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A pressão social: Espanha mostra que emparedamento de tribunais é fenômeno mundial , por Pedro Canário

 A pressão social: Espanha mostra que emparedamento de tribunais é fenômeno mundial

 

Tenemos derecho a tener la seguridad de que los jueces que nos van a juzgar no van a decidir conforme al nivel de decibelios de la calle. Si los tribunales tienen que someterse a la presión social, todos estamos perdidos, se acabó el Estado de Derecho” – María Peral.

  

Por Pedro Canário

 

“A pós-verdade chegou ao Judiciário. Não importa o que diga a sentença: há que se atacar o tribunal porque ele não julgou conforme o veredicto do povo”, escreveu no domingo (29/4) a jornalista María Peral. Até aí, pouca novidade. Diversos juristas falam sobre isso diariamente, principalmente na ConJur. Um detalhe, apenas: Peral fala sobre a Espanha e sobre como a desinformação a respeito da Justiça no país tem levado a demonstrações de histeria e a manifestações populares com o único intuito de pressionar juízes a decidir conforme a maioria.

O texto foi publicado no jornal El Español, e comenta o episódio que ficou conhecido como La Manada, que tem levado milhares de pessoas às ruas da Espanha há quase uma semana. Na quinta-feira (26/4), um tribunal de Pamplona condenou cinco homens de abuso sexual por agressões coletivas cometidas contra uma jovem de 18 anos.

A pena foi de nove anos de prisão e cinco anos de “liberdade vigiada”. Mas a corte desqualificou a acusação, que era por estupro (ou violação sexual), cujas penas são mais pesadas. A reação popular à decisão foi de revolta: no domingo, 32 mil pessoas foram às ruas de Pamplona protestar, segundo site português Público. Foi organizado um abaixo-assinado online para tentar forçar o tribunal a mudar de opinião.

O abaixo-assinado tem 1,2 milhão de assinaturas. “Se começam outra campanha em sentido contrário e conseguem 1,3 milhão de assinaturas, o que faremos?”, ironiza María Peral. “Mas gostaria que todos os que têm chamado os juízes de Pamplona de ‘escória humana’ e insinuado a violação de suas filhas se imaginem por um segundo que são eles os que sentam no banco dos réus e que suas vidas dependerão de juízes que ouvirão o que vociferam as praças”.

Tudo isso mostra que não é só no Brasil que tentam emparedar os tribunais. No Supremo Tribunal Federal, o caso da execução da pena antes do trânsito em julgado é o mais evidente. O tribunal tem em pauta duas ações que pedem a declaração de constitucionalidade de trecho do Código de Processo Penal que impede a execução da pena enquanto existirem recursos pendentes. Mas vem decidindo, em casos concretos, que réus condenados em segunda instância já podem ser presos.

Os argumentos não relacionados à jurisdição vêm de fora do tribunal, mas povoam o Plenário. Já se disse que o Supremo tem “compromisso com a efetividade da Justiça”, já se repetiu a frase de Rui Barbosa de que “justiça que tarda não é justiça” e já até se disse que eventual declaração de constitucionalidade de uma lei em vigor desde 2011 beneficiaria o ex-presidente Lula, que teve a condenação por corrupção passiva confirmada em janeiro deste ano.

Coisa parecida aconteceu com a declaração de inconstitucionalidade da extração, fabricação e venda de amianto de todos os tipos no Brasil. Quando julgou ação que tratava diretamente do assunto, não houve quórum para cassar a lei que autorizava a comercialização de um tipo de amianto no país. Anos depois, em 2017, numa ação que pedia a declaração de inconstitucionalidade de leis estaduais que proíbem a venda do amianto, o Supremo não só negou o pedido como voltou atrás da decisão anterior e afirmou que o mineral passou por um “processo de inconstitucionalização por consenso científico” – embora os estudos científicos levados ao Supremo durante a audiência pública sobre o tema apontassem para consenso bastante diferente do imaginado pelos ministros.

Mas não para no Supremo. O ex-governador Sergio Cabral, que já ostenta mais de 100 anos de prisão em condenações por corrupção pela Justiça Federal no Rio de Janeiro, chegou a ter o cabelo raspado quando foi preso (antes da condenação) e, quando foi transferido para Curitiba de maneira ilegal, ficou algemado nas mãos e nos pés.

O Tribunal de Justiça de São Paulo também recebeu sua parte, quando manteve anulação de júri que condenou policiais pelo massacre do Carandiru. A nulidade foi a falta de individualização das condutas dos réus pelo Ministério Público, em afronta a ditames legais. Mas o tribunal é que foi acusado de leniência e de cumplicidade com os assassinos.

Tudo isso para satisfazer a desejos punitivistas de uma sociedade que vê em sentenças condenatórias soluções para problemas sociais. Coincidência ou não, a porcentagem da população que diz concordar com a execução antecipada é a mesma da que aceitaria a pena de morte como pena por crimes graves.

Um país com quase 800 mil presos que precisou de uma decisão do STF para dizer que réus primários não podem ir para o regime inicial fechado acredita ser também a terra da impunidade. Não deve ser coincidência que o Brasil também é o vice-campeão em desconhecimento da própria realidade.

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Pedro Canário é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Publicado na ConJur, edição 1º.5.2018.