurso Ordinário, RE 158215 RS, relatado pelo Min. Marco Aurélio, o Pretório Excelso proferiu que ato de exclusão praticado no âmbito de entidade privada não se sonega à observância do direito fundamental, logo visa assegurar a ampla defesa:
DEFESA – DEVIDO PROCESSO LEGAL – INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS – EXAME – LEGISLAÇÃO COMUM. A
intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal
direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne–se necessário, até mesmo, partir–se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito – o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA – EXCLUSÃO DE ASSOCIADO – CARÁTER PUNITIVO – DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe–se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. (STF – RE: 158215 RS, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 30/04/1996, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 07–06– 1996). (BRASIL, 1996).
As jurisprudências brasileiras reconhecem o meio de defesa idôneo dos direitos fundamentais, não visando a individuo/Estado, como já foi falado no capítulo anterior, mas também, sua na relação entre particulares. Sabe–se da autonomia privada, no qual suas limitações encontram–se na ordem jurídica, não pode ser exercida com prejuízo aos direitos e garantias de outros entes impostas pela Constituição Da Republica Federativa do Brasil (MINHOLI, 2012).
Pode–se citar outra jurisprudência, ocorrida entre funcionário brasileiro e a empresa aérea Air France, no qual o recorrente contestava o direito à isonomia salarial em relação aos empregados de origem francesa, ocasionando Supremo Tribunal Federal a declarar a eficácia do direito fundamental à igualdade naquela relação entre particulares:
CONSTITUCIONAL. |
TRABALHO. |
PRINCÍPIO |
DA IGUALDADE. |
TRABALHADOR |
BRASILEIRO |
EMPREGADO |
DE EMPRESA |
ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F.,
1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. – Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. – A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg) – PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. – Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. – R.E. conhecido e provido (STF – RE 161243/DF – 2ª Turma – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 19/12/1997). (BRASIL, 1997).
Nesse contexto, podemos ressaltar também a Apelação Civil do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA. SOCIEDADE COOPERATIVA. ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. ALTERAÇÕES ESTATUTÁRIAS. MODIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE PARA OS CARGOS DIRETIVOS DA SOCIEDADE COOPERATIVA. LIMITES DA AUTONOMIA PRIVADA. EFICÁCIA DOS DIREITOSFUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES ENTRE PARTICULARES. REVISÃO JUDICIAL DO TEOR DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. AFERIÇÃO DE
PROPORCIONALIDADE. 1– As violações a direitos fundamentais não se verificam
tão–somente no âmbito das relações entre o indivíduo e o poder es tatal: ocorrem, também, no contexto das relações entre particulares, razão pela qual os direitos fundamentais , mormente aqueles assegurados pelo texto constitucional, também se destinam à proteção dos particulares, em face dos poderes privados. 2- Decorrência lógica da constatação de que os direitos fundamentais produzem efeitos também nas relações entre privados é a possibilidade de apreciação, pelo Poder Judiciário, do teor das deliberações tomadas, por organizações de particulares, no exercício de seu poder de auto–gestão, em prejuízo de direitos fundamentais de que sejam titulares os seus membros, sem que tal configure afronta ao princípio da autonomia privada, do qual constitui consectário a autonomia das associações lato sensu consideradas, entre as quais as sociedades cooperativas. 3- A nova redação do Estatuto Social da cooperativa ré ofende o conteúdo básico do direito dos cooperativados a concorrer a Presidente e a Vice–Presidente do Conselho Administrativo, ao exigir que, para tanto, ocupem, antes, outros 03 (três) cargos diretivos, quais sejam, Coordenador de Núcleo, Conselheiro Fiscal e Conselheiro Administrativo. Alteração dos critérios de elegibilidade que limita de modo desproporcional o direito a ser votado, considerado o postulado da proporcionalidade em sua tríplice partição: (a) necessidade; (b) adequação; e (c) proporcionalidade em sentido estrito. Não –atendimento aos elementos da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. (TJ–RS – AC: 70047611736 RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Data de Julgamento: 06/06/2013, Décima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/06/2013). (RIO GRANDE DO SUL, 2013).
