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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Eleições na Antiguidade, por Alexandre Lago

 

Eleições na Antiguidade.

 

ALEXANDRE MAIA LAGO, é advogado e escritor 

 

O espartano Licurgo resolveu regenerar seus concidadãos ao perceber andar desmedida a corrupção dos costumes. Mas, afinal, as leis não assentiam tais coisas uma vez que se adequam aos costumes? Insurgiu-se, pois, contra ambos.

         As vagas para o Senado doravante exigiriam idade mínima de 60 anos, pela experiência e presumível responsabilidade do postulante. Também sabedoria e virtude agora seriam requisitos.

         O processo eleitoral ocorria da seguinte forma: o povo reunia-se na praça e homens de reputação ilibada ficavam encerrados numa casa onde nada podiam ver nem serem vistos, mas tudo ouviam com distinção. Pronto, começava a eleição. Os candidatos, um de cada vez, atravessavam a praça, calados, cabeça baixa, olhando para o chão, enquanto a multidão organizada em alas aclamava com maior ou menor vigor. Então, os notáveis, lá dentro da casa, registravam em tábuas destinadas a esse fim a intensidade e detalhes dos clamores, sem ter a menor ideia de quem se tratava este ou aquele aclamado. O afortunado vencedor no quesito algazarra estrepitosa, tornava-se senador.

         Todos os outros importantes negócios se decidiam pela mesma regra eleitoral. Na impossibilidade de se verificar um ganhador, contavam-se os votos por cabeça, passando os simpatizantes de cada candidato para lados distintos. O sigilo restavacomprometido, decerto. Mas onde existem sistemas eleitorais perfeitos?

Atenas não tinha numerosas assembleias para decidir os destinos da cidade, sendo necessário o uso da coerção física e da multa para obrigá-los a comparecer. Até surgir o eficaz método de remunerar os participantes, e desde então a praça enchia de cidadãos, a plebe sobretudo, interessada nos assuntos de Estado…

Sólon, o grande legislador, coibiu a indiferença politica punindo os que em tempos de agitação se declarassem neutros. Havia-se de tomar partido em Atenas. Foi um mau momento para os oportunistas.

O sábio e virtuoso Aristides devolveu o direito de decisão politica às classes mais baixas, proibido por Sólon, que alegava desregramentos e más decisões daqueles. Um dia, quando o desterro de Aristides estava sendo decidido, um camponês analfabeto, ao seu lado, pediu pra que ele fizesse a gentileza de escrever o nome do célebre cidadão na concha (primitiva cédula eleitoral). Surpreso, o Estadista indaga se lhe havia feito algum mal. “Nenhum”, respondeu o camponês. “Nem sequer o conheço, mas estou fatigado de ouvir sempre e por toda parte chamá-lo justo”. Sólon, parece, estava com a razão…

Dando um salto no tempo, chegamos às eleições papais com seus próprios adornos e manhas. Antiquíssima, aliás, é a lei eleitoral para decidir o sucessor de São Pedro.

É contado que em certa época era proposital a escolha recair sobre o candidato mais debilitado e perto da morte, evitando pretendentes aguardarem por longo tempo a própria oportunidade. Um dos candidatos, deveras decrépito e fraco foi escolhido. Quando rezou a primeira missa pontifical, o fez com tão retumbante voz e disposição que causou surpresa. Além disso, sua galhardia e altivez impressionaram. Indagado por um cardeal sobre o contraste com o recente abatimento, quando todo curvado parecia buscar a sepultura, o novo papa, matreiro, disse que buscava outra coisa: “As chaves de São Pedro”.

                 Estas são pinceladas de um longo e agradável passeio pelo sério e o pitoresco nas eleições desde a Antiguidade. O comportamento de instituições e sistemas durante impérios em seu apogeu e ocaso.

         João Lisboa nos legou um clássico em seu Jornal de Tímon, célebre publicação que tanto enriqueceu a cultura desta terra. A acuidade de suas observações pisam firmes na antiguidade, perpassam a Idade Média e desembarcam nos tempos modernos. As virtudes e vícios políticos francês, inglês e dos Estados Unidos ganham suas considerações, solidamente apoiadas em Plutarco, Salústio, Tácito, Maquiavel, Tocqueville, Chateaubriand e outros. E após percorrer o mundo e as épocas, suas impressões desembarcam por aqui em capítulo dedicado às eleições e partidos políticos no Maranhão.

         Personagens cheios de artimanhas, descaradas burlas eleitorais, vilezas de expedientes, ilícitos vários, povo oportunista, tipos obtusos e a sabujice expõem de tal forma a política em nossa província, que nasce em nós uma firme convicção: à exceção de cuidados com o centro histórico, somos o povo mais zeloso em preservar o passado vivo.

Há um quê de vingança pessoal nisso. Lisboa ocupou cargo no Executivo e no Legislativo, e havia sido alguns anos antes preterido numa vaga à Assembleia Provincial, vítima das mesmas patranhas agora pintadas com rigor.

Um “grego nascido às margens do Itapicuru”, como definia a si este filho de Pirapemas, foi um autodidata cuja cultura chegou a grandes patamares. Ele próprio tornou-se um clássico. Sua escrita de “prosador de finos quilates”, nas palavras de Gonçalves Dias, tornou-o respeitado jornalista, historiador, político e homem de atuação forense no Direito Criminal, mesmo sem graduação formal.  Ganhou desafetos, como o célebre Sotero dos Reis, seu antigo mestre de Latim, que ele certa vez insinuou não saber dar aulas. E que se algum aluno de Sotero conseguia aprender algo era às custas do próprio esforço e não pelos méritos do professor. São as contendas das vãs paixões políticas.

 Chegou a fazer o esboço de um romance que não escreveu. Grande perda. A biografia do padre Antônio Vieira quase vira cinzas, junto a outros papeis que Lisboa dera ordens para queimar após sua morte. Ainda bem que os mortos não deliberam.

         Em Portugal, para onde foi a serviço do Império pesquisar assuntos de interesse do país, morreu.

João Lisboa é um esquecido na literatura nacional. Mais de um célebre crítico literário – Álvaro Lins e Rodrigo Gurgel, por exemplo – afirmaram isso em épocas separadas por mais de meio século. Não se encontram obras suas. Em São Luís, é praticamente uma estátua circundada por escombros onde um dia foi uma bela praça, vítima não de uma guerra, mas algo provavelmente pior… E só a classe política tem sido obsequiosa em tornar sua obra sempre atual…

 

Alexandre Maia Lago é advogado e escritor