I – TOMO
TEMPO DE ESPERA EM FILA DE BANCO VERSUS O INSTITUTO DO MERO DISSABOR – UMA LEGÍTIMA AGRESSÃO A DIGNIDADE HUMANA
Direito a Indenização
Este artigo apresenta uma discussão acerca de dois institutos: de um lado o tempo de espera em fila de banco, e de outro, o mero dissabor – uma legítima agressão a dignidade humana. Onde o tempo e seu cômputo sempre acordam o interesse do ser humano. As sociedades antigas procuraram ampliar diversos tipos de instrumentos de marcações, para os caçadores do Período Paleolítico, a posição dos astros e suas periodicidades eram usadas para saber quando a Lua mudaria, em que períodos as diversas estações da natureza aconteciam e qual sua influência no comportamento e migração dos animais para que a caça e a pesca pudessem ser bem sucedidas. Como viviam em bandos, uma caçada mal sucedida poderia comprometer sua alimentação e, consequentemente, sua espécie. Já no Período Neolítico, arar a terra, semeá-la e o período de colheita precisavam de medidas de tempo precisas para que os períodos mais favoráveis fossem observados para que cada fase da agricultura fosse completada com sucesso garantindo, assim, o prosseguimento da espécie em um dado local, na tentativa de aferir, com precisão, essa grandeza, o TEMPO.
Segundo a chamada lei da oferta e da procura, regra básica da economia, o valor ou preço de algo está relacionado de forma inversamente proporcional à sua disponibilidade no mercado e diretamente à sua demanda. Não é de hoje que o tempo, ou sua disponibilidade, se transformou em ativo escasso na vida de qualquer indivíduo, motivo pelo qual nunca foi tão atual a frase: “TEMPO É DINHEIRO”.
O Direito não ficou apático e muito menos inerte a tal ocorrência, tanto que a razoável duração do processo foi expressamente positivada como garantia constitucional por meio da EC n. 45/2004.
O valor econômico que se dá ao tempo foi essencial para o investimento em tecnologias relacionadas à telecomunicação e à prática de atos que não demandam o deslocamento do interessado.
A tecnologia também modificou a forma de relacionamento das instituições financeiras com seus clientes. Ainda que a grande maioria das operações bancárias possa ser realizada por telefone, aplicativos – internet ou terminais de autoatendimento, determinadas funções demandam ainda o comparecimento às agências bancárias.
A ação do tempo de espera em fila, que pleiteia o ressarcimento pelos danos morais sofridos funda-se, basicamente, no acutilamento à dignidade humana, expressada normativamente em nosso ordenamento civil e constitucional sob suas mais diversas formas, como honra, imagem, vida privada, intimidade, entre outras. Esse tipo de litígio já representa boa parte das lides levadas ao jugo do Poder Judiciário, o que já impende sua análise com maior detença pela comunidade jurídica.
Não basta o Juiz, alegar somente, o instituto do mero dissabor, do famigerado mero aborrecimento, deve o Magistrado também se deter a análise do caso concreto, para reconhecer da necessidade da existência do nexo causal deverá dispor dos valores ou interesses que motivaram ou estimularam as disposições normativas existentes, como a espera significativa, a humilhação ultrajante, são algumas das expressões absolutamente absorvidas e, portanto, tomadas por dogmas pelos tribunais grassados no território brasileiro, quando se deparam com ações cujo objeto,principal ou não, é o pleito por danos morais. Cabe a todos os setores no âmbito jurídico indagar se a formação de tais conceitos (ou jargões) encontram esteio em uma base científica idônea ou, pelo menos, em alguma base, para decidir o litígio.
Sendo outro postulado da Economia aquele segundo o qual as demandas são ilimitadas, mas são finitos os recursos aptos a supri-las, não é raro que haja poucos empregados da instituição financeira disponíveis para o atendimento de clientes no interior das agências. Por consequência, torna-se necessário esperar o atendimento em FILA. A situação do tempo de espera nessas filas, de tão relevante, já ensejou atitudes do Poder Legislativo e multiplica os processos que chegam ao Judiciário.