A interpretação acima exposta vai ao encontro da eficácia horizontal imediata dos direitos fundamentais (direito ao lazer e à desconexão), fazendo jus o reclamante ao tempo à disposição sempre que ficou em sobreaviso. A decisão abaixo, nos revela que a conduta foi relevantemente ofensiva aos direitos da coletividade, sendo favorável à eficácia horizontal dos diretos:
DANO MORAL COLETIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. TERCEIRIZAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RESPONSABILIZAÇÃO DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS. CONDUTA RELEVANTEMENTE OFENSIVA A DIREITOS DA
COLETIVIDADE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1) A livre iniciativa é fundamento
do Estado Democrático de Direito, e sua coexistência com o valor social do trabalho, no inciso IV, do art. 1º, da Constituição, revela que a atuação da empresa deve ser norteada pela finalidade social, pois o lucro não é um fim em si mesmo ou bem que se possa alcançar abstratamente, uma vez que, como todas as coisas humanas, deve retirar a sua matéria da sociedade, que institui a convivência entre os homens e orienta–se pela realização do progresso e bem estar da coletividade. 2) O contrato de terceirização não ocasiona a isenção da responsabilidade da empresa que transfere a atividade de que necessita para expandir a sua prestação de serviços, pois se a redução de custos permite a ampliação de seus investimentos, ela não pode excluir a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nem retirar a obrigação constitucional de cumprir com a sua destinação social. 3) Comprovada nos autos a conduta relevantemente ofensiva a direitos da coletividade, bem como ao princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser parcialmente deferida a indenização por dano moral coletivo postulada pelo Ministério Público do Trabalho, a ser revertida em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador, n os termos previstos nos arts. 13 da Lei 7.347/85, e 11, V, da Lei 7.998/90. (TRT–1 – RO: 00679007620045010302 RJ,
Relator: Rogerio Lucas Martins, Data de Julgamento: 08/07/2015, Sétima Turma,
Data de Publicação: 16/07/2015). (BRASIL, 2015).
Apesar da exposição acima revelada, é válido destacar que, a importância que se dá ao fenômeno do poder privado para a defesa dos direitos fundamentais nas relações privadas não implica dizer que estes direitos se sobreponham apenas nas relações com tendência desigual, mas, sim, que a existência de uma relação assimétrica, pela presença de um poder privado, é um elemento a ser observado.
5 AUTONOMIA PRIVADA E DIREITOS FUNDAMENTAIS: ponderação de interesses
Cumpre sopesar nesse capítulo que, se não há prerrogativas dos direitos fundamentais sobre a ordem jurídico–privada por certo, havemos de considerar que também não há como negligenciar a existência de fortes motivos a sustentar uma natureza qualitativamente diferenciada.
Retomando o critério dos destinatários para pormenorizar as normas definidoras que dão a distinção entre o direito fundamental e o direito privado, isto é, daqueles que se encontram vinculados (na condição de obrigados), percebe-se, algo que curiosamente ainda não tem sido satisfatoriamente enfrentado no seio da doutrina constitucional, qual seja a distinção entre denominada eficácia “vertical” e “horizontal” dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado. No entanto, tal distinção, tal elemento será oportunamente destacado nos capítulos seguintes.
O que se observa é que, dentro do propósito transversal proposto pelo presente
capitulo, surge o binômio – direito publico e direito privado. No entanto, apesar dessa visão clássica do entendimento destes direitos, cabe esclarecer aqui que, não há como fugir da necessidade de se proceder a nova delimitação, já que não se poderá desconsiderar a existência de um aspecto material3 e processual do problema4 (SARLET, 2006).
Ainda sobre a investigação da problemática que envolve os direitos fundamentais e sua eficácia no campo das relações privadas, também há de se considerar que o rol dos direitos fundamentais é acessível, existindo os direitos fundamentais atípicos5, que, mesmo não elencados explicitamente dentro do corpo da Constituição, são detentores de fundamentalidade tanto quanto os que estão taxativamente dispostos. Nesse intento, também cabe questionar se somente os direitos fundamentais explícitos seriam aplicáveis nas relações privadas, ou se também se pode considerar validas as relações advindas dos direitos fundamentais implícitos.
