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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A intervenção no Rio, por Carlos Nina

 

A intervenção no Rio

 

Por Carlos Nina.

Advogado, ex-promotor de Justiça, ex-juiz de Direito, ex-presidente da OAB-MA.

 

A presença das Forças Armadas nas ruas do Rio lembrou-me a defesa de minha dissertação de Mestrado, quando afirmei que o Estado é uma ficção jurídica. Fui criticado, mas mantive esse entendimento, inclusive no meu livro “A Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado brasileiro”.

 

            Opiniões podem ser contestadas, mas devem ser respeitadas, especialmente quando se tratam de conceitos. Ademais esse entendimento foi defendido por doutrinadores como Savigny e Kelsen. Mas minha conclusão emergiu de uma visão realista: as instituições só existem a partir das pessoas. Isso explica outra afirmação que fiz: o Estado é o maior algoz do cidadão.

 

            Esse algoz é o próprio homem, revestido do poder estatal, que desvia de sua finalidade. Usa-o em benefício próprio, não para promover a paz e o bem estar de todos, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF).

 

            É fato que as FA fazem parte do Estado. Contudo, as instituições são as condutas das pessoas que as integram. Daí porque as FA gozam da maior credibilidade junto à população. Suas ações resultam em defesa da unidade nacional. Os vícios de condutas isolados de determinados militares não afetam a credibilidade da Instituição, que tem pago um preço elevado, pela desinformação, pelo equívoco das análises e até pela defesa que membros da própria corporação fazem – tentando justificar o injustificável -, atrelando às FA desvios isolados que não devem e nem podem ser a ela atribuídos, ante sua própria definição constitucional.

 

            É o caso dos que defendem a tortura como prática inerente à atividade militar. Não é. É crime. Há que se entender, porém, que o objetivo militar das FA exige que seu treinamento seja diferente daquele destinado às polícias militar e civil, que, também, são distintos entre si.

 

            Quando, portanto, um presidente da República resolve fazer uma intervenção em determinado Estado e manda para lá as FA é equivocado dizer-se que se está diante de uma intervenção das FA. A intervenção é do Estado, não das FA. O presidente está usando as FA, mas é ele quem está fazendo a intervenção. As FA não têm como se recusar, sob pena de violar regra básica militar – a disciplina hierárquica -, uma vez que o Presidente da República é seu Comandante Supremo (art. 84, XIII, CF).

 

            Se há erro na decisão da intervenção, é do Estado, do Presidente da República. Mas quem vai ser sacrificada serão as FA porque são elas que aparecem. Poucos terão a percepção de que se trata de encenação política, usando uma instituição com credibilidade, expondo-a à execração por um mínimo de excesso que venha a ser cometido por qualquer militar.

 

            Se o Presidente quisesse enfrentar o problema do Rio, iria à sua raiz, não à periferia, expondo as FA para lhes transferir o insucesso dessa luta inglória. O responsável pela ineficiência dos órgãos de segurança estadual é o governador. Para eficácia da intervenção, esta deveria alcançá-lo (Art. 34, III, da CF). Só há um problema: o interventor deve passar pela aprovação do Congresso Nacional, que, pela sua natureza, mandaria alguém para raspar o tacho.

 

Quem aceitaria, se o tacho já foi raspado e os holofotes dificultam a rapinagem?

Carlos Nina