Feitas estas considerações e visando abordar a questão sobre o prisma jurídico, o presente artigo analisará os principais aspectos acerca da possibilidade de responsabilizar civilmente as instituições bancárias em decorrência do tempo de espera em filas, baseando-se na apreciação da Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor e determinados doutrinadores como também de algumas jurisprudências que são mencionadas, não se pretende esgotar o tema, mas colaborar com pressupostos, que venham garantir elementos para a resolução do problema proposto; buscando, nos mais renomados doutrinadores e estudiosos do direito, uma forma eficaz de garantir a dignidade da pessoa humana de cada cidadão, sendo especialmente respeitados seus direitos, pois se trata da qualidade mais importante de um ser humano, a sua dignidade.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A noção do que venha a ser a Dignidade vem do latim dignitas que significa: valor intrínseco, generoso, mérito, prestígio, estima, estas noções devem ser levadas em conta a uma só definição, pois de fato a Dignidade não é apenas, o que o direito julgar ser.
O tratamento de pessoas iguais de forma desigual ou pessoas desiguais de maneira idêntica caracteriza uma violação a igualdade formal e a própria dignidade.
A Dignidade da pessoa humana não é somente um direito permitido pelo ordenamento jurídico, mas um atributo inerente a todos os seres humanos, independentemente de sua raça, sexo, origem ou quaisquer outros requisitos. A dedicação no plano das normas constitucionais significa tanto o dever de proteção e promoção pelo Estado, como também o respeito por parte deste e dos demais indivíduos, ou seja, a reciprocidade.
Como não há qualquer legislação que trate de forma específica dessas situações, cabe à jurisprudência, com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do Direito, se utilizar dos meios que dispõe e atuar de modo a evitar a banalização da figura da sociedade frente aos seus direitos, primando pela dignidade da pessoa humana.
O próprio art. 140 do CPC nos relatar que o Juiz poderá:
Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade ou obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único: O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
Para a afirmação da dignidade humana, segundo Sarlet, salutar fora a contribuição de Francisco de Vitória quando propugnou pela igualdade entre homens e índios no contexto da expansão colonial espanhola. O referido autor espanhol sustentou que os índios em razão de sua natureza humana e em função do direito natural eram em princípios livres e iguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direito (Sarlet, 2008, p. 32). Sobre o rebento conceitual da dignidade humana, inevitável a referência a Samuel Puferndorf, quando preleciona que a dignidade humana redunda na liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e agir conforme o seu entendimento e sua opção (Pufendrf Apud Sarlet, 2008, p. 33).
A racionalidade como ratio essendi da humanidade constitui noção basilar da exegese da lavra de Kant, como se deduz do seguinte trecho de sua obra: “[…] autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se fundamento da dignidade da natureza humana”. (Kant, 1997, p.134 e 141).
Se adverte, desde já, que as diversas conotações atribuídas à dignidade humana, seja jurídica, filosófica ou qualquer outra, revela a íngreme tarefa de lhe atribuir um conceito bem definido, quiçá conferir-lhe univocidade hermenêutica. Maria Celina, na tentativa de jungir as concepções jurídicas e materiais da dignidade da pessoa humana, aduz que o substrato material desse instituto desdobra-se em quatro postulados:
1) O sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele;
2) Merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular;
3) É dotado de vontade livre, de autodeterminação;
4) São parte do grupo social, em relação ao qual desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral- psicofísica-, da liberdade e da solidariedade. (MORAES, 2003, p. 85)
A ainda autora ensina, que diante de uma situação de conflito de situações jurídicas subjetivas, cada uma delas amparadas pelos postulados supratranscritos, a medida de ponderação será a mesma, isto é, a dignidade humana.
A natureza abstrata da dignidade humana foi abdicando passo ao legislador interprete da lei, ou seja, foi galgando concretamente ainda que formal à medida que foram sendo criados alguns de seus aspectos embrechados no Código Civil de 2002. A consagração da dignidade humana na órbita internacional, decorrente de diversificadas ocorrências históricas lastreadas pelo Pós- Guerra -1945, e a sua entrada na nova ordem constitucional exsurgida em 1988, foram fatos que fizeram surgir uma tendência essencialmente humanista especialmente no direito civil. Este ramo do direito que antes era desenhado numa base de caráter eminentemente patrimonialista, transmuta-se em um campo com poros abertos ao acesso de novos valores humanistas perfilhados pela Constituição.