3 Acerca do aspecto material, destacamos a problemática da existência, ou não, de uma conexão entre os sujeitos particulares aos direitos fundamentais, bem como de averiguar qual a magnitude e a forma como essa conexão ocorre.
4 Sobre o aspecto processual, trata–se dos meios processuais que tornam efetivos os direitos fundamentais nas relações interprivadas, proporcionando especial destaque, a dificuldade da possibilidade do particular, via ação judicial, opor–se diretamente a eventual violação de direito fundamental seu por parte de outro particular.
5 A doutrina aceita outras nomenclaturas identificando também como sendo os direitos fundamentais apenas não redigidas expressamente no “local” específico do texto constitucional destinado aos direitos fundamentais, dentre elas: direitos fundamentais materiais não formais, direitos fundamentais sem assento constitucional, direitos fundamentais não enumerados, direitos fundamentais não positivados, direitos fundamentais extravagantes, direitos fundamentais atípicos etc.
O pensamento dominante entre os estudiosos do constitucionalismo é de que há um rol exemplificativo dos direitos fundamentais. Este pensamento ganha notoriedade quando são observadas diversas alterações constitucionais aditivas, modificações estas que são praticadas com o intento de acolher, novas conquistas da coletividade, ganhos estes decorrentes de mudanças sociais, culturais, políticas ou econômicas (MARTINS–COSTA, 2006).
A fundamentalidade originou a abertura do rol constitucional para direitos materialmente fundamentais e que ainda não foram positivados. O que se percebe sinteticamente, é que existe um progresso do elenco de direitos que apresentam esta natureza jurídica.
Toda essa preocupação em dispor acerca da nomenclatura e característica da
fundamentalidade se mostra relevante para o presente estudo, por que foi justamente o acúmulo progressivo de direitos fundamentais e das nomenclaturas e características destes que propiciou a sua ocorrência nos seios das relações entre os particulares (GONÇALVES, 2007).
Contudo, as diversas terminologias acima apresentadas são ainda consideradas secundárias, uma vez que, o que se faz realmente essencial é a uniformidade doutrinária e jurisprudencial no sentido de acolher a ideia de constante inserção do rol dos direitos fundamentais. A partir desta incontestável conclusão, que trata do rol aberto dos direitos fundamentais, é que o trabalho ora apresentado, pretende discorrer sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Gonçalves (2007) nos aponta outro elemento determinante para a validade dos
direitos fundamentais no trato entre os particulares diz respeito à tese, hoje atuante, de que eles apresentam duas dimensões a saber: a) a dimensão subjetiva, que é clássica, incidindo na abstenção do estado de intromissão na vida dos cidadãos (os direitos fundamentais como direitos de defesa) e; b) a dimensão objetiva, apresenta o cunho prestacional, onde cabe ao Estado não apenas respeitar os direitos intrínsecos ao seu elemento subjetivo (povo), mas também deve evitar que quaisquer outros indivíduos o façam.
Revela–se a intenção de citar a transversalidade dos Direitos Fundamentais e Direitos Privados na busca de uma constante aprendizagem na área de conhecimento, principalmente analisando os seus reflexos como ponto estratégico diante do exercício e da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas (GONÇALVES, 2007).
Para entender transversalidade citada no presente trabalho, basta afirmar que o assunto – Direitos fundamentais, perpassa muitas outras áreas do direito, e que entende–se também como uma forma ampla de trabalhar os Direitos fundamentais. É inegável que o estudo dos direitos fundamentais tem merecido, da doutrina constitucionalista, um papel de relevo. É igualmente inegável que um dos fatores primordiais para este destaque é a sua expansividade e a conseguinte necessidade de se tecer considerações sobre os “novos” direitos fundamentais.
5.1 Atuação dos direitos humanos nas relações privadas
No presente capítulo, far–se–á uma pontual abordagem sobre um tema relevante para o estudo apresentado – atuação dos direitos Humanos da nas relações privadas.
O tema em questão terá como base uma concepção hermenêutica do Direito, onde interpretação e aplicação estão intrinsecamente ligadas, fazendo parte do processo de concretização do Direito e somente sendo possíveis diante do caso concreto e de seu contexto.
