Hipocrisia, farsa e oportunismo
Carlos Nina*
Está cada vez mais difícil acreditar em que os Poderes Constituídos do País venham a se transformar em instituições decentes. É praticamente impossível diante do fato de que estão dominados pela corrupção. Não há seriedade em absolutamente nada do que façam.
No Legislativo, seus membros são eleitos em processos viciados, através de organizações criminosas eficientes ou meros e indisfarçados balcões de negociatas, travestidas de partidos políticos. Todos unidos pela sede e ansiedade de criar oportunidades e artifícios eficazes para saquear os cofres públicos.
No Executivo, mentes criminosas não pensam em outra coisa a não ser também imaginar mecanismos para extorquir a população, aumentando a burocracia, impondo tributos, retirando direitos e buscando avidamente recursos de onde possam cobrar propinas em percentuais cada vez mais elevados, na execução de obras cujos orçamentos qualquer fiscalização decente reprovaria.
No Judiciário, os ministros da Suprema Corte acusam-se de manter banca de advocacia e de julgar atendendo interesses pessoais e não para fazer Justiça. Revelações essas que, ditas por magistrados da mais alta Corte do País, dão a medida dos valores que nele predominam.
Nem poderia ser diferente. A cultura enraizada no Poder Público é a de que quem está nele é para tirar vantagem pessoal. Seja ela qual for. Não para prestar decentemente o serviço para cujas funções foi investido, quer por concurso ou eleição – onde a fraude está sempre presente – quer por nomeação – cuja escolha traz na essência o conflito com os princípios e o interesse públicos.
Há exceções? Lamentavelmente só confirmam a regra.
A mais criminosa e eficiente das organizações que comandaram o País aumentou a estrutura estatal e a aparelhou de forma tão destrutiva como nunca antes na sua história, deixando-o como se fosse um corpo dilacerado, exangue, que alguém tenta salvar, mas as partes estão em pedaços, o sangue esvaindo-se e não se sabe o que fazer, por onde começar. Nem se o moribundo sobreviverá ou o que restará de sua dignidade.
O assassinato da vereadora Marielle é emblemático da hipocrisia, da fraude e do oportunismo que dominam não só o Poder Público, mas a mídia, as organizações da sociedade civil e a massa ignara. Vez por outra elegem uma vítima para transformar em bandeira, como se ela tivesse mais direito a uma investigação do que as outras.
Será que haveria o mesmo empenho se o assassino tivesse acertado apenas o motorista? Qual a sustentação legal para que seja exigido rigor para apurar determinado crime, enquanto as autoridades e as organizações da sociedade civil nem tomem conhecimento e até se mobilizem para obstaculizar a apuração de outros? Nenhuma.
A resposta é simples: trata-se de briga de gangues mesmo. Não de bairros, ou de presídios. Estas são apenas extensão das outras, que as comandam: as de Poder. Perseguem e matam. Políticos, jornalistas, advogados. Obstáculos ou ameaças aos seus objetivos criminosos.
Tudo, portanto, não passa de hipocrisia, farsa e oportunismo. Basta ouvir o noticiário. Quando há informação de que são necessários mais de três bilhões de reais para resolver (?) o problema da segurança no Rio de Janeiro, inclusive para pagar salários que o Governador não pagou, por que ele continua no cargo? Quando qualquer projeto de lei custa propina parlamentar para ser aprovado e a Suprema Corte muda sua jurisprudência para atender interesses de criminosos e comparsas, como acreditar em algum futuro decente para o País?
Est que c´est un pays serieux?
*Advogado. Mestre em Direito Econômico e Político.
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