Não obstante sejam muitas as prévias interpretações jurisprudenciais aplicando a tese da indenização no tempo de espera na fila, tradicionalmente fundamentado, na Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor, etc., os tribunais brasileiros, deve começar a entender que uma espera exacerbada deve ser passível de reparação, sobretudo com a finalidade de tal expectativa ocasionar mudanças de valores e costumes sociais. Mudando as relações intersubjetivas, logo deverá mudar também os paradigmas.
É notório que o tema em comento deve ser encarado com moderação, já que quando se submerge a esfera íntima das relações humanas a razoabilidade deve restar ainda mais acessível. O mundo hoje, onde se mais mensurar o lado econômico, o patrimônio moral passa a ter valor concretizado e, é com base nesses fatos que a jurisprudência tem que seguir os passos da doutrina, submeter o legislador a positivar na lei o fundamento desse direito.
Como afirma Shereiber: “Na alvorada do século XXI, tudo parecia caminhar para a consolidação de um direito civil reinterpretado a partir da proteção da dignidade humana e da solidariedade social.” (Shereiber, 2011, p. 10).
O MERO DISSABOR x MERO ABORRECIMENTO
O caráter epicentral da dignidade humana no ordenamento jurídico pátrio e seus novos rascunhos doutrinários, já apontados nesta obra, parecem conduzir a uma resposta diversa da que tem sido perfilhada pelos tribunais.
Acerca dos ilustrativos julgados aqui colacionados, vem se concretizando no seio da jurisprudência brasileira uma injusta equiparação entre o mero dissabor e ausência de dano moral. Se se reconhece a existência de dano moral, seja qual for o grau de violação, a solução jurídica mais acertada não será a não concessão de indenização.
Em um sistema jurídico em que a dignidade humana é levada a sério, quaisquer ofensas, sejam elas em grande, média ou pequena proporção, ensejarão uma indenização proporcional.
No entanto, é essa a lógica do sistema: agride-se muito, paga-se muito, agride-se pouco, paga-se pouco; e não: agride-se pouco, paga-se nada, apesar de sempre se apregoar que a “dignidade humana não consiste em um conceito de aplicação matemática” (Shereiber, 2011, p. 8), mas essa é a realidade enraizada na praxe jurídica brasileira. Caso reconheça-se o mero dissabor, reconhece-se uma violação, conquanto minorada, à dignidade humana, logo, enseja uma indenização proporcional ao dano sofrido. Agora, em casos de inexistência de dano moral, de fato, não se pode dar oportunidade à ação indenizatória.
Caso um magistrado, na análise do caso concreto, convença-se de que houve uma agressão à dignidade humana, seja em qual for o patamar, negar à parte postulante qualquer indenização é adversar aos novos contornos conferidos à dignidade humana, vista agora como “valor dos valores” nas palavras de Ferreira da Cunha (Cunha, 2001, p. 212). Entende-se que a dignidade humana suscetibiliza-se ao juízo analítico do magistrado quanto à existência ou não de sua transgressão, quanto aos níveis dessa transgressão e quanto à quantificação do dano, valendo-se, para tanto, de todos aqueles já mencionados critérios jurisprudenciais.
Observe-se o seguinte julgado:
CDC. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA DE NOME NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. DÍVIDA INEXISTENTE. DANO MORAL CARACTERIZADO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NA INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Restando evidenciado nos autos que a dívida era inexistente, eis que a tese defensiva não veio acompanhada de qualquer lastro probatório, permanecendo no terreno da mera alegação ou especulação, impõe-se a reparação a título de danos morai s em decorrência da negativação indevida de seu nome nos cadastros restritivos de crédito na modalidade damnum in re ipsa, pois suplanta liame de mero dissabor, irritação ou mágoa para ingressar e interferir de forma intensa na dignidade da pessoa humana. A responsabilidade do recorrente é objetiva, na forma do artigo 14 do CDC.
2. Os critérios considerados pelo MM. Juiz ao quantificar o valor da indenização por danos morais no patamar de R$ 5.000,00 estão de acordo com a orientação da doutrina e a jurisprudência, razão pela qual não merece reforma.
3. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. O recorrente deverá arcar com o pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação. (Acórdão n. 611999, 20110112236753ACJ, Relator JOSÉ GUILHERME DE SOUZA, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, julgado em 31/07/2012, DJ 24/08/2012 p. 288).