Far–se–á, num primeiro momento, uma abordagem sucinta do tema para, em seguida, tratar da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, finalizando com a demonstração das jurisprudências acerca deste tema.
Se faz oportuno fazer ainda breve explanação sobre o emprego da expressão “eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas”. Esta expressão de nota, a afirmação de que esses direitos conectam também os sujeitos privados; ou seja, em linhas gerais cabe dizer que, esses direitos são passíveis de serem invocados e aplicados em determinada situação em que não esteja presente o poder estatal.
Ainda é oportun esclarecer que a dificuldade da eficácia dos direitos fundamentais em relações privadas não se configura sempre. Esta situação só ocorre realmente como tema em algumas situações, em outras, estes direitos são aplicados nas relações privadas sem maiores questionamentos. Cumpre salientar, por outro lado, também em certas circunstâncias, que não é cabível falar dos direitos fundamentais nas relações privadas, sequer da eficácia deles.
Acerca do exposto acima, se faz pontual exemplificar que, há alguns direitos fundamentais que, não resta duvida sobre sua aplicabilidade nas relações privadas. Assim, podemos citar: a situação em que ocorre indenização por dano moral e o inevitável direito de resposta (inciso V do art. 5º da CF de 1988); outro exemplo clássico trata da maior parte dos direitos fundamentais dos trabalhadores, como o gozo de férias anuais remuneradas (inciso XVII do art. 7º da CF de 1988). Já em outras situações, existem direitos fundamentais que somente são aplicados ao Estado, não havendo qualquer possibilidade de um privado violar tais direitos. Exemplificando: a proibição de juízo ou tribunais de exceção e o direito do brasileiro nato de não ser extraditado (previstos respectivamente nos incisos XXXVII e LI do art. 5º da CF de 1988).
Diante da sucinta explanação é necessário contextualizar em que situação se encontra a violação dos direitos fundamentais. O questionamento que se faz é – como proteger a pessoa humana diante do poder, se ocorrer arbitrariedade. O que se encontra como resposta a tal questionamento está diretamente relacionado ao caráter histórico desse elemento. A arbitrariedade do poder apresenta–se de maneira distinta ao longo do processo histórico e, sendo assim, a forma de se proteger a pessoa humana também terá que levar em conta os momentos históricos em que ocorreram.
Sobre essa afirmação exposta acima, cumpre ainda expor que os intérpretes e aplicadores do Direito paulatinamente tomam consciência das mudanças que dão ensejo ao contexto atual que mostram que o fenômeno do poder nem sempre estão ligados à esfera estatal, cabendo, assim, a novos sentidos para os direitos fundamentais, que são considerados como “trunfos frente ao poder”.
Os legisladores não podem se fixar no pensamento liberal dos direitos fundamentais, que solidificou o sentido desses direitos impedindo privando–os de fundar não só as relações individuo–Estado, mas, também, as relações entre privados. Ora, o que se percebe é que a doutrina e a jurisprudência têm verificado que, em muitos momentos, não é o Estado o “opositor” frente aos direitos fundamentais, mas, sim, sujeitos privados, especialmente quando estão dotados de poder (social ou econômico) que se apresentam como “inimigos” desses direitos. Apesar disso, se pensarmos que as sociedades e Estados Democráticos de Direito apresentam certo cunho social, o Estado jamais deve atuar como inimigo e sim como uma espécie de protetor dos direitos fundamentais, mesmo porque a maioria destes direitos apenas se realizam por meio da intervenção estatal.
Após tais assertivas, sobre a propositura de que sujeitos privados podem ser potenciais inimigos dos direitos fundamentais cresce a preocupação quando o fenômeno da globalização, sob o caráter neoliberal, confere sérias restrições ao poder estatal e aumenta, de forma gradual, o poder das grandes entidades privadas. Cabe frisar, que o poder, nas sociedades capitalistas, pode ser caracterizado como a capacidade que um sujeito tem de restringir ou eliminar a liberdade de outra pessoa, não se encontra limitado apenas no Estado, mas sim está revelado nas diversas relações sociais.
