A Suprema Democracia
João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados
O Supremo Tribunal Federal-STF, órgão de cúpula do sistema judiciário brasileiro, encontra-se na berlinda da mídia, no centro das preocupações da sociedade civil, dos partidos políticos e dos candidatos do próximo pleito de outubro. Suas decisões trarão consequências para os pretendentes aos cargos públicos eletivos. É ponto consensual que os onze juízes da Corte Suprema nem sempre concordam sobre a interpretação de textos fundantes da Constituição Federal.
Para isso contribuíram o excesso de decisões monocráticas sobre questões que deveriam ter sido examinadas pelo plenário do STF. Muitas delas se contradizendo, pela óbvia razão de que se tratam de visões hermenêuticas pessoais, e como diz o adágio popular: em cada cabeça uma sentença. Aí é que está o nó górdio da questão: o juiz, é o Supremo Tribunal Federal, e não cada um dos seus juízes singularmente considerados, por maior que sejam as suas culturas e erudições jurídicas.
A esse propósito, o professor Joaquim Arruda Falcão, Diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, publicou em 2015, pesquisa intitulada “O Supremo”, analisando as influências e idiossincrasias que pesam sobre os julgadores do STF.
O STF foi introduzido em nosso Direito Constitucional pela Carta Magna de 1891, através do seu redator principal, Ruy Barbosa. Em termos práticos, terminou sendo a transformação do Superior Tribunal de Justiça da Constituição Imperial de 1824, herdeira da melhor tradição do constitucionalismo europeu. Mas a versão de Ruy vinha da fôrma da República norte-americana. Os mesmos homens para aplicar textos de filiações jurídicas distintas. As incompreensões surgiram na origem, determinadas pela diferença de fontes, mas sobretudo, pela mudança de posição: antes era a justiça do rei, com a Carta de 1891 passou a ser um poder autônomo e independente do Estado republicano.
Os marechais proclamadores da República de 1889 ameaçaram fechá-lo, e logo a Corte resolveu fechar-se para a chamada “questão política”. Após a Revolução de Trinta deu-se alteração em sua composição. Na vigência da Constituição de 1946, houve o caso da derrubada do presidente Café Filho, em contragolpe desferido pelo general Lott para garantir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek. O Habeas-Corpus impetrado por Café Filho, que tinha por relator o ministro Nelson Hungria, não foi julgado, pois vigia o Estado de Sítio. A tese principal é que o STF não devia se imiscuir na “questão política”.
Em 1968, após a edição do Ato Institucional nº 5, três ministros foram compulsoriamente aposentados: Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal. Outros a requereram voluntariamente em solidariedade aos cassados, penalizados por suas ligações com os líderes políticos Juscelino Kubitschek e João Goulart, adversários do novo regime. Mas principalmente por seus votos independentes, baseados nos direitos assegurados pela Constituição de 1946, suspensos pelo Poder Executivo.
Por questão política queria se dizer, a partidária. Os juízes não podem ser filiados a partidos políticos ou sustentar os seus pontos-de-vista. Todavia, como integrantes de um órgão do Estado não podem deixar de ser políticos no sentido abrangente do termo. Esse pressuposto é essencialmente: garantia da imparcialidade dos julgadores, se constituindo em uma das conquistas do liberalismo jurídico.
Tamanha é a sua relevância que o ex-primeiro-ministro da extinta União Soviética, Mikhail Gorbachev ao fazer a autocritica das causas da falência do regime, citou o Judiciário partidário, lembrando que os juízes deveriam ser filiados necessariamente ao Partido oficial. E concluiu que o Judiciário apartidário não era uma conquista apenas da burguesia, mas de toda a civilização humana.
O Supremo Tribunal Federal vive atopetado de recursos que prejudicam a sua missão precípua de Corte Constitucional. Nela, os seus juízes devem aplicar apenas uma política: a da Constituição Federal de 5 de outubro. Mas para colimar esse objetivo, os outros poderes da República devem praticar a política partidária na expressão mais ampla da palavra. Se os atuais partidos são inexpressivos e não representam a sociedade, que se organizem outros.
As decisões do STF devem ser do Plenário da Corte. O protagonismo deve ser dela, como fazem os juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos, que discutem reservadamente os seus votos, só os tornando públicos, quando há a decisão do conjunto do Pretório.
No mais, importa ressaltar, a Democracia como regime político é o valor supremo a que todos devem estar submetidos: juízes de todos os graus e instâncias; parlamentares de todas as casas legislativas; chefes dos executivos de todas as unidades da Federação. Que assim seja.