Alice e a Lei Eleitoral
João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados
A Seccional da Ordem dos Advogados do Maranhão realizou nos últimos dias 11 e 12 de abril, o III Congresso de Direito Eleitoral. O presidente do Conselho Federal, Cláudio Lamachia, procedeu a abertura, ocasião em que discorreu sobre as providências tomadas pela entidade visando aprimorar e democratizar o processo eleitoral, incluindo a Lei da Ficha Limpa, resultante de subscrição popular, liderada também pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB.
Às vésperas de cada pleito, obedecendo o preceito constitucional de se permitir a alteração da legislação eleitoral um ano antes, o Congresso Nacional labora uma reforma para que as coisas permaneçam como estão, ou seja, que os mesmos continuem no poder, que a população não tenha a oportunidade de mudá-los, renovando as práticas políticas e a representação popular.
Rotulam tudo com o nome de minirreforma eleitoral, adiando questões essenciais, a exemplo da cláusula de barreira para os partidos políticos, de modo a torná-los sólidos, representativos, programáticos, e não como hoje em sua maioria são, siglas de aluguel, instrumentos de negócios e conveniências particulares, pessoais e grupais. É mais um desserserviço ao aprimoramento das instituições do regime democrático. Criada em 1995, a cláusula de barreira esteve brevemente em vigor, foi revogada em 2006, por decisão do Supremo Tribunal Federal, e agora, promete retornar nas eleições de 2020 em 2022, com base nos resultados das eleições deste ano. Voltará ou não?
Nunca se sabe, fica sempre ao talante dos interesses dos que brincam de fazer mágicas no processo eleitoral para tirar os conhecidos coelhos da cartola. É enredo para “Alice no país das Maravilhas”. Esquecem de que o supremo juiz é o cidadão. Teimam em não devolver o poder político à sociedade, esperam eternizar-se e a seus parentes em mandatos e cargos.
Exemplo disso é o financiamento das campanhas eleitorais, tornado público, permite que o bilionário Fundo Partidário, e mais um outro aprovado, de caráter especificamente eleitoral, sejam manejados pelas oligarquias partidárias, prontas para perpetuarem-se, tornando o eleitor um mero espectador, sem escolhas. Para as próximas eleições reduziram o tempo da campanha e da propaganda eleitoral para desgosto dos marqueteiros.
No passado Pelé, o excepcional jogador de futebol, quem o viu jogar sabe bem disso, saiu-se com a frase: “o brasileiro não sabe votar”. Depois da pérola do rei do futebol, resta a indagação: não sabe votar ou não lhe permitem aprender? Após vinte anos de ditadura, em que as eleições estavam condicionadas às circunstâncias do regime autoritário, os candidatos são os mesmos, apresentados pelas oligarquias partidárias, não havendo outras opções para a população.
Esquecem que em 1930 se fez uma revolução ou quartelada, em nome da verdade eleitoral, porque se dizia que os candidatos eram os mesmos nas eleições à bico de pena, controladas pelas oligarquias regionais e nacional. Temos a memória curta, pois não se aprende, como se deveria, a História pátria nas escolas.
A representação popular encontra-se em situação idêntica ou pior a de 1930. Naquele ano ascendeu ao poder o político gaúcho Getúlio Vargas. Ex-deputado, Ministro da Fazenda de Washington Luís, governou o seu Estado, e chegou à Presidência na crista daquele movimento. Positivista conteano de formação, era pouco afeito às eleições. Em 1937 decretou o Estado Novo, tirando-as do mapa. Em 1964 repetiu-se a mesma façanha, mantendo-se as eleições presidenciais e para os governos dos estados, de forma indireta, permanecendo o controle das casas congressuais.
Além dos longos jejuns eleitorais, após os retornos, perduram as legislações eleitorais protetivas dos donos do poder, que não permitem a igualdade entre os competidores, ensejando a que se concretize o afirmado pelo ex-juiz Márlon Reis, um dos líderes da Lei da Ficha Limpa, no livro “Nobre Deputado”: “a política é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro”.
Tamanha é a falta de representatividade das atuais agremiações partidárias que o jurista Modesto Carvalhosa ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal, arguindo a candidatura independente de filiação partidária. Se procedente, oferece o seu nome para a Presidência da República, tendo por principal plataforma a convocação de Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva. O nosso polígrafo João Lisboa, estátua da principal praça da cidade, que tem o seu nome, profeticamente dizia: “não há imundície e podridão que os nossos enxurros eleitorais não tenham trazido à superfície da sociedade”.
O problema não é exclusivamente brasileiro, todas as sociedades democráticas o enfrentam atualmente. Não serão com mágicas e coelhos tirados da cartola que eles se resolverão. Todos os caminhos passam pela devolução do poder político à sociedade civil.