Contudo, a dignidade humana “sendo um fim e não um meio para o ordenamento constitucional, não se sujeita a ponderação” (Sarmento, 2000, p. 196), isso quer dizer que o magistrado é impedido de valorá-la quando ela é de fato agredida. Ainda que se trate de uma agressão em menor grau, a dignidade humana não poderá ser ponderada pelo julgador, devendo ser, por conseguinte, devidamente reparada, caso contrário, estar se criando uma espécie de “princípio da bagatela” em matéria de direitos da personalidade, ou seja, lesão à dignidade não excessiva a um limite tal determinado pelo magistrado, não será suficiente a forjar um título condenatório a danos morais.
O julgado transcrito abaixo, é do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo claro ao determinar que o dano hábil a ensejar indenização deve afetar de modo efetivo a dignidade humana, sob pena de ser enquadrado como mero dissabor. Eis o acórdão:
Prestação de serviços de telefonia – Ação indenizatória por danos materiais e morais – Ausência de prova de danos materiais. Não houve efetiva ofensa a direito da personalidade, mas mero aborrecimento – Danos morais indevidos – Sentença mantida. Recurso não provido. (Acórdão n.APL9116012032007826SP9116012-03.2007.8.26.0000. Relator Silvia Rocha, 29ª Câmara de Direito Privado, julgado em 08/02/2012, publicado no dia 10/02/2012.)
Legitimando com o que até então aqui se anunciou, o Superior Tribunal de Justiça tem concedido indenização a título de dano moral nos casos em que reconhece um “abalo razoável” aos direitos da personalidade, como se observa pelo acórdão a seguir transcrito:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.662.808 – MT (2016/0075262-3) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO: (Relatora):
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI.
Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL S/A, com fundamento exclusivamente na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/MT. Ação: de indenização por danos morais, ajuizada por ODAIR MATIAS PIRES, devido à espera por 2h07m (duas horas e sete minutos) ocorrida em agência bancária mantida pela recorrente. Sentença: julgou improcedente o pedido, por entender que a espera em banco, por si só, é mero dissabor incapaz de causar dano moral. Acórdão: em apelação interposta pelo recorrido, o TJ/MT deu provimento parcial ao recurso, a fim de condenar a recorrente ao pagamento do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de reparação por danos morais, em julgamento assim ementado:
EMENTA APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – LONGA ESPERA EM FILA DE BANCO – DUAS HORAS E SETE MINUTOS – TEMPO EXCESSIVAMENTE SUPERIOR AO LIMITE LEGAL – DEMORA INJUSTIFICADA NO ATENDIMENTO BANCARJO – DESÍDIA QUE AFRONTA A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – DANO MORAL CARACTERIZADO – QUANTIA FIXADA DE ACORDO COM CRITÉRIO PUNITIVO-PEDAGÓGICO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O fato de o usuário permanecer por mais de duas horas em fila de agência bancária implica no descumprimento da lei estadual e ofende a dignidade do consumidor, configurando-se o dano moral propriamente dito. Mostra-se cabível a indenização por danos morais, quando presentes os pressupostos da responsabilidade civil. A fixação do montante a título da indenização pleiteada deve considerar critérios subjetivos do julgador, o nível financeiro do ofensor, a gravidade e extensão do dano sofrido e ser feita de modo razoável, ao ponto de não provocar o enriquecimento sem justa causa e também não prejudicar o ressarcimento almejado.
Recurso especial: alega que o acórdão recorrido causou a violação aos arts. 186, 944 e 945 do CC/02. Prévio juízo de admissibilidade: os recursos foram inadmitidos na origem pelo TJ/MT e, após a interposição de agravo contra a decisão denegatória (e-STJ fls. 196-200), deu-se provimento para determinar o julgamento do recurso especial.
Relatados os fatos, decide-se.
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal está em definir se a simples espera por atendimento em agência bancária é capaz de causar danos morais indenizáveis, quando o único fundamento é a invocação de legislação local que dispõe acerca do tempo máximo de espera em fila permitido.
