Petrobras e a falta de imaginação institucional
Política de preços dos combustíveis não pode ser alienada e flutuar abruptamente em função do mercado internacional
Por MARIO G. SCHAPIRO e DIOGO R. COUTINHO
Refletindo sobre os principais desajustes que um país pode sofrer, o economista Mario Henrique Simonsen costumava dizer que a inflação aleija e o câmbio mata. Os últimos dias parecem incluir um terceiro componente a esse diagnóstico: o diesel paralisa. Em um país dependente do transporte rodoviário, parece faltar aos gestores públicos de hoje o realismo de Simonsen de antes, que via no descontrole cambial uma ameaça séria para as especificidades de um país com elevadas taxas de importação.
Não parece muito difícil entender que, na ausência de outros modais alternativos de transporte e na presença de uma empresa de petróleo monopolista, a política de preços dos combustíveis não pode ser alienada e flutuar abruptamente em função do mercado internacional.
A greve dos caminhoneiros, que paralisou a economia e afetou a vida de milhares de pessoas, expõe vários problemas e, entre estes, um dos mais graves: a falta de ideias que assola o país. A crise dos combustíveis é resultado de dois extremos, do excesso de estatismo e do excesso de mercado. É ao estatismo que se pode atribuir uma política de preços para a Petrobras que impôs perdas excessivas para a companhia. A razão para isso foi uma combinação inadequada de objetivos, que misturava uma acertada gestão dos preços para fins de política pública, com um inapropriado controle voltado para segurar a inflação. A reação a este erro produziu um outro engano, de excessivo mercado: a renúncia de se utilizar uma empresa estatal para perseguir políticas de combustível condizentes com as necessidades locais.
Entre a discricionariedade distorsiva e a privatização inconsequente da política de preços, o meio de caminho parece o mais prudente para a Petrobras. Uma empresa estatal de capital aberto, diferentemente de uma empresa privada, não deve ter como parâmetros apenas os objetivos do governo e tampouco os interesses de seus acionistas minoritários. É isso que nos diz a Lei das Sociedades Anônimas, quanto atribui a essas empresas um duplo mandato: o retorno financeiro e o atendimento das suas finalidades públicas. Nesse sentido, descumprem a lei tanto empresas estatais que estabelecem políticas insustentáveis, como aquelas que negligenciam seus objetivos sociais.
Não faz sentido, portanto, uma análise recorrente segundo a qual se a estatal perseguir objetivos públicos, deve ser sempre subvencionada pelo orçamento. Não é esse o nosso desenho constitucional, que atribuiu dois caminhos (e não apenas um) para as políticas públicas. Tais políticas podem ser custeadas por meio do orçamento, sendo assim disciplinadas na lei orçamentária, ou podem ser perseguidas pelas empresas estatais controladas pelo Executivo. Neste caso, as políticas são definidas como parte do modelo de negócios da empresa e são custeadas pela sua própria operação. Não há nada de populista e nem de arbitrário nisso. Por que seria populismo a empresa estatal desincumbir-se das finalidades legais que justificam sua existência, mas se consideraria justo que toda a sociedade subsidie indiretamente sua política de dividendos? Aliás, não há enganos nesse jogo: quem investe em uma estatal sabe que se trata de uma empresa controlada pelo governo e responsável por implementar políticas que nem sempre são lucrativas.
A melhor resposta nos parece passar pelo equilíbrio entre uma política de preços que combine a sustentação financeira da empresa com um fornecimento de combustível em valores razoáveis. Para isso, seria conveniente repensar a opção de estabelecer o custo dos combustíveis em função da flutuação dos preços internacionais do petróleo. Essa decisão não implica necessariamente um prejuízo desastroso para a Petrobrás, apenas relativizará a busca da maximização de lucros. É justamente o alcance deste patamar de retorno razoável, que equilibre saúde financeira e políticas públicas, que deveria orientar as empresas estatais.
Os equívocos de estatistas e liberais na condução da Petrobras nos lembram das dificuldades de se conceber e calibrar instituições adequadas para a governança de uma economia. No caso de uma país em desenvolvimento como o Brasil, o dilema se situa na capacidade de se desenhar os arranjos possíveis e não aqueles retirados das cartilhas e manuais. O terreno do Estado e das políticas econômicas é o espaço do imperfeito e os acertos dependem da compreensão dos desajustes do mundo real.
A solução para essa crise e para as possíveis outras desse setor passam, portanto, pela imaginação institucional e pelo pragmatismo de entender as especificidades do país. Supor que o desenvolvimento advirá com a ação de uma empresa estatal que não enfrenta constrangimentos financeiros é tão irrealista quanto imaginar que um país rodoviário, de renda baixa, se ajustará ao livre mercado dos cartéis internacionais do petróleo.