Publicado por Nestor Sampaio em JusBrasil
A Organização da Unidade Africana (OUA) instituída em 1963 com sede em Adis Abeba, na Etiópia, foi substituída, através do Ato Constitutivo de 11 de julho de 2000, pela União Africana (UA). Esta iniciou suas atividades em 2001 e é composta, atualmente, por todos os países do continente africano, exceto Marrocos. Sua sede continua localizada em Adis Abeba, Etiópia, e é o organismo de referência ao pacto sob análise.
Conhecida também como Carta de Banjul, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos procura preservar as características da cultura e da história africana. Nesse sentido, destacam-se três principais tópicos: a consagração dos valores tribais como consequência do espírito do pacto; a disposição ímpar não só de direitos, mas também de deveres dos indivíduos africanos para com seus grupos familiares; e, finalmente, a afirmação conceitual dos direitos dos povos como direitos humanos, em especial aqueles concernentes ao direito à independência, à autodeterminação e à autonomia dos Estados africanos.
De forma inédita, estabelece, simultaneamente no rol dos direitos protegidos, tanto os direitos civis e políticos como também os direitos econômicos, sociais e culturais.
Acredita-se que o grande avanço que emergiu da Carta Africana foi a inclusão dos povos como titulares de direitos humanos, tanto no âmbito interno como no plano internacional. Até essa época (início dos anos 1980) só se falava em direito à autodeterminação dos povos. Esse pacto, trilhando o caminho demarcado pela Declaração Universal do Direito dos Povos (Argel/1976), estabeleceu serem direitos dos povos: existência enquanto tais; livre disposição de suas riquezas e recursos naturais; desenvolvimento; paz e segurança e preservação do meio ambiente sadio.
Embora o Direito Internacional não tenha uma ideia consensual do que seja “povo”, com bem leciona Fabio Comparato[1]: “a regra mais prudente é considerar o termo povo como uma context-depend notion”. Assim, o significado do termo “povo”, para efeitos convencionais, deve ser contextualizado, vale dizer, alcança sentido amplíssimo, englobando nacionais, estrangeiros no país a qualquer título, minorias etc.
Ressalte-se também que o Texto Africano não fixou o direito à mantença da identidade cultural (ou o direito à diferença), afirmado na Declaração sobre Raça e Preconceito Racial (UNESCO/1978).
Pode-se afirmar que o direito à existência é um plus em relação à autodeterminação, pois enquanto este direito é de cunho político, aquele é mais fundamental porque irrompe como o direito de não ser vítima de condutas genocidas.
Por sua vez, o direito ao desenvolvimento (difuso e inalienável), caracterizado como a progressiva igualdade de condições básicas de vida (aspectos econômico, social, cultural, trabalhista, educacional, previdenciário, habitacional etc.), é dependente do fator político para esse progresso: o engajamento do Estado no regime democrático.
De outra banda, anote-se que o direito à segurança e paz (interna e externa) carece de melhor definição de seu objeto, limitando-se o pacto (art. 23) a indicar alguns casos de abuso individual. Melhor andaria se usasse regras rígidas para o tráfico de armas, inspeções in loco para análise de gastos militares, designação de arbitragem internacional em caso de litígios etc.
É importante destacar que a Carta Africana é o primeiro tratado internacional que assevera ser direito dos povos a preservação do equilíbrio ecológico (art. 24): emerge daí a noção de desenvolvimento sustentável.
Por derradeiro, a Carta (art. 29) também revela deveres dos povos (manter a unidade africana, reforçar a solidariedade social, preservar a independência nacional etc.), sobretudo por conta da desestruturação social infligida pelo colonialismo que impôs a ocidentalização de costumes e leis, despersonalizando e desidentificando as diversas etnias tribais da África, ao que se poderia denominar, sem exagero, de genocídio cultural.
[1] A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 409.