É de se ter presente a lembrete que Machado (apud BRIGIDO, 2013) nos faz na introdução à obra “Microfísica do Poder”, de Michel Foucault, onde o autor afirma que Foucault, com sua genealogia do poder, evidenciou a escassez da ciência política ao limitar ao Estado sua investigação sobre o poder. O autor ainda enfatiza que Foucault tornou evidente uma relação de antítese entre Estado e poder, comprovando várias relações de poder (poder é relacional) que não são absorvidas ou criadas pelo Estado, apresentando–se assim, como uma das formas mais características de aparecimento do fenômeno do poder nas relações sociais.
Enfim, cumpre enfatizar que o poder sempre esteve presente nas relações privadas do capitalismo, muito embora, com as recentes mudanças econômicas e sociais esse poder privado tenha se expandido e acentuado sua capacidade de conduzir condutas públicas e privadas.
No entanto, apesar dessa pretensa “condução” das condutas, o Estado vem demonstrando sinal de enfraquecimento. Contudo, este enfraquecimento de seu poder na atualidade não pode dar pauta pra possíveis escusas, ou seja, não exclui a responsabilização do Estado nos casos de não proteção dos direitos humanos.
Aliás, esta responsabilidade coexiste ainda que haja qualquer tipo de violação dos direitos humanos praticados por agentes não estatais. Enfim, o crescente poder das empresas privadas, bem como a fragilização da soberania estatal, faz com que sejam exigidas novas estratégias para a proteção dos direitos humanos e fundamentais. Isso não afasta o dever de proteção dos Estados, mas, por outro lado, não atrela exclusivamente o Estado, mas também os privados, principalmente os mais poderosos.
6 CONCLUSÃO
No transcorrer do trabalho, analisamos os direitos fundamentas e sua aplicação nas relações privadas, haja vista que a própria Constituição Federal de 1988, intitula um capítulo específico sobre direitos e garantias fundamentais, assim como em outros tópicos dessa constituição.
Em tempos nos quais muito se tem debatido sobre a real efetividade do provimento jurisdicional, sobremaneira quando se está diante de tutelas que envolvam direitos constitucionais fundamentais em relação ao direito privado, em todas as suas dimensões, passa a ocupar espaço de destaque nos cenários doutrinários e jurisprudenciais. Isso posto, tem o direito fundamental desde a proclamação da Constituição Federal de 1988, e do sistema infraconstitucional vigente, a efetiva tutela de dever do Estado assegurado o comando em vários dispositivos da Lei Maior como direito público subjetivo.
Todavia, deve se constatar a ponderação, à análise de um caso concreto, aperfeiçoando–se sob o modelo do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que enquanto fundamento dos direitos do cidadão, não deve ser somente interpretado, mas essencialmente, concretizado.
O problema da eficácia dos direitos fundamentais se revela especialmente delicado quando se trata de avaliar em que medida é possível, por intermédio do Poder Judiciário, impor ao Poder Público uma prestação diretamente fundada na Constituição, ou seja, quando se cuida de verificar a eficácia dos direitos fundamental na condição de direitos originários a prestações, de uma prestação não previamente assegurada por lei infraconstitucional e/ou disponibilizada no sistema de bens e serviços por força de políticas públicas já existentes.
O Direito Civil dá alguns exemplos de conflitos de interesses no âmbito dos direitos fundamentais. Existindo, numa relação contratual, conflito entre a autonomia da vontade e um direito fundamental, existirá, um conflito que deverá ser resolvido pela ponderação de valores.
Nesse contexto, deve ser reconhecido e ponderado os princípios constitucionais em face da autonomia da vontade, sobretudo naquelas hipóteses em que não houver expressamente previsão na Constituição Federal de 1988, quando se tratar de situação de aparente desigualdade econômica entre os particulares, como condição na qual exista uma preponderação de fato ou de direito, com o fim de afrontar os direitos fundamentais.
Diante do exposto, observa–se que existe aplicabilidade de direitos fundamentais nas relações privadas, ainda que de forma insipiente, aplicado restritamente em jurisprudências e que ainda deve ser incidido e ampliado de forma a atender as partes envolvidas, seja entre particulares e o Estado, seja entre os particulares, reafirmando os valores da dignidade da pessoa humana.
Conclui–se que já não existe mais uma delimitação entre o direito constitucional e o direito privado, não sendo mais admitido como uma divisão e impedimento, já que ultrapassado o limite que os separavam, os direitos constitucionais decididamente abrangem todo o direito.