Segundo a jurisprudência desta Corte, pode-se definir dano moral como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade (REsp 1426710/RS, Terceira Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 09/11/2016). No mesmo sentido, a doutrina de Carlos Alberto BITTAR afirma que os danos morais são aqueles relativos “a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa como entes sociais, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto ”. (Reparação civil por danosmorais. S. Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015 p. 35). Sobre o tema, contudo, este Tribunal mantém posicionamento pacífico segundo o qual simples dissabores ou aborrecimentos são incapazes de causar danos morais, como é possível perceber no julgamento do REsp 202.564/RJ (Quarta Turma julgado em02/08/2001, DJ 01/10/2001, p. 220) e do REsp 1.426.710 (julgadoem 25/10/2016, DJe 8/11/2016). Para a reparação por danos morais causados em razão de espera por atendimento em fila de agência bancária, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de ser insuficiente a simples invocação de normativo local que disponha acerca do tema, conforme julgamento abaixo:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ESPERA EM FILA DE BANCO POR MAIS DE UMA HORA. TEMPO SUPERIOR AO FIXADO POR LEGISLAÇÃO LOCAL. INSUFICIÊNCIA DA SÓ INVOCAÇÃO LEGISLATIVA ALUDIDA. PADECIMENTO MORAL, CONTUDO, EXPRESSAMENTE ASSINALADO PELA SENTENÇA E PELO ACÓRDÃO, CONSTITUINDO FUNDAMENTO FÁTICO INALTERÁVEL POR ESTA CORTE (SÚMULA 7/STJ). INDENIZAÇÃO DE R$ 3.000,00, CORRIGIDA DESDE A DATA DO ATO DANOSO (SÚMULA 54/STJ). 1.- A espera por atendimento em fila de banco quando excessiva ou associada a outros constrangimentos, e reconhecida faticamente como provocadora de sofrimento moral, enseja condenação por dano moral. 2.- A só invocação de legislação municipal ou estadual que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para desejar o direito à indenização, pois dirige a sanções administrativas, que podem ser provocadas pelo usuário. 3.- Reconhecidas, pela sentença e pelo Acórdão, as circunstâncias fáticas do padecimento moral, prevalece o julgamento da origem (Súmula 7/STJ). 4.- Mantém-se, por razoável, o valor de 3.000,00, para desestímulo à conduta, corrigido monetariamente desde a data do evento danoso (Súmula 54/STJ), ante as forças econômicas do banco responsável e, inclusive, para desestímulo à recorribilidade, de menor monta, ante aludidas forçaseconômicas. 5.- Recurso Especial improvido.(REsp 1218497/MT, Terceira Turma, julgado em 11/09/2012, DJe 17/09/2012). Ainda de acordo com o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, para haver direito à reparação a espera em fila de agência bancária deve ser excessiva ou acompanhada de outros constrangimentos, para haver configuração de grave lesão a atributo da pessoa do recorrido. Na hipótese dos autos, apesar de se debater a aplicação da Lei Municipal 3.061/99, do Município de Rondonópolis/MT, que prevê tempo de espera máximo de 25 (vinte e cinco) minutos para atendimento em instituição financeira instalada naquele Município, a discussão não se encerra somente neste ponto. Na hipótese dos autos, é fato incontroverso que o recorrido foi obrigado a aguardar por 2h07m (duas horas e sete minutos) para ser atendido em agência bancária mantida pela recorrente. Tal período de tempo configura uma espera excessiva, a qual, conforme o entendimento deste STJ, é causa de danos extrapatrimoniais. Por fim, entende-se que o valor de reparação dos danos morais fixados pelo TJ/MT – qual seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) – observou os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade e, além disso, está em consonância com a jurisprudência desta Corte em hipóteses semelhantes. Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial, com fundamento no art. 255, § 4º, II, do RISTJ.
Compete advertir que o “mero dissabor” não é excludente de ilicitude ou de tipicidade, institutos absorvidos das ciências criminais, caso uma pessoa viole a dignidade humana de outra aquela deverá ressarci-la, independente do grau de violação. Não cabe ao juiz que oficia no caso concreto, ao seu arbítrio, valorar que a dignidade da parte no processo não fora agredida em tal jaez que ele perceba ser suficiente a ensejar a indenização. Que fique claro que: a dignidade é invalorável, o que é valorável são as circunstâncias em que se deu a agressão, o seu grau, as nuanças que envolvem o caso, a reprovabilidade da conduta, o caráter pedagógico.
O que se vem propor é uma lógica na ordem do momento cognitivo do magistrado ao apreciar uma ação em que pleiteia danos morais em casos de transgressão à dignidade humana. O juiz deve se perguntar: houve violação à dignidade humana? Em caso afirmativo, passa-se à análise dos critérios jurisprudenciais e doutrinários disponíveis para se definir o valor da indenização do dano moral, não podendo o menor grau de violação redundar numa espécie de mero aborrecimento/mero dissabor, isto é, reconhece-se o ato ilícito, mas isenta o réu de pagar a indenização devida. Toda dignidade humana é digna de ser reparada, seja lá qual for o grau de violação.
COMO REAGIR A DEMORA NO ATENDIMENTO BANCÁRIO – EM FACE AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Se no Município existe uma lei municipal estabelecendo tempo limite para o atendimento e este tempo é sempre ultrapassado o consumidor poderá reclamar para o banco e o Procon, para que o banco seja obrigado a regularizar o atendimento. Neste caso de ocorrer uma fiscalização administrativa.
Se a retardamento no atendimento ocorre não como atraso simples, mas causando angústia aos clientes, poderão promover as ações judiciais contra o banco para reparação dos prejuízos, tanto patrimoniais como morais.
Nos Tribunais brasileiros não é difícil encontrar decisões conhecendo o dano moral de clientes que ficaram longo período de espera em filas de atendimento bancário. Nestes casos, as instituições financeiras foram condenadas em indenizações por dano moral por ofensa à dignidade da pessoa humana.
O Direito não é uma ciência exata e leva em conta situações individuais: A pessoa está doente? A pessoa está em horário de trabalho? A pessoa é jovem ou idosa? Possui deficiência física? Além de outras situações.
A existência da lei municipal fornece parâmetros ao consumidor e aos órgãos judiciais para apurar o que constitui atraso no atendimento bancário. Mas sua inexistência não impede a busca de indenização valendo-se do Código de Defesa do Consumidor. Se o cidadão se sentir lesado, é necessário que guarde os comprovantes que indicam a excessiva demora no atendimento bancário e busque assessoria jurídica. Afinal, hoje é bem comum os bancos fornecerem a senha de atendimento com o horário de chegada do cliente à agência, bem como fornecerem outro comprovante indicando o horário de efetivo atendimento.
Estando o cidadão munido dos documentos é efetivamente possível questionar a agência, encaminhar denúncia ao PROCON ou mesmo ingressar com ação judicial indenizatória, em situações extremas, caso necessário.
Circunstância ainda mais grave é quando o consumidor não consegue resolver seu problema em um único dia, por causa da excessiva demora ou falhas no sistema do banco. Se o consumidor não consegue por falha no serviço bancário sacar seu salário, pagar suas contas ou honrar seus compromissos a culpa é do banco, seria um mero aborrecimento? Jamais, pois ali naquele momento se encontra um cidadão que paga seus imposto e necessita de pelo menos respeito a sua dignidade, se por causa da falha sofre aflição, preocupação, nervosismo e outros sintomas, ou até mesmo inscrição negativa de seu nome em cadastros de proteção ao credito, tendo-os como inadimplentes, caracterizado está o dano moral. Neste caso, a indenização somente será possível mediante ação judicial.
Então, o que pode ser considerado dano moral?
Cavalieri Filho, com seus didáticos ensinamentos responde à indagação acima:
“(…) dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade. (Cavalieri Filho, 2009, p. 88 a 100).
Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade de nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.
Continua o Excelente (Cavalieri Filho, 2009, p. 88): “A dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação são consequências, e não causas. Igualmente a febre, que é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém”.
Tendo o deficiente atendimento do banco causado uma lesão à incolumidade psíquica do consumidor, restou caracterizado o fato do serviço, consoante previsão do seu art. 14 do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
A esse respeito, merecem especial realce, dentre os princípio que norteiam da Política Nacional das Relações de Consumo, o da vulnerabilidade do consumidor e o da dignidade humana, consoante expressa disposição do art. 4º, caput e inciso I do CDC. Ademais, o mesmo preceptivo estatui, na alínea d, do inciso II, que o Estado deverá cuidar para que os serviços postos à disposição do consumidor sejam adequados, sendo que, nesse ponto específico, não se pode perder de vista que as normas que regulam o atendimento bancário são nada menos do que um dos instrumentos estatais a garantir o cumprimento das normas de proteção do consumidor. Percebam os dispositivos:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios (grifo nosso):
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo
II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
Em relação à verba condenatória, deve haver a manutenção do respectivo quantum, porquanto o órgão julgador verificara corretamente os parâmetros para sua fixação, consoante a regra do art. 944 do Código Civil. A esse respeito, não se pode afastar da ideia de que, nas ações em que se busca a reparação de danos morais, a condenação possui duplo aspecto: a) reparatório para a vítima e b) pedagógico para o ofensor. Logo a indenização há de ser fixada em patamar suficiente a compensar o ofendido pelo prejuízo, bem como servir de desestímulo ao causador do dano, evitando que volte a agir ilicitamente.
Concluindo a tese, além dos debates referentes a este determinado assunto, (Tempo de espera em fila de banco versus o instituto do mero dissabor – uma legítima agressão a dignidade humana – Direito a indenização), também é reduto seguro de soluções a problemas advindos de um específico ramo da ciência. Deste modo, o presente artigo não poderia ser concluído sem uma tentativa de aplainar a aresta respectivo ao mero aborrecimento em sede de dano moral.
Como se observa, pelos julgados colacionados, a existência do mero aborrecimento leva à inelutável resposta judicial pela não concessão de indenização por danos morais. Depreende-se dos julgados que o pedido de danos morais, nos casos de mero dissabor, o que já pode ser vislumbrado pelo julgador quando da análise da exposição fática incrustada na petição inicial, constitui um palmar exemplo de pedido juridicamente impossível, pois se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais poderá ser atendido, independentemente dos fatos e das circunstâncias do caso concreto (Dinamarco, 2001, p.298-299).
Se conclui aqui, que é decorrente do que tem sido consignado nos julgamentos dos cortes de justiça brasileiras, o mero dissabor vem impedindo, de fato, que o autor postule a devida indenização, sendo nossos julgados a maior prova disso. A costume mais acertado do ponto de vista técnico, caso se siga essa ordem de raciocínio, não seria a prolação de sentença meritória no sentido da improcedência do pedido, mas sim, o proferimento de uma sentença de rejeição da inicial, por reputar o autor carecedor da ação, em face da causa de pedir gerar a “impossibilidade da demanda quando a ordem jurídica nega que os fatos como alegados pelo autor possam gerar direitos” (Dinamarco, 2001, p. 300).
Frise-se, que essa solução seria no caso de adesão à tese de que o “mero dissabor” exclui a possibilidade de concessão de danos morais, viés do qual não comunga a presente obra. O mero dissabor constitui uma violação à dignidade humana, ainda que minorada, fato que não pode ser descurado pelo magistrado.
REFERÊNCIA
BRASIL. Constituição Federal. Vade mecum Saraiva. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRASIL. Lei 8.078 de 1990. Vade mecum, Saraiva, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRASIL. Código Civil. Vade mecum Saraiva. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. REsp. n. 1.662.808 – MT (2016/0075262-3), Rel. Ministra Nancy Andrigho, Tribunal Pleno, DJ. 02/05/2017).
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2009.
DINAMARCO, Cândido Rnagel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v.II.
FERREIRA DA CUNHA, P. O ponto de Arquimedes. Coimbra: Almedina, 2001.
MORAES, Maria Celina Bondin de. Danos à pessoa humana: uma releitura civil- constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
SARLET, Ingo Wolfang. A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
SHEREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Atlas, 2011.
<http://http://www.theoria.com.br/edicao14/dignidade_humana_em_kant.pdf>. Acesso em 28 de novembro de 2017.
SOBRE OS AUTORES
JOSÉ DE RIBAMAR SERRA é natural de São Luís, MA. Especializado em curso de Formação a Iniciação a Magistratura pela ESMAM, Especializado em curso de Formação a Iniciação a Magistratura pela ESMATRA, Ex – Advogado militante por mais de 20 anos, Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Imperatriz – MA, Pós-Graduado em Curso do Novo Código de Processo Civil.
MÁRCIA CAVALCANTE DE AGUIAR é natural de São Luís, MA. Advogada. Juíza de Paz, Pós-graduada lato sensu em Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Direito em Sucessão e Família, através da rede de ensino Luís Flávio Gomes (Rede LFG – UNIDERP), Trabalho e Processo de Trabalho e Penal e Processo Penal através da Rede de ensino Damásio de Jesus (EAD). Mestranda em Direito pela Universidade Portucalense (UPT).