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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Entrevista José Joaquim Gomes Canotilho

Publicado por Ricardo Mendonça na Folha de São Paulo

Para o constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, os réus do mensalão, julgados exclusivamente pelo STF (Supremo Tribunal Federal), têm "alguma razão" em reclamar pela análise de um segundo tribunal.

Mesmo sem ter acompanhado o caso em detalhes, ele também acha "razoável" a queixa quanto ao papel do ministro Joaquim Barbosa, presente em todas as fases do processo, do recebimento da denúncia ao julgamento.

J. J. Canotilho, como é conhecido, é tido como um dos constitucionalistas estrangeiros mais influentes no Brasil. Na seção de jurisprudência do site do STF, seu nome aparece como referência em 593 documentos. Nas 8.405 páginas do acórdão do mensalão,ele é citado sete vezes.

Canotilho veio ao país lançar "Comentários à Constituição do Brasil", livro de 2.384 páginas (R$ 280), cuja produção envolveu 130 autores em cinco anos. Na coordenação, ele contou com a ajuda do ministro Gilmar Mendes, do juiz Ingo Wolfgang Sarlet e do procurador Lenio Luiz Streck.

Folha – Acompanhou o caso do mensalão? Que balanço faz?

J. J. Canotilho – Eu estava aqui quando ocorreu a primeira audiência. Fiquei com a ideia de que a política é a arte mais nobre dos homens, desde que colocada a serviço das pessoas e da humanidade. Mas a política também tem mãos sujas, dizia Albert Camus. É uma atividade que tanto pode ser criadora de confiança, quanto de desconfiança. Aqui, o que se cimentava era a desconfiança. Então, o tribunal tinha ali uma obrigação de julgar bem. [O STF] Não é só um tribunal constitucional, é de recursos, o que o torna mais visível. Uma publicidade multiplicada, não só pelo estatuto das pessoas, mas porque há uma certa opinião pública que pretende, em muitos momentos da vida coletiva, uma catarse. São esses os fatos: o Brasil tem necessidade da catarse, da purificação, da honradez, da legitimação do próprio poder político. Mas não acompanhei sistematicamente [o caso].

Uma corte constitucional num um caso penal. Que tal?

Tenho dúvidas, um tribunal com tanto poder. O tribunal brasileiro é dos tribunais com mais poderes no mundo.

O senhor compara com quais?

Primeiro, é mais poderoso que o dos Estados Unidos. Tem um conjunto de fiscalizações que não existe nos EUA. Depois, articula as dimensões de tribunal de revisão com as funções constitucionais. E daí vai criando o direito constitucional e, ao mesmo tempo, julgando casos. Tenho dito: o Brasil tem uma outra Constituição feita pela jurisprudência sobretudo do STF. Os tribunais constitucionais [de outros países] não têm essas funções, de serem tribunais penais. E por isso é que eu digo que [o STF] é o tribunal com mais força.

E em relação aos da Europa?

É muito mais poderoso, muito mais. Não há nenhum tribunal por lá parecido com o STF. Acumula competências e poderes que a maior parte dos tribunais não tem, pois só são constitucionais. Ou, por outro lado, são só supremos tribunais que não têm as funções que tem o tribunal constitucional.

Os réus reclamam que não têm um segundo tribunal para recorrer. É uma violação?

Há um pouco de verdade nisso. Quando a gente diz que tem de ter sempre direito a recurso por uma segunda instância, para estar mais informado, é, em geral, nas questões penais. Ou seja, o duplo grau de jurisdição. Nós consideramos isso como um dado constitucional em questões penais. Isso é verdade.

E qual seria a solução?

Não tem muita solução. Por um lado, exigimos que pessoas com estatuto de deputado não sejam julgadas por juiz de primeira instância. E acabamos por dizer: não têm de ser julgados [só] por juízes de última instância, pois afronta a dignidade. Não há recursos sobre todas as coisas. Agora, na questão penal, é também dado como certo que o duplo grau de jurisdição é quase uma dimensão material do direito ao direito de ir aos tribunais. Há alguma razão [dos réus] aí.

Outra reclamação é que o mesmo ministro, Joaquim Barbosa, cuidou de todas as etapas do processo.

Não conheço. De qualquer modo, o que eu tenho defendido sobre a Constituição portuguesa, contra meus colegas criminalistas, é que, num processo justo em direito penal, quem investiga não acusa, quem acusa não julga. São sempre órgãos diferentes. Isso para não transportar as pré-compreensões adquiridas em outros momentos do processo ao momento do julgamento. Então é razoável questionarmos.