Sugere–se a realização de outros estudos com temática, pois necessita de maiores informações, visto que este trabalho se limitou em uma revisão bibliográfica. A presente sugestão é também uma forma de garantir aos futuros operadores do direito, maior desenvoltura e segurança no trato com o público.
REFERÊNCIAS
ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral – Uma perspectiva luso– brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 18 set.
2016.
. Supremo Tribunal Federal – RE: 201819 RJ, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 11/10/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 27–10–2006. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/762997/recurso–extraordinario–re–201819–rj>. Acesso em: 18 set. 2016.
. Supremo Tribunal Federal – RE: 158215 RS, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 30/04/1996, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 07–06–1996. Disponível em: < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/744133/recurso–extraordinario–re– 158215–rs >. Acesso em: 18 set. 2016.
. Supremo Tribunal Federal – RE 161243/DF – 2ª Turma – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 19/12/1997. Disponível em: Disponível em:
<http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/743268/recurso–extraordinario–re–161243–df>.
Acesso em: 18 set. 2016.
. Tribunal Regional do Trabalho–1 – RO: 00679007620045010302 RJ, Relator: Rogerio Lucas Martins, Data de Julgamento: 08/07/2015, Sétima Turma, Data de Publicação: 16/07/2015. Disponível em: <http://trt–1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/209966393/recurso– ordinario–ro–679007620045010302–rj/inteiro–teor–209966443>. Acesso em: 18 set. 2016.
BRIGIDO, Edimar Inocêncio. Michel Foucault: Uma Análise do Poder. Rev. Direito Econ. Socioambiental, Curitiba, v. 4, n. 1, p. 56–75, jan./jun. 2013.
COUTO, Lindajara Ostjen. O direito fundamental da autonomia privada no Direito de Família. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 64, maio 2010. Disponível em:
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6119>. Acesso em out 2016.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 2004. DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Quatro ensaios
crítico–dialéticos em filosofia d educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2007.
IURCONVITE, Adriano dos Santos. Os direitos fundamentais: suas dimensões e sua incidência na Constituição. Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 48, dez 2007.
JOBIM, Marco Félix. História do direito privado moderno e as mutações do pensamento jurídico europeu conforme Franz Wieacker. 2012. Disponível em:
<http://www.jobimesalzano.com.br/artigosbw/art19.pdf> Acesso em: 3 out. 2016.
LEITE, Gisele. Constitucionalização do Direito Privado. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4009, 23 jun.2014.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 1.312p.
MARCHINHACKI, Romualdo Paulo. Direitos fundamentais: aspectos gerais e históricos.
Revista da Unifebe, n.11 (dez), p:166–179, 2012.
MARTINS–COSTA, Judith. Modelos de Direito Privado. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2006.
MARTINS, Rodrigo Bezerra. Dimensão objetiva e dimensão subjetiva dos direitos fundamentais. Conteúdo Jurídico, 2014. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,dimensao–objetiva–e–dimensao–subjetiva–dos–
direitos–fundamentais,49820.html>. Acesso em: 26 set. 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 1.592p.
MINHOLI, Daniela Collesi. Direitos fundamentais aplicam–se a relações privadas. 2012. Disponível em http://www.lfg.com.br. Acesso em: out. 2016.
RIO GRANDE DO SUL. TJ–RS – AC: 70047611736 RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Data de Julgamento: 06/06/2013, Décima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/06/2013. Disponível em: <http://tj– rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112917024/apelacao-civel–ac–70047611736–rs>. Acesso em: 18 set. 2016.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
SARMENTO, Daniel. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
SILVA, Aurélia Carla Queiroga da; BONIFÁCIO, Artur Cortez Bonifácio. Reflexos dos direitos humanos nas relações jurídicas de direito privado face às decisões do STF. Revista Direito e Liberdade, RDL, ESMARN, v. 14, n. 1, p. 99–121, jan./jun. 2012.
SOARES, Sávio de Aguiar. História do Direito Privado Nacional em síntese . 2008. Disponível em: <http://www.iuspedia.com>. Acesso em: 5 out